sábado, 25 de dezembro de 2010

Dia de Barbeq

O dia amanheceu radioso. Depois de assistir ao Nascer do Sol tantas centenas de vezes, por estes lados, ainda não consigo deixar de apreciar cada momento. Continuo a perder o fôlego a olhar para aquela bola imensa, vermelha, que começa por inundar o céu oriental e sobe, sobe sem parar, à medida que o vermelho fica laranja, o laranja fica amarelo, a imensa bola de fogo diminui de tamanho, a intensidade da sua luz rápido torna este deleite para os olhos num exercício doloroso. É então tempo para olhar os campos imensos inundados de luz, prontos para mais umas horas de canícula. Escutar os cantos de tantas aves. Ver as pessoas nas suas tarefas diárias. Tudo começa com os primeiros raios de sol de cada dia.

Ontem tivemos a ceia de Natal, caviar, salmão, para iniciar as hostilidades. Um pato deu a vida para nos satisfazer as papilas gustativas. Bom vinho de Bordeaux. Hoje churrasco brasileiro desde manhã cedo. Muita Castel.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Joyeuses Fêtes

 

Estamos a apenas três dias do Natal. Finalmente os trabalhos da estrada arrancaram de verdade. Tenho corrido de verdade. O estaleiro começa a ganhar forma. Pode ser…

Aqui no Mali, como em bastantes outros locais de África, os pais procuram casar as filhas logo que possível, i.e. a partir dos 12 anos. Para as mentes ocidentais, um homem maduro, para não dizer velho, casar com uma menina de doze anos pode ser comparado a pedofilia. Por aqui os homens podem casar com quantas mulheres puderem sustentar. O islão colocou um bocadinho de travão nisso ao limitar o número de possíveis esposas a quatro, mas por aqui o pessoal não sabe contar muito bem… Então e depois? Que isto é assim todos sabemos. Talvez. A curiosidade é que estes casamentos arranjados de filhas a iniciar a puberdade com homens velhos, já com outras mulheres, se verificam nas aldeias, com as pessoas sem instrução. Ou seja nas cidades, e nas melhores famílias a situação é bem diferente! Será?

Em Bamako, começam a soar os alarmes. As meninas, filhas dos mais reputados cidadãos, que lhes prouveram educação nos melhores colégios e acesso a tanto, que muitos outros nem sonham, estão a usar um estratagema. Como são modernas e tem possibilidades de sair à noite, usam esses privilégios para encontrar cidadãos, muitas vezes com idade de ser seus avôs, aproveitam para engravidar deles, de modo a casarem com eles e terem acesso ao último grito da moda, casa, carro, telemóvel, conta bancária e um marido bem na vida e acima de tudo com outras esposas e uma vida bastante ocupada, logo deixando-lhes bastante tempo livre.

Quem disse que basta mudar alguma coisa para tudo mudar? Eu diria que basta mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma, a diferença é que as meninas das aldeias, casam sem saber o que poderia ser diferente na sua vida e as das cidades, casam porque sabem o que a sua vida tem de diferente.

Pensamento estranho para a semana de Natal? Será mas a balança só fica completa com todo o jogo de pesos, eu estou a colocar os pesos na balança, qualquer dia ainda dou por mim a perceber um pouco do que se está a passar à minha volta.

domingo, 12 de dezembro de 2010

Natalidades

Quando se aproxima a quadra tão ansiada por tantos s(i)ento-me a (di)escorrer banalidades e outros pensares. Pela primeira vez vou natalizar africanamente. Vou imaginar que está frio. Vou decorar uma bananeira. Este período é seguramente o mais agradável para estar no Mali. As noites finalmente refrescam, deixando as almas repousar das quenturas diárias. O tempo seco, calmo, sem tempestades no horizonte, está realmente agradável. Um domingo tranquilo à beira da piscina. Horas a passar mansamente, como se subitamente estivéssemos a habitar uma fotografia. A mente a vaguear. A juntar ao quadro escuto “Fur Elise”.

Dou pelos meus dedos a tocar no teclado como se um piano fora. As palavras brotam qual peça de música. O ritmo varia desde um lento quase parado a um frenético quase orgásmico.

É com uma buganvília rosada a fitar-me e uma ninhada de patos a saborear os raios de luz matinais, que me imagino a teorizar sobre as diferenças entre dois mundos tão diferentes e tão longínquos e no entanto tão iguais e tão próximos.

Uma das grandes questões em discussão na Europa é a natalidade. Por aqui também. Os motivos é que não são exatamente coincidentes. Se os europeus temem a extinção e a incapacidade de cuidar dos seus mais velhos, os africanos tem boas razões para temer a explosão demográfica com a consequente míngua de tapas para as bocas glutonas dos mais novos. Tão próximos do abismo. Uns pela implosão outros pela explosão. Num mundo perfeito (?) estaríamos a falar de plosão. Nem im nem ex. Equilíbrios tão precários que talvez só literariamente existam. Porque o importante é o caminho. Só caminhando se vai.

É ao som de “One of these days” dos Pink Floyd que observo a apanha de um enorme cacho de bananas. Mostrando que mesmo o mais idílico dos quadros se move. Nada é eterno, tudo é eterno. A batida monocórdica permite o solo da guitarra e os acordes do piano. Para que se possa saborear o caminho há que parar e olhar em volta. São as pausas que nos fazem mover. São os silêncios que nos fazem escutar.

O desemprego aqui é espantoso. Embora ao sair para a obra veja mais de duzentas pessoas, a quem repetimos diariamente que não necessitam de ali estar, basta entregar currículos e contactos, que chamaremos os que necessitarmos, quando necessitarmos, eles não arredam pé. Agarrados a uma esperança efémera de que afinal pode ser possível…

Os silêncios permitem-nos escutar chilreios variegados. A luta pela vida é incessante, batalhas acontecem a todo o instante. Os lagartos andam por aqui como se estivéssemos ausentes, deglutindo esperneantes insectos.

O sol alteou mudando o verde das árvores, mostrando matizes ausentes há ,minutos. Uma brisa aromatiza narizes.

O Natal tão perto e tão longe. Prioridades que parecem estranhas. Banalidades. Natalidades.

Tem os que passam

Tem os que passam, de Alice Ruiz "Tem os que passam e tudo se passa com passos já passados tem os que partem da pedra ao vidro deixam t...