segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

País adiado

O processo de desertificação que lentamente foi tomando conta do país a partir dos anos sessenta do século passado, está a atingir velocidade e proporções que poucos anteciparam. Se é verdade que durante anos as zonas atingidas foram os concelhos rurais do interior e isso não pareceu afectar os fazedores de opinião profissionais, hoje são os grandes centros urbanos do litoral e o país inteiro, que começam a compreender que o futuro talvez não passe de uma miragem.
Dos quinze milhões de portadores de BI português cinco estão espalhados pelo mundo, em busca de oportunidades, que a terra mãe lhes nega. Ao ritmo actual irão restar os velhos e os de meia-idade. Muitas terras já não têm escolas, hospitais, tribunais. Os jovens, e os não tão jovens, estão a sair do rectângulo a um ritmo só visto nos anos sessenta. Então foi o interior que foi despojado do futuro, hoje é todo o país.
Chegamos então ao paradoxo de vermos um suposto governo liberal a aumentar os impostos para níveis nórdicos, a fornecer serviços ao nível africano, a vender empresas públicas a governos estrangeiros. Os discursos são desmentidos pelos próprios autores, a cada dia. Os factos ultrapassam a capacidade oratória, fraca diga-se, dos arautos pseudoliberais.
Como estancar a hemorragia? Como inverter politicas suicidas, autodestrutivas?

Ou começamos a extrair petróleo, ou de uma vez por todas apostamos na principal riqueza do país, as pessoas. Ou começamos a valorizar menos o ter e mais o s(ab)er ou continuamos a injectar dinheiro para cima dos problemas, faltando apenas saber a data do incumprimento. 

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Morro do Moco

Chegou o dia esperado. Era um domingo diferente. Embora a saída não fosse logo pela manhã, acordei cedo. Aproveitei para ler um pouco. Por volta das dez e trinta estava no local de partida. Já lá estavam alguns colegas. Pelas onze e pouco partimos para a expedição acordada.
Mais um dia de calor, iríamos fazer a viagem durante o período mais quente. A deslocação decorria em bom ritmo, pese serem cinco as viaturas. Depois de algum tempo deixámos de ver a Ranger que circulava atrás de nós. A cobertura de rede telemóvel ainda deixa muito a desejar. Estávamos numa zona sem cobertura. Parámos todos e esperámos. Algum tempo depois chegou a retardatária. Estava a aquecer. A vantagem num grupo como este é que é bastante ecléctico, logo foi identificado o problema, radiador. Como houveram desistências, lográmos transferir carga e ocupantes para as restantes viaturas. A Ranger avariada voltou à base, nós continuámos, ainda tínhamos mais de quatro horas de viagem à nossa espera.
A passagem pelo Waku Kungo foi uma surpresa. O antigo colonato da Cela, ainda surpreende pela positiva, comparando com o que conhecemos de Angola. Leva-nos a imaginar como foi e podia ter sido...
No Alto Hama deixámos a N120, para o Huambo e tornámos à direita pela N250 na direcção do Lobito. Chegados a Ussoque, abandonámos o asfalto e entrámos nos últimos dez quilómetros que demorariam uma hora inteirinha a ser percorridos, balançando tanto que mesmo no mar alto um barco pareceria mais simpático para estômagos fracos.
Finalmente as majestosas montanhas estavam frente aos nossos olhos, chegámos a Kanjonde estava a decorrer uma partida de futebol, tivemos que atravessar o “estádio” para entrar na aldeia, as crianças não quiseram mais saber de futebol, queriam ver os estranhos que lhes invadiam a vida.
  Veio o Soba, apresentámos-lhe os nossos cumprimentos. Escolheu-se o sítio para a base, no alto após a aldeia. Começámos a montar as tendas e logo veio a chuva e o vento e a noite. Tudo junto. Mais uma trovoada imensa. O frio começou a apertar, apanhando-nos de supetão. Logo a mim, que pensava que nunca iria necessitar de algo mais que uma T-shirt ou uma camisa. Foi complicado acender o carvão nestas condições. Mas para um churrasco, convidado que não pode faltar é o carvão. Fizemos uma cobertura improvisada com um plástico entre duas carrinhas. Os “pilares” representaram uma invenção, se a segurança visse...
Apareceu uma guitarra e rolaram canções. O vento, a trovoada e a chuva, não devem ter gostado pois intensificaram-se tanto que as trovas acabaram cedo. Uma das tendas tinha voado rumo ao infinito. A noite prometia. Só pelas 4 da manhã houve tréguas.
O despertar foi cedo, pelas 5 e meia. Pelas caras percebia-se que a noite não tinha sido muito bem dormida. Comer alguma coisa. Preparar as mochilas, água, sumos e algo para comer. Vieram os guias, o Domingos e o Celestino. Saímos pelas 7 horas. A chuva voltou. O frio não chegou a partir. A paisagem linda de morrer. Duas linhas de água não muito profundas, não fizeram mossa na equipa, o terreno continuava praticamente plano. Após cerca de dois quilómetros iniciámos uma descida íngreme, mais de cem metros, inclinação superior a cem por cento, lançaram o primeiro alerta, como seria no regresso? Após a subida ao Cume?
Um campo de milho e um riacho de águas límpidas a chamar para um banho, talvez mais tarde, que ainda friava bastante. Continuava com um polar, nunca tinha utilizado tal adereço por terras africanas. A subida começou brutal, sem aviso prévio. A margem esquerda do riacho continuava no mesmo registo em que terminara a direita.
Vimos umas pequeninas flores amarelas, a planta completa consistia em apenas quatro folhas, carnudas, abertas a proteger a pequena flor. Nunca tínhamos visto tal. Após uns 200 metros terminou o espectáculo. As tais flores desapareceram, elas que seriam umas boas centenas no caminho que acabáramos de percorrer. Algumas árvores raquíticas ponteavam a paisagem. Mais uns riachos, pequenos mas ruidosos, foram atravessados. O terreno continuava fácil. Virámos. Terminou o flanqueamento. O nosso desafio estava em frente. Iria começar a subida. Encosta arborizada, coisa rara por estas bandas. Não sei se as pequenas árvores são o que resta, ou se são a floresta típica desta zona.
A subida empinou, o terreno apresentava-se agora, rochoso. O arvoredo cedo acabou. Depois de uma curva, um belo vale verde apresentava-se aos nossos olhos. O Morro do Moco, finalmente à vista. Ui. Tão alto... O solo negro e fundo, o capim de folha larga. O guia disse-nos que traziam os bois até ali para pastar. Parou a chuva e logo despontou sol inclemente. Polar e chapéu fora. A roupa estava mais molhada que depois de lavar, junto suor e chuva.
As pernas continuavam soltas. Permanecia no grupo da frente, logo atrás do Domingos, que por estas horas já caminhava descalço, pois as suas Havaianas tinham desistido de ser calçadas...
Última etapa da subida. Começaram as dificuldades. O chão fundo não oferecia resistência ao peso e afundava um pouco, o suficiente para tornar uma subida difícil, num desafio quase intransponível. Comecei a descolar. Primeiro um, depois dois e finalmente três, passaram-me. As passadas começaram a ser intervaladas, após cada duas ou três, por paragens cada vez mais frequentes. A subida era agora feita em ziguezagues. Chegámos ao cimo. Ufa. O cume do Morro do Moco. O ponto mais alto de Angola. 2620 metros acima do nível do mar. A vista é linda. De cortar o fôlego. Desfrutamos todos os 360°. Tudo verde. O Huambo é lindo. O resto do pessoal ia chegando. A satisfação de terminar a subida era visível nos rostos cansados. As fotos da praxe, cada qual por si. Depois todos juntos. Foi aí que me apercebi da minha grande falha. Não levei a Portuguesa. Os brasileiros tinham a sua verde-amarela com a “Ordem e Progresso” e o Cruzeiro do Sul. Os angolanos a rubro-negra com a catana e a roda dentada, mostrando a tradição e o futuro, apenas eu, único português, fiquei sem bandeira. Imperdoável.
Chegou a faixa com os dizeres “Expedição ao Morro do Moco – Odebrecht – AH Cambambe – 11/11/2012”, fotos “oficiais” dos expedicionários que atingiram o objectivo.
Começou o regresso, mais sete quilómetros aguardavam por nós. Início rápido, quase em corrida, para vingar o chão que tantas dificuldades dera na ida. Sempre na linha da frente, sempre em passo rápido.
O grupo começou a abrir brechas, deixámos o guia numa zona onde podia haver dúvidas para os que nos seguiam. Chegámos rápido ao ponto mais baixo do trajecto, o riacho de águas límpidas e convidativas, apenas a 1700 metros, 900 metros abaixo do cume. Alguns seguiram para a base, para começar o almoço, eu rápido despi a roupa transpirada e entrei na água gélida, nunca me soube tão bem um banho gelado. As pernas que tinham começado a doer, agradeceram, os pés maltratados, agradeceram mais ainda. Faltava pouco.
Vestir e arrancar para a etapa final, fácil. Fácil? Só para quem está desatento. Logo no início alertei para a dificuldade desta zona íngreme. Foi nesta subida que experimentei as maiores dificuldades. A dor nas pernas voltou inclemente. Os dois quilómetros finais pareceram duas eternidades. Os dois Valinhos da ida, transformaram-se em canions profundos, a aldeia nunca mais aparecia. Os meus sonhos iam todos para uma Cuca gelada.
Finalmente Kanjonde. Nunca um aglomerado de casas de terra e telhados de colmo, me pareceu tão convidativo. As crianças, imensas, rodearam-nos, com olhos cheios de curiosidade e barrigas cheias de fome, ou olhos cheios de fome e barrigas cheias de curiosidade.
Fomos bebendo água, que terminara. E na ausência da Cuca, foram umas cinco Cristal, portuguesas. Mais umas picanhas grelhadas, muita fruta. Tudo arrumado, tendas e lixo, não ficou nada para trás.
Havíamos chegado há duas horas e ainda faltava gente. No horizonte duas trovoadas. A chuva regressou à aldeia. O sol baixava. O frio reclamava o seu lugar. Finalmente o grupo completo. Partida de regresso a Cambambe, seis horas de viagem.
Em Cambambe às dez da noite. Calor. Chuva nem vê-la. Frio? Ná...
Foi assim que comemorámos a independência de Angola, doridos mas vivos e com vontade de trabalhar neste país. Vontade de produzir muita energia eléctrica, para que as crianças de Kanjonde não continuem a ter a escuridão por companhia todas as noites.

Deixámos livros e lápis ao Soba, para que pudesse distribuir pelas crianças, que são quase duzentas numa aldeia de trezentas almas.

domingo, 29 de setembro de 2013

Chuva

Trovejava de novo após cinco longos meses de ausência, logo grossas bátegas de água desciam pelos céus encharcando sequiosos solos, lastimosos solos sobreviventes às queimadas crescentes dos últimos meses. A côr passou do verde ao dourado e finalmente ao negro azeviche. Com as almejadas lágrimas celestiais o verde breve retomará o seu lugar nos baixios das paisagens, ultimamente escurecidas.
E o cheiro… Cheiro de terra molhada. Tão ausente nos meses recentes. Tão presente logo após as primeiras gotas terminarem a aérea viajem. Gotas prenhes de vida, tão cheias de promessas, que até parecem políticos. Ao invés destes sói dizer-se que a sua chegada é sucedida de uma explosão de vida, é um ciclo que recomeça.
Trovejava de novo, sons com o condão de todos transportar para o exterior, contemplar uma mescla de tons de cinza no lugar do firmamento. Sons dignos de ombrear com dignas composições operáticas e lado a lado elevarem olhos marejados para os raios que cruzavam céus imensos antes de escolherem o local onde se iriam entranhar.

Logo, logo os rios voltarão a ser alterosos, poderosos, fazedores de paisagens maravilhosas, proporcionando vida, proporcionando esperanças.  

domingo, 15 de setembro de 2013

Rios

Pensamentos fugidios escorregam pelos dedos e dá uma canseira voltar a pegar nos escapistas camuflados. Nesta altura de fins do cacimbo em que chuvas trovejadas se projectam e os calores anunciadores de dilúvios são só projectos ainda, sons, cheiros, sensações, sobrepõem-se cada um pulando sobre cada qual.  Antagonismos lutam numa tentação de protagonismo como se de políticos se tratara. Abstractismos erráticos aproveitam estes momentos para vir à tona e ombrear com os assuntos mundanos prácticos do dia-a-dia. Como chegámos aqui? Tantos rios viajados. Das margens tranquilas e galgáveis do Almonda até aos vales rasgados e profundos do Kwanza, das cheias enriquecedoras da infância à fonte de vida e laço de união de povos desunidos do Sahel, das montanhas demarcadas do norte, terra mãe de vinhos, ao grande rio do deserto, do maior rio ibérico ao maior do planalto angolano. Tantas nacionalidades, tantas vontades. O fascínio que sempre tributámos aos rios pegou-me forte, eu que sou ribeirinho, de uma terra de riachos vizinha de rios fartos, sempre disponíveis para partilhar riquezas, água, energia, areias, fertilizantes, peixes, paisagens, passeios…
Sucederam-se o Ribeirito, o Ribeiro grande, o Almonda, o Alviela, o Tejo, o Arade, o Guadiana, o Vouga, o Mondego, o Mira, o Senegal, o Níger, o Douro e o Kwanza, cada qual com seu caudal, com sua história, mas todos me entreabriram a janela.

Os rios fluem para o mar, como a vida vai descendo patamares até à foz, mas rios há carregados de mistério, como essa maravilha da natureza que é o Okavango, fonte de vida no deserto. Rio que corre ao contrário, adentrando-se terra infinita, que lhe bebe toda a seiva, sugando-o até ao desaparecimento, que é simultaneamente o garante da sua inolvidabilidade. Assim é a vida, se para quase todos segue caminhos pré-estabelecidos e ignaros, para os que se inquietam e trilham caminhos contrários, pode ser mais dura, mas certamente muito mais saborosa, reservando sobremesas insuspeitadas e dando sentido a caminhos árduos.

sábado, 7 de setembro de 2013

Música


Rápida ou lenta, familiar ou desconhecida. Sons que revolvem a alma, que irritam a pele, que apaixonam sorrisos. Sentimo-nos próximos, por mais mares que nos separem de casa, quando podemos escutar a “nossa” música. Une desconhecidos. Puxa-nos para a pista de dança. Obriga-nos a estudar línguas estrangeiras. Descobre amizades novas. Descobrimos que nos antípodas se ouvem os mesmos sons. Cria identidades. Erudita, popular, comercial. Intemporal ou datada. De intervenção, de amor, de guerra, nacionalista, folclórica. Antiga, clássica, moderna, punk, pop, rock, pós-moderna, minimalista. Acompanhada de poesias, instrumental. Tocada por orquestras, em bandas, grupos ou a solo. Enquanto conseguir emocionar-me a ver um pôr-do-sol, voltado a oeste num alpendre com uma cerveja gelada, a ouvir música, a sentir uma saudade imensa, sei que estou vivo e são.

sábado, 20 de julho de 2013

RX


Já fui e voltei. Aconteci. Esquentei. Absorvi.
De volta ao fresco africano, após uns dias a queimar em Portugal. Tive a felicidade, na breve permanência caseira, de poder assistir à estreia do documentário “RX” do João Luz. Despretensioso. Despojado. Mesmo sem objectivos estéticos, como o realizador assinalou, assinala um problema cada vez mais premente: Riachos tem futuro?
O presente é muito cinzento, em todo o entorno de Riachos e também no seu interior, companhias que nos habituámos a conhecer, fecham todos os dias arrastando famílias para situações que não estariam nas previsões ainda recentemente, nos tempos áureos do “Centro do Progresso”.
Se o motivo do João foi uma reação à notícia da publicação pela CM Torres Novas da lista das obras do Rodrigues, mostrando o que não foi feito em Riachos, a resultante pode ser maior que o esperado. Se é verdade que o João é candidato à Assembleia de Freguesia pelo BE e com a honrosa excepção do José Luís Jacinto (PSD) e António Mário (PCP) os restantes mostraram falta de “fair play”, para dizer o mínimo, também manda a verdade dizer que lançou uma questão que não pode ser escamoteada, Qual o futuro de Riachos? Ao que eu acrescentaria, Será que Riachos tem futuro?
Vejamos apenas factos. A Escola Chora Barroso, quando abriu, há cerca de duas décadas tinha meio milhar de alunos, hoje terá pouco mais de duas centenas e um futuro muito nublado a prazo. Ruas há em Riachos com menos de uma dezena de habitantes, em que o mais novo terá sete dezenas de primaveras. Se é verdade que os riachenses sempre procuraram sustento fora de portas, isso significava há algumas décadas, Torres Novas, Entroncamento, Alcanena, Lisboa, embora muitos conterrâneos tivessem encontrado porto seguro em Paris, Amesterdão, Londres, Luanda, Lourenço Marques, Macau. O que os novos navegadores têm à sua espera são os destinos longínquos, os tradicionais que permitiam a vida caseira, já não têm essa capacidade. O problema de Riachos então é similar, talvez mais pronunciado, às localidades vizinhas, apanhadas num remoinho voraz que tudo suga. Se sempre partimos, porque é isso agora um problema? Talvez porque ontem muitos saiam e muitos ficavam. Hoje muitos saem e alguns ficam. Amanhã talvez muitos saiam e poucos e velhos fiquem. Esse filme que parecia longínquo, já o vimos em milhares de terras desse interior, completamente abandonado. Temos um país tão pequeno e deixamos metade ao abandono…
Voltando ao “RX”, valeu pelo alerta, pelas entrevistas, pelo empenho. Houve alguém que entendeu que a sua terra merecia uma reflexão, isso nos dias de hoje já é alguma coisa. Não sou do BE, não vou votar nas eleições autárquicas, pois estou em Angola, mas tenho de reconhecer ao João a pedrada no charco. A vontade de provocar a discussão, que tão arredia tem andado dos nossos hábitos, hoje por hoje mais voltados para nós próprios, mais parecemos náufragos no meio do oceano, desejosos de ser ouvidos mas incapazes de ouvir.

Tenho para mim que se é importante embelezar a terra para aumentar a autoestima. Se as festas são tantas vezes aproveitadas pelos “navegadores” para matar saudades e ver caras conhecidas. Riachos só terá futuro se conseguir prover os seus. Como alguém já disse há muito tempo, “it’s the economy stupid”. Ou ter a sorte de algum dos seus vizinhos conseguir esse desiderato…

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Amanhã


O dia é amanhã!
Alguém diz que a esperança é vã…
O equador vou cruzar
Daqui vou zarpar
As estações vou inverter
O sol vai-me derreter!
Eu também quero ir
Não preciso fugir
Dias cheios de cor
Antecipo o sabor
De um ensopado de enguia
Amanhã é o dia!

domingo, 23 de junho de 2013

Ainda...

Tudo o que quero é ser livre. Tudo o que queremos é ser livres. O que os estados, por intermédio dos seus governantes, as igrejas por intermédio dos seus representantes e as empresas de marketing por intermédio de todos os estratagemas a que podem deitar a mão, querem é controlar-me, controlar-nos. Como é que sei isto, sabemos, e deixo que o controlo aumente a cada dia, sem nada fazer. A publicidade entrou de vez na política. Os estudos de mercado, permitem um conhecimento alargado da consciência colectiva. Sempre que baixamos a guarda lá vem mais uma “à 1984”. Desta feita o americano Snowden explicou o que o governo do seu país está a fazer. Que inclusive pirateia empresas de telefones chinesas. Escuta tudo o que se passa na net. Os americanos concordam, em nome da segurança. Acho que irão concordar sempre até chegar à sua vez…
“Se queres vender armas, cria inimigos”
Já há alguns anos que africanizo. Transformo as histórias, tantas vezes ouvidas, em ocorrências minhas. Começo a entender o que tantos, brancos e pretos, passaram por estas terras. Histórias tantas vezes brutais, tantas vezes belas. África à semelhança do seu clima, pode ser impiedosa, sendo igualmente maravilhosa. Este chão vermelho impregna-se em todos os poros de quem por cá caminha. Independentemente das opiniões e “feridas” de cada um, se algo salta à vista é que estes povos que por cá andam, mereciam melhor sorte, não no chão ou no clima, que aí não podemos fazer muito, mas no término de conflitos, tantas vezes estranhos, tantas vezes exógenos, e no verdadeiro aproveitamento da maior riqueza que qualquer terra pode ter, o seu povo! Aproveitamento não no sentido de exploração, mas no de oportunidade, equidade. Se tantos consideram que houve regressão na europa neste último lustro, o que haverá a dizer da regressão experimentada por estas terras nas últimas 4 décadas…


Como se diz por cá, quando alguma tarefa urgente está por concluir: “ainda”

domingo, 16 de junho de 2013

Tempos Difíceis


Nas alturas difíceis forjam-se solidariedades. (Re)aprende-se a colaborar. É nas dificuldades que se ganha o espírito de sacrifício. Que se aprende a sofrer. Para se formar um salto há que pôr os pés no chão e formar o impulso. Os verdadeiros amigos são aqueles que comeram connosco o pão que o diabo amassou.

Tanto haveria mais a dizer acerca de tempos passados em que os sobreviventes empreenderam a sua demanda por um sentido de vida, que poupasse os seus descendentes às dificuldades que foram obrigados a passar. Quando os tempos melhoram recordam-se com nostalgia e muitas vezes com um sorriso nos lábios, os tempos difíceis passados. Contam-se aos filhos ou netos histórias do tempo em que uma sardinha dava refeição para dois, quando eles dizem não gostar de peixe. Sempre com a esperança que eles não tenham que passar pelo mesmo.

Pois bem, esses tempos estão de volta, infelizmente. Há que aproveitá-los para fazer uma “reforma” sobre as nossas vidas. Temos que reaprender a exigir que aquilo que compramos, com tanto sacrifício, valha o que nos pedem. Temos que exigir aos eleitos que cumpram um mandato de acordo com as propostas que nos apresentaram. Que impedir que uma vez eleitos, esqueçam a democracia por quatro anos, esqueçam que só lá estão porque nos apresentaram um programa, o qual validámos. Temos que aprender a cobrar.

Temos que exigir a revisão da constituição (ou uma nova) onde fique bem claro, que quem governa tem um mandato que começa e acaba nas suas propostas eleitorais, nem mais nem menos. Até podem baixar vencimentos, despedir e cortar nas reformas, desde que isso esteja explícito no seu programa eleitoral. Temos que voltar a acreditar, antes que seja tarde e isto impluda e para além das desgraças todas que se abateram sobre nós, alguma espécie de totalitarismo volte a deixar a sua sombra negra sobre estas terras sofridas.

Algo está a mudar. Hoje voltou a discutir-se política. Queremos saber onde se corta e porquê. Onde se gasta e porquê. O debate vai evoluindo. A exigência vai aumentando. Os “boys” vão perceber que estão encurralados. Que o futuro não passará por eles. Têm que se fazer à vidinha. E isso mais cedo que tarde.

A mãe Terra tende sempre para um equilíbrio, por vezes violentamente. Afastámo-nos muito da natureza, e pensávamos que a espécie humana tinha todos os direitos sobre tudo o resto, aos poucos começamos a compreender que afinal não é bem assim. As alterações climáticas estão aí para comprovar que vivemos integrados num sistema, sem o qual não sobreviveremos. Somos parte do todo. A economia parecia uma criação do homem com regras próprias, a comprovar a nossa ascendência celestial, nada como um choque com a realidade para perceber que as leis que regem a economia são as mesmas que regem a natureza. A reação será violenta.

Não tenho dúvidas que sairemos mais fortes no final. O que não sei é quando. Nem quantos…

domingo, 9 de junho de 2013

Voo


Havia magia no ar. Sentia-se a cada inspiração. O céu vermelho. A brisa constante que estacou subitamente. Os chilreios inaudíveis. Sentia-se parte de um quadro, só não identificava qual… Reconhecia cada detalhe. Mais um esforço de memória e nada. Sentia que estava a ser testado. O silêncio que o acompanhava normalmente nas mais estranhas situações não faltava, dando-lhe uma sensação de segurança. Inspirou fundo. Fechou os olhos. Começou a reconstruir cada detalhe. Como chegara ali. Que estranha sensação de bem-estar lhe chegava desde o chão, o calor subia ruborizando as faces. Caminhara tanto para ali chegar. Ultrapassara tantos obstáculos. Desligou os sentidos, numa tentativa para isolar-se da envolvência. E foi então que compreendeu. Sorriu. Voltou a abrir os olhos. Pássaros de todas as cores e tamanhos irromperam num esvoaçar ébrio, em todas as direções sem nexo algum. Chilreios, grasnados, pios. Estava no ponto mais alto do céu. Escolheu a presa. Inspirou fundo, fechou as asas e iniciou voo picado, rápido atingiu os 300 km/h, não havia fuga possível. Quando o pobre pombo foi atingido, nem se tinha apercebido ainda da presença do mais rápido voador natural do planeta. O “Falco peregrinus”, falcão peregrino tranquilamente voava em direcção ao ninho, onde era aguardado efusivamente pelos filhotes…

domingo, 2 de junho de 2013

(Des) sonhar


(Des) sonhar. É a sina de tantos por estes dias…

Segundo um provérbio tibetano, se um problema não tem resolução, então não é um problema, é um facto. Se um problema tem resolução, então não é um problema, basta resolver.

Numa época, dita, sem líderes carismáticos, cinzenta, sem desígnios, “de fim de festa”. Os políticos passaram a ser “pragmáticos”, sem programa. A “realpolitik” passou a dominar. Os interesses pessoais estão completamente por cima dos comuns. Um tempo sem ideologias. Descrença, desemprego, desvario, destruição, desespero, des…

É chegado o tempo de resolver. Passar de uma vez por todas a reparar nos pormenores. Ler as letras pequeninas. Ouvir o que dizem os políticos. E cobrar! A democracia é o exercício do poder por representantes do povo, que para tal se habilitaram, mas também é a prestação de contas. E aí reside o nosso problema. Levamos pouco a sério as eleições. Melhor dizendo, não cobramos as promessas não cumpridas após o cumprimento dos mandatos. Deixamos aquilo que devia ser a mais nobre das ocupações, a causa pública, ser desvalorizada até ao nível da sarjeta. Não cuidamos do que é nosso. Permitimos que qualquer um se arrogue o direito de governar. Não exigimos um caderno de encargos, claro, conciso e preciso. Não cobramos.

Dito isto, verifico que ao longo da história só por breves momentos tivemos elites merecedoras de tributo. No mais apenas oportunistas e personagens menores. Dos actuais apenas constato que se tivessem consciência do lugar abjeto que a história lhes reservou desde já, teriam vergonha do papel a que se estão a prestar.

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Há Dias Felizes


Hoje tive a confirmação confirmada. Sou um bicho-de-mato. Bicho mesmo. Há já algum tempo que faltava completar um levantamento de uns terrenos que vão ficar submersos. Fui. O pessoal estava desconfiado. Como só me viam no gabinete, pensavam que eu era um brancolas de cidade. Fomos buscar o Soba da Terra Nova. E descemos para as lavras. O caminho foi complicando. A partir de determinada altura as catanas tiveram que entrar em acção. Encontrámos um trabalhador que estava a cortar mato numa lavra de mandioca, foi connosco. Seguimos pela margem do rio, em precários equilíbrios. Depois o mato fechou até ficar intransponível. O Soba continuou rio adentro, água pela cintura, eu segui-o, os outros ficaram de boca aberta e foram dar uma grande volta. Tive que esperar quase meia hora pela sua chegada. Já me olhavam com outros olhos. Completámos o trabalho. Transpirei como um rio. Já nem sabia distinguir o molhado do transpirado. Comi massangue, parecido com o gib-gib da Mauritânia, dendém e mamão. Encontrei bissap, que aqui se chama ozélia, hibiscus sabdariffa L. Já não via isto desde a Mauritânia, gosto muito, é agradável e ainda por cima faz muito bem, baixa a pressão arterial e tem muitas vitaminas e antocianinas. Cheguei a casa quase às três da tarde. O refeitório estava fechado. Fui a casa mudar de roupa e tomar um duche. Não havia água. Fui ao escritório e acabei o desenho. Desci para jantar com um sorriso nos lábios. Há dias felizes!

domingo, 26 de maio de 2013

Sol e Sombra


Tal como temos dias luminosos a raiar o sagrado e outros nebulosos, como os dias vividos por tantos nestes dias. Tal como vemos a natureza numa explosão de vida, após umas boas chuvadas e um pouco ao lado vemos a destruição que as mesmas podem provocar, especialmente entre os mais despreparados ou desatentos. Tal como o fogo destrói e permite a regeneração após a sua passagem, de tal forma que é uma técnica utilizada há milhares de anos, para permitir a obtenção de pastos verdes em contra estação ou o cultivo agrícola. Tal como as estações se sucedem, neste nosso planeta azul, após cada subida vem uma descida e vice-versa. A vida é feita de ciclos. O nosso papel é cuidar de entender esses ciclos e tentar prolongar as subidas e amortecer as quedas.

Quem já teve oportunidade de apreender, nem que seja por um breve instante, a luz, o ar, a vastidão, a mobilidade, do deserto, compreende que mesmo em circunstâncias difíceis a vida está lá e aproveita todas as oportunidades para se desenvolver. Assim os tempos difíceis sejam aproveitados para jogar para estibordo as bugigangas que transportamos nas nossas vidas, convencidos que transportamos valores incalculáveis. É precisamente quando estamos numa encruzilhada que tomamos as decisões que moldarão presentes futuros.

Só há sombra quando há sol. É a distância que acrescenta saudade. É a doença que nos faz querer saúde. Rezamos quando deparamos com dificuldades inesperadas. Porque não aproveitar estes dias tão longos para debater, seriamente, que sociedade queremos deixar aos próximos? Em nove séculos já tivemos vários paradigmas, conquistar terra, glória, fama, riqueza. Aumentar o território, descobrir novos mundos. Evangelizar. Viver aventuras. Miscigenar o nosso sangue com todos os sangues do planeta. Manter a independência. Declarar de novo a independência. Manter territórios. Obter reconhecimento. Promover o desenvolvimento. Promover a integração europeia, num regresso a “casa”. Integrar o pelotão da frente do euro…

Durante séculos os “mais velhos” foram respeitados. Foram os garantes da tradição oral, da passagem de testemunho. Considerados sábios. Escutados e não apenas ouvidos. Criámos então uma sociedade sem espaço para os mais velhos. Conseguimos uma evolução tecnológica tão rápida, que os mais novos é que passam conhecimento aos mais velhos. E achamos normal. Embriagados pelas facilidades da tecnologia, desrespeitamos as leis da natureza. Se alguma coisa devíamos ter aprendido é qua a natureza tende sempre para um equilíbrio. Por mais que façamos, por mais que a tecnologia evolua, não podemos alterar as leis da natureza, apenas as dos homens. Como o caminho só se faz caminhando, porque não voltar a respeitar as leis da natureza e voltamos a escutar os mais velhos?

Cacimbo


O céu plúmbeo ameaça desaguar rios sobre as nossas cabeças. Finalmente conheço o cacimbo. Tanto lhe ouvi, em passados de outras eras. Tanto imaginei. Estou a experimentar por fim, a diferença do ouvido e do vivido. Manhãs frescas, agradáveis. Sol a chegar tarde, como se houvesse abusado na véspera. Chega devagarinho, para não assustar. À tarde dá um ar da sua graça e parte, tranquilo. O orvalho matinal vai mantendo alguma verdura, embora o verde, dominante desde a minha chegada, esteja a ceder. As queimadas. Pintalgam as noites, quais estrelas. Métodos mal repassados, dão maus resultados.

Semana triste e complicada. Lembra-nos que devemos estar sempre prontos para partir. Tudo deve estar sempre pronto. A nossa vez pode estar aí. Não devemos tomar nada como garantido. Bem hajam, os que já foram. Boa sorte para os que ficaram.

E no entanto, começara tão bem… Mais uma ida a Luanda, mais uma estada com amigos. Um brinde aos amigos!

domingo, 12 de maio de 2013

Casino


Segundo parece, o principal trunfo do Vitinho foi recuperar a credibilidade internacional de Portugal, o que    quer que isso seja, e permitir o regresso aos mercados e emitir dívida sem recorrer à troika. Não entendo muito de mercados, mas acho estranho que um país que destruiu a sua economia, reduziu um em cada cinco cidadãos ao estatuto de desempregado, ao qual retirou o subsídio na maioria dos casos, esteja em melhor posição que antes, quando o défice continua teimosamente na ordem dos 5% e não mostra sinais de querer baixar. Acho estranho que a nossa imprensa tão bem informada, não note que por exemplo o Ruanda faça a primeira emissão de dívida da sua história a uma taxa similar à Portuguesa… Acho estranho que não faça notar que outros países africanos que nunca tiveram acesso aos mercados, este ano tenham iniciado esse processo, com sucesso. Será que não notaram que essa poderá ser a nova bolha a rebentar? Será que é normal Portugal depois do Processo de Destruição em Curso, consiga melhores condições que antes?

Quando é que começam a fazer o trabalho de casa e percebem o que está em jogo? Vivemos uma economia de casino. O Vitinho é um simples peão. O Passos irá ser recordado como o maior incompetente que alguma vez chegou ao poder em Portugal. Infelizmente serão necessários muitos anos para ultrapassar tanta incompetência.

O que faz a esquerda portuguesa? Age como se nada se passasse e continua o seu caminho indiferente à implosão social, à destruição da sociedade. Qual D. Quixote a lutar com os moinhos de vento. Para quando um pouco de visão e solidariedade para com quem, supostamente querem proteger?

domingo, 28 de abril de 2013

Bacalhau


A vida dá muitas voltas, qual rio alteroso que desce das montanhas até à planície, onde acalma antes de finalizar a jornada no mar. Bacalhau. Eu. Cozinha. Que confusão.

Vamos por partes.

Temos 1001 receitas de bacalhau. Fiz uma receita de bacalhau, que desconheço se está nessas 1001.

Talvez seja ignorância. Mas vamos aos factos.

Primeiro coze-se o bacalhau, depois colocamos na frigideira, junto com pimento assado, tomate, cebola às rodelas, alho esmagado e margarina. Mais concentrado de tomate, colorau, piripiri e “first but not last” cerveja. A tudo isto agrega-se batata “meio-frita” às rodelas. Deixa-se “temporizar” e já está!

Críticas: “Excelente”!

Uhf!!

sábado, 27 de abril de 2013

Labirintos


As paredes brancas e ásperas pareciam convidar a coçar as costas, qual heliânfora a atrair os insectos com seu aroma de podridão. Caminhava sob um sol inclemente havia horas, sem nenhum lamento, sem nenhum queixume. Só conseguia pensar em paredes brancas e ásperas. Não que tivesse algum fetiche por elas, ou assim o cria, pelo menos. Não se via vivalma. O silêncio opressivo sobressaía por entre pequenos montes. Não entendia como tinha chegado ali. Não conseguia organizar os pensamentos, paredes brancas e ásperas, eram tudo o que formulava e continuava a caminhar. A sombra tinha-lhe sido roubada, mas nem isso parecia causar-lhe mossa. Visto de alheios olhares, não deixava de ser um quadro insólito, um caminhante, sob um sol inclemente, apenas focado em paredes brancas e ásperas, que não fazia sombra sob os seus pés, que se moviam incansavelmente. Diziam que não era digno de possuir nada, daí terem ficado com a sua sombra. Vivia uma não existência, não lhe era permitido parar em solo de outrem. Por isso caminhava sempre. Outros tempos experimentara, no que parecia um sonho impossível, em que se julgara dono do destino, tal a confiança que emanava. Fora feliz. Viajara imenso, talvez por isso a caminhada incessante. Gostara de observar os horizontes, que mudavam à medida que viajava, agora ao caminhar mudavam menos que antes, mas sempre mudavam. Era a única coisa que mudava na sua vida despojada, o horizonte, não que reparasse nisso, pois para além de caminhar sob um sol inclemente, apenas pensava em paredes brancas e ásperas. Poderá dizer-se que a responsabilidade tinha sido completamente sua. Dera tudo como garantido. Permitira que os abutres e as hienas, não só chegassem ao cume, como aí se mantivessem o tempo suficiente para sorrateiramente, tudo lhe surripiarem, no início até parecia que fazia sentido. Quando tomou consciência do que se passava à sua volta era tarde, até a sombra lhe tomaram.

Se podia ter sido de outro modo? Claro. Mesmo uma recta tem dois sentidos. A alternativa é um imperativo. Nada mais importante que usar o que temos de mais importante, a nossa capacidade cognitiva, para formular as questões e decidir o rumo a seguir. Não tinha sido assim. Acreditara que o empobrecimento até fazia sentido, aquele discurso, naquela voz de barítono, sugou-lhe a vontade. Deixou-se ir. Foi despindo os anseios, as esperanças e até a própria sombra. Tornara-se um caminhante incansável, sob um sol inclemente, focado em paredes brancas e ásperas.

terça-feira, 16 de abril de 2013

A Barra do Dande


Chegou finalmente a hora da partida. O dia amanheceu chuvoso. E veio a dúvida, vamos ou não. Claro que fomos. E ainda bem. A distância em termos angolanos não é grande, apenas 230 km. Três horas de viajem. As estradas carregam as marcas da estação das chuvas. Tem buraco que engole carro. O terreno segue em suaves ondulados. Capim de três metros, verde brilhante. Quase engole a estrada. Pedimos direcção à BET (Brigada Especial de Trânsito) que solicitamente nos indicou caminho. Os embondeiros começaram a rarear. Luanda lá estava imensa. Cidade sem fim. Descemos para Cacuaco, depois a Barra do Bengo. Acabaram as árvores. Depois só palmeiras e erva seca e rasteira. Como tudo muda em tão poucos quilómetros. Finalmente a Barra do Dande. A animação ia alta. Entrámos na povoação. Não podia ser assim tão mau e ter umas seis ou sete esplanadas, grandes. Algo se passava ali. Fomos fazer reconhecimento. Atravessámos a ponte, prá outra margem. Praia linda palmeiras até 10 metros da água. Baía linda. Ondas de 30 cm. Água quentinha. O dia prometia. Voltámos. Muito peixe a secar, como na Nazaré. Fomos ao morro da administração. Horizonte sem fim. O Atlântico sempre lá. Mas o que primeiramente ali nos levara, fora a promessa do peixe mais fresco que já viramos. Baixámos à povoação. Abancámos na esplanada que mais nos encheu os olhos, que embora não comam, sempre comandam alguma coisa. Começámos com umas gambas, assim tipo camarão tigre sem listas, grelhadas. Atacámos a garoupa, que festim para as papilas gustativas, que tão maltratadas têm sido. Olhámos para umas lagostas lindas de morrer. Passámos a uns linguados, que para caber na travessa tiveram de ser cortados ao meio. Terminámos com uns chocos divinais. Acompanhamentos à altura, mandioca, banana, feijão de dendém e farinha. A Sagres e a Cuca fizeram as honras às cervejas e o Casal Garcia matou a sede a quem o quis beber. Como é hábito nestas terras, um scotch com muito gelo ajudou a simultaneamente baixar e subir a temperatura. O restaurante encheu mais de uma vez. Os clientes quase todos portugueses. O preço, uma agradável surpresa. A anfitriã simpatiquíssima. O quizomba animou os espíritos. O dia afinal terminou radioso. Há caminhos que têm de ser percorridos. A Barra do Dande (ainda) não é um luxo, mas a frescura do peixe que se lá come é!

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Sinto-me incompleto


Incompleto

 

 

Sinto-me incompleto.

Perguntareis por certo por que me assomou tal sentimento.

Que ideia será essa de se sentir incompleto?

Perguntais bem. Não é usual tal sentimento dominar alguém, a ponto de se destacar, a ponto de merecer honras de título.

Mas como poderei expressar o que me vai na alma, se de facto incompleto é como me sinto.

Li algures que “Podes ir longe só com as pernas, mas se usares a cabeça podes ir mais longe”. Concordo em absoluto.

Quando vemos a civilização que a europa construiu nestes últimos séculos, prestes a ruir quando estava tão próxima de conseguir o que apenas tinha sido imaginado. Quando o sistema democrático está a pontos de ser implementado em quase todo o planeta, por pressão europeia, vemos que em apenas duas ou três gerações a degeneração dos líderes políticos atingiu um grau inimaginável. Quando atingimos uma sociedade “quase” laica, após séculos de jugo religioso, vemos meio mundo prestes a iniciar uma guerra religiosa. Quando a tecnologia chega a quase todo o mundo, permitindo a realização de tarefas quase impossíveis há poucos anos, meio mundo deixa de ter acesso a ela por ter perdido o emprego. Quando os bancos, após quarenta anos a subornar os políticos, conseguem a “desregulamentação” dos mercados, de um modo quase absoluto, como sempre desejaram, destruíram a economia como na grande depressão. Quando os jovens têm acesso à educação, não conseguem emprego. Quando conseguem, ganham o salário mínimo. Quando temos finalmente acesso à saúde, os hospitais começam a fechar.

“Que vida é esta, amigo?”

Só me faz lembrar que estamos a cozinhar o jantar que sempre sonhámos e quando já cheira, a mesa está posta, a conversa está maravilhosa, ouvimos alguém dizer “acabou o gás!”

Sinto-me incompleto.

Ou será Anacleto?

Talvez analfabeto…

É mesmo incompleto!

Quando sabemos que os offshores vampirizam por completo a economia e não os fechamos…

Quando os bancos ganham mais a especular que a financiar a economia e os deixamos continuar…

Quando os políticos não são responsabilizados pelo resultado das suas ações…

Quando temos um País à míngua e deixamos nomear milhares de “Boys”…

“Quando Vemos, Ouvimos e Lemos, não podemos ignorar!”

E é aqui que queria chegar!

Quando tantos têm acesso a tanto e deixamos tudo ir pelo cano abaixo, algo não bate certo. Só pode ser porque embora tenhamos acesso a tanto, não usamos a cabeça para pensar. Não é à toa que a moda é ouvir os comentadores. Nunca houve tantos comentadores. Ele é comentadores na TVI, na SIC, na RTP, nos jornais, nas rádios. Pagos a peso de ouro. Para nos dizerem aquilo que queremos ouvir. Ou aquilo que pensamos que queremos ouvir. Ou aquilo que querem que pensemos que queremos ouvir.

Porque sempre as conversas de escárnio e mal dizer fizeram sucesso no nosso retângulo, ouvimos os comentadores zurzirem em todos que contam e nós batemos palmas.

Os comentadores têm tanto mais audiência quanto mais pauladas afinfarem. Quanto maiores as audiências mais eles ganham. Mais palmas nós batemos.

 

Sinto-me incompleto!

É paradoxal como o sentimento de segurança corrompe as pessoas. Enquanto temos algo a perder não damos um passo. Depois de perder tudo vamos à guerra. Quando vivemos em ditadura arriscamos a vida pela democracia, quando vivemos em democracia, preferimos a novela e o futebol.

Se tivéssemos aprendido algo com a natureza, seria que nunca devemos baixar a guarda, nunca podemos contar com nada garantido.

“Inquietação, Inquietação”

Ficámos moles, só queremos jogar, somos crianças velhas. Ou velhos crianças. Como quiserem.

Sinto-me incompleto!

terça-feira, 12 de março de 2013

Luanda


O que se pode dizer quando nos fogem as palavras? Quando vagueamos por mares tantas vezes navegados. Quando temos amigos que nos recebem de braços abertos. Quando nos sentimos bem vindos. Quando vemos conterrâneos a oito horas de vôo de casa.



Vi Luanda em toda a sua espectacular miséria. O contraste atinge-nos a 190km/h (não é Mário?). O futuro mora aqui. A velocidade da mudança só a pode valorizar quem a vive(u).



Andei em Belas e Luanda Sul, mas também na Coringa, Prenda, Praia Amélia, junto à nova Assembleia ou na ilha de Luanda. Em novas avenidas largas, ladeadas por prédios a reluzir. Em caminhos de terra, com esgoto a céu aberto e casas de terra. Em praias cobertas de lixo. Em praias espectaculares, com nadador salvador e vigias como nos “states”. Entrei em mercados de rua onde o lixo rivalizava com os produtos em venda, em hipers que nada ficam a dever aos melhores.



O Quim e o Bruno apanharam-me na ilha, pagaram um copo no “Jango Veleiro”, comecei na Alta. Matei as saudades do peixe com uns belos carapaus de quilo. Deixei a EKA por uns dias e fui aos treinos de CUCA. Fui ao Mussulo de barco, que praia... Especialmente quando por terras lusas o frio é rei. Aí empreteci num único dia. Claro que estou a pagá-las, pareço uma serpente na época da muda...

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Palavras


Voltou diferente. Ninguém percebia isso. Como explicar um horizonte sem fim. Decerto lhe desconsiderariam se lhes falasse do inebriante cheiro depois da chuvada. Seguramente de louco não passaria se tentasse colocar em palavras a sensação de tranquilidade que a vista daquele rio lhe transmitia, como se a casa retornasse. Isso era o mais estranho, como se pode viajar meio mundo e sentir que se está de volta a casa, como o filho pródigo. A vontade de gritar aos quatro ventos que a sua alma estava em casa, a milhares de quilómetros. O reconhecer aquilo que nunca se viu, como um bebé que dá os primeiros passos, dava-lhe vontade de rir. Como explicar o prazer de reconhecer um cajueiro à primeira vista sem qualquer referência anterior. As palavras são a maior invenção do homem, mas ainda assim vivências inexplicáveis não são fáceis de contar por palavras. Talvez o problema não seja destas, mas dos ouvidos que (des)ouvem, numa época que perdemos o contacto com o que nos rodeia. Com toda a certeza o maior erro do homem é a falta de respeito pela natureza, que se traduz nas agressões que diariamente lhe infligimos. Curiosamente essa mesma falta de respeito inibe-nos de usufruir do que está à nossa volta. Um mea culpa e um regresso à vida sustentável são desejáveis e quanto mais cedo chegarem melhor.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Cachoeiras


A noite passou urgente. O céu clareou enxuto de nuvens prometendo calorias. Pela primeira vez ia sair. Conhecer chão. O grupo cumpriu horário. Asfalto negro esperava-nos. Verdes horizontes prometiam vistas. Breve passámos Kiamanfulo e a Terra Nova. O desconhecido abria as portas. Munenga convidava um ida a Calulo, outro dia seria, desta vez o destino era outro. Poucas Aldeias, esparsas. Capim bué alto. Depois das montanhosas terras de beira-kwanza, chão fértil alberga modernas fazendas agrícolas. Próximo destino a Quibala. Viragem à direita direção Gabela. Cada vez mais aldeias, maiores, mais juntas, fazendas tipo “Dallas”. Serra da Gabela, tudo cultivado. Bonito chão vermelho. Muito milho. Um arbusto belo chama a atenção. Vendas, beirando a estrada. Descemos para as salinas. A cor muda. Ocre. Cactos. Espinhosas. Cachoeiras. Ruidosas. Uma ponte onde as cinco quinas ainda teimam. O tramo central partiu faz tempo. Foi a loucura da guerra. Água. Muita água. Lança-se intrépida cachoeira abaixo. O vapor refresca as quenturas do sol. Um verdejante palmeiral bordeja tranquilo rio no remanso do percurso final atá ao mar oceano. Um belo restaurante, prometendo frescuras. Vistas deslumbrantes. Passamos primeiro a pé, na ponte esventrada, depois de carro na vizinha nova. Placa antiga, “Parque das Cachoeiras”, um ancião pede para assinarmos o livro das visitas, onde podemos testemunhar nomes familiares. Nomes estranhos. Nomes prováveis. Nomes exóticos. Risos. Frondosas árvores continuam a testemunhar a alegria das crianças a banhar-se em quentes águas. Tranquilas águas, depois do inebriante descenso. Dezenas de indianos. Não deixou de nos surpreender. No regresso à verdejante e fresca Serra da Gabela, tempo de provar in-situ o melhor ananás de Angola, segundo dizem. Não conheço outro, se não é o melhor, não interessa, superou as expectativas. Papaias, abacates, maracujás, fruta pinha, cana de açúcar. Além de bananas diversas, batata doce e tantas outras cores. Seguimos, voltámos a ver o arbusto desconhecido. Fazenda espectacular. Casario de sonho. Instituto Nacional do Café. O mistério resolveu-se. O tal arbusto é o cafezeiro. Na Quibala, cometi um sacrilégio, entrei na Casa do Benfica. É verdade. Bebi lá uma Sagres e comi um prego no pão. Não sou perfeito. Eu sei. Tem um mapa desenhado na parede, desde Luanda a Benguela, maravilha, os nomes das cidades, Nova Lisboa, Novo Redondo...

domingo, 27 de janeiro de 2013

Mundo Redondo


Só de gargantas cheias ouço lamentos. As verdadeiramente necessitadas estão fracas de mais para chiar. É espetacular ver como tantos se armam em bandeiras. É incrível verificar como os herdeiros se multiplicam... depois.

Esse oceano não tem poder aqui! Aqui só vale a palavra.

É engrançado ver como “a palavra” tem tantas variegadas conotações. Tudo pode ser o que desejares. És tu o grande arquitecto do mundo.

Até tinha piada. Infelizmente se é verdade que nada se faz sem nós, também o é, que tudo se faz sem nós. Mas também quem é que se lembraria de “fabricar” um mundo redondo?

domingo, 20 de janeiro de 2013

Mina


Detinha-se a ouvir os lamentos daquela leoa. Continuava a ter as quenturas, mas desde a guerra ficara só, nenhum leão ouvia aqueles rugidos há bastantes anos. Só, a Mina ficara, só, a Mina ficaria, até à terminação dos seus dias. Mas fazia-lhe um dó, de partir alma. Mina des-sabia que nenhum macho restara por aquelas terras anteriormente tão férteis de zebra ou palanca. Nas noites intermináveis que duravam as quenturas, nenhuma alma descansava na aldeia. Dava uma dor na espinha saber que uma leoa lutava só, pelo futuro que não chegava nunca. Dava uma falação sem fim. O Kimba, jovem a procurar a sua primeira esposa, ainda pediu ao mulôji para lhe transformar em leão por uns dias, que dava fim àquela lamentação toda, ajudava a Mina. A aldeia podia então descansar seus fantasmas. Mas o mulôji lhe atirou que o dunda de tal serviço não lhe estava no alcance. Este ano os roncos soavam mais alto. Também duravam mais semanas. Soavam a desespero. De quem percebeu que futuro não chega mais, nunca. Ninguém punha um pé fora da aldeia, com receio de lhe afrontar, no meio de tanta dor. Mina nunca atacara ninguém, mas agora um receio grosso baixara logo após as primeiras árvores.

domingo, 13 de janeiro de 2013

Descalço


Descalço de sapatos e de calças, só eu e este sol, num frente a frente. Num desafio intervalado pelas brancas nuvens, que água vertem por estas verdejantes planuras. Descalço sinto a pulsão da terra. Terra vermelha, terra verde, terra negra, terra branca. Terra chão de tantas ilusões. Descalço. Terra chão de tantas desilusões. Sensações inebriantes. Paisagens de pertos distantes. Horizontes descalços. Pedras negras. Águas quentes. Águas rápidas. Cachoeiras. Margens. Quentes. Descalço. Olho o sol. Milhões de cores. A mão, primeva razão da nossa evolução, tanto de bom feito tem, tanto de mau sabe fazer. Descalço de juizos, olho minha mão. Surpreendo-me. Ainda me surpreendo, com pequenos nadas. Gestos. Brisas. Pássaros azuis. Flores vermelhas. Nuvens negras. Estórias d'enternecer. Aquelas montanhas no horizonte. Quero ir lá. Ainda tenho esperanças. Quero ouver, respirar, gritar, sentir aquele chão. Os fantasmas passantes insinuam-se.

domingo, 6 de janeiro de 2013

Ilusão


Já se questionava se a realidade não seria mera ilusão, se a sua memória, agora que tanto dela necessitava, não estaria a desconsiderar-lhe.

Após tantos anos com o colono a impor as regras, após tantas vidas de guerra, após tantos vivas à revolução. Via passar de novo branco, como água. Até lhe sentia aquele comichão, aquele que só branco provocava. Para quê tanta desconsideração, tanta vida desavisada, para descobrir que “eles” estavam de volta.

Pior, os novos falavam uma língua estranha. Lhe custara tanto aprender língua de branco, agora que tal lhe podia dar vantagem, chegou novo branco falando língua estranha.

E estes desconheciam tratos antigos, daqueles que passam de pais para filho.

Os camaradas informavam que estes eram “amigo!”

Meu comichão não passava...

Experimentei uns “patrão” uns “sinhô”, mas nada, eram duro de ouvido...

Tomavam tudo, sem respeito pelos mais velho. Só desconsideravam, como explicar pois aos jovem, se mesmo nós só escuro via...

Resolvemos partir os espelhos, a ver se a ilusão ia junto, se aquela gente sem conhecimento dava lugar aos tempo antigo...


Tem os que passam

Tem os que passam, de Alice Ruiz "Tem os que passam e tudo se passa com passos já passados tem os que partem da pedra ao vidro deixam t...