sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Adeus!

18 de Dezembro de 2009, sexta-feira. Chegou a fim a minha aventura africana. Amanhã cedo parto sem regresso de volta a casa. Com a consciência do dever cumprido. Feliz pelo regresso para junto dos meus. Com um aperto no coração, pelos amigos novos. Provavel-mente não nos voltaremos a cruzar. O livro da vida é feito de capítulos vários. Uns inesquecíveis, outros nem tanto. Quando cheguei a África pela primeira vez no verão de 2007 era um europeu pós-colonialista cheio de ideais na minha cabeça. O meu conhecimento de África foi-me transmitido por familiares e amigos, além do que eu li. Conheço muitas histórias de tribos africanas. Ouvi falar em grandes líderes africanos, como Shaka ou Malangatana, reis do séc. XIX. Aníbal ou Cleópatra da antiguidade clássica. Líderes como Mandela, ainda entre nós, herói pré e pós apartheid. Líderes da independência como Sengor, Nasser ou Cabral. Adorava ver tudo o que dizia respeito à vida selvagem. Sonhava com o Kilimajaro e as neves eternas no equador. Sabia que a Tunísia incluía o ponto mais setentrional, que Dakar era o mais ocidental. Que o cabo da Boa Esperança dividia o Atlântico e o Índico. Que a Somália, no corno de África era o ponto mais a nascente. O deserto do Sara foi palco de grandes romances e aventuras. O Nilo, maior rio, atravessa desertos e grande parte da África oriental. Madagáscar é a maior ilha. Intrigavam-me os bosquímanos e a sua estranha linguagem, no deserto do Calaári. As pirâmides. O império do Gana. A ilha de Zanzibar. Tantas culturas. Toda a gente me falava das cores, dos cheiros, da chuva, dos horizontes, da magia, da terra vermelha, do sol zenital. Claro que uma coisa é saber. Outra completamente diferente é absorver, interiorizar, sentir tudo isto. Fui atingido. Deixo este lugar com uma mistura de sentimentos. Por um lado a “cidade” onde estive é uma porcaria. Lixo até onde os olhos chegam. Não há esgotos. Não há estradas, apenas pistas feitas pelos carros. O pó que cobre todos os teus poros. O coberto vegetal abusado por pessoas tentando sobreviver. Manadas de animais domésticos, substituíram toda a fauna. Estranhamente vi pessoas felizes. Aqui as pessoas têm expectativas muito baixas na vida. Ficam felizes apenas com uma palavra, um olá, um carneiro, um dia de chuva, um dia de festa. Aprendi que é possível viver com muito menos do que vivemos. Mas pelo contrário o crescimento populacional é insustentável. Não é possível gerir um continente em que a população duplica a cada quarto de século. A corrupção drena quaisquer melhorias que poderiam existir. No entanto o meu coração, não estava consciente do seu tamanho, aguentou-se e agora está em três continentes. Sei que vou voltar muito mais rico que quando cheguei. Devo ter recebido uma lição de humildade que muitos europeus necessitavam. Toda a nossa história é acerca dos nossos heróis. Como se os “outros” apenas lá estivessem para aumentar os nossos feitos. Deveria ser obrigatório que as nossas crianças aprendessem a verdade sobre as nossas acções nas colónias. Roubámos de todo o mundo. Dividimos continentes em países absolutamente falsos. Nunca nos importámos com os outros. A Europa tem uma importante hipoteca sobre quase toda a alma não europeia. Ao interiorizar isto não estou triste. De facto estou até muito feliz. Não carrego às costas todos os males do mundo. Não creio que vá parar ao inferno por estes eventos passados. Estou agora mais consciente que antes. Conheci pessoas que querem ver, aprender e tentar ajudar. Conheci pessoas que não desistiram apenas porque é difícil fazer qualquer coisa aqui. Aprendi a amar. Sei agora que sou melhor pessoa que era antes. Sei também que estou orgulhoso dos momentos partilhados. Dito isto, mais um capítulo da minha vida está escrito. Um novo está aí e eu não posso esperar para o escrever!

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Tempo

11 de Dezembro de 2009, Sexta-feira. Falta apenas uma semana para terminar esta minha aventura mauritana. Parece que o tempo me está a pregar partidas. Tão longos foram os dias, ainda maiores as noites… Tantos eventos ultrapassados. Tantas memórias. Tantos factos para processar nos tempos vindouros. No entanto tão rápido tudo agora parece. É como se o tempo for de dimensão variável, castiga-nos com a lentidão da sua passagem, nos momentos difíceis, para abruptamente nos impor a sua ditadura. Para nos mostrar que independentemente do que possamos imaginar acerca do domínio humano, tal não se verifica nos domínios do tempo. O tempo é rei e senhor. Não importa o que teorizemos. Não importa os poderes que julguemos ter. Por outro lado, mesmo que pensemos em termos de passado, presente ou futuro, tal não passa de uma ilusão. É sempre presente! O passado foi o presente doutros dias. O futuro por mais risonho ou apocalíptico que seja anunciado, nunca acontecerá. Quando lá chegarmos será sempre presente! Todos os acontecimentos, todas as misérias humanas acontecem no momento presente. Talvez seja tempo de interiorizarmos que é neste momento presente, que temos, todos nós, o dever de preservar a nossa casa comum, para que os nossos filhos possam também ter o seu presente!

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Diferença

30 de Novembro de 2009, Segunda-feira. Passado o período de festividades, voltámos (voltaram) hoje ao trabalho. Folgámos (folgaram) quatro dias. Juntou-se o Tabaski ou festa do carneiro ao dia da independência da Mauritânia. Este país festejou 49 anos de soberania. Gosto da forma, como por aqui se colocam os problemas. Reparemos nesta pérola, “A Mauritânia é uma país 100% muçulmano”. Aliás até a denominação o refere “República Islâmica da Mauritânia”. Se não fores muçulmano serás apenas tolerado, ou nem por isso. Isto a propósito do ignóbil ataque perpetrado ontem a um comboio humanitário de uma ONG espanhola, cujos membros dedicaram os seus melhores esforços a reunir bens para vir distribuir a mauritanos necessitados. Mais, vieram pessoalmente distribuir esses bens. Resultado, foram três deles raptados. Existirá alguma justificação plausível para atacar quem vem por bem? Existirá algum deus que deixe que em seu nome se torpedeiem aqueles que deixam as comodidades de lado e resolvem ajudar quem precisa? Quem ganhará com atitudes como esta? Não esqueçamos que a capital mais perto de Lisboa não é Madrid, mas sim Rabat! Para quem não saiba. Não pensem que isto só acontece aos outros. Não olvidem que o mundo não acaba na União Europeia. Uma das principais causas, a meu ver, para esta e outras ocorrências, advém do desconhecimento. Apenas a ignorância lucra com actos como este. Devemos tentar abrir primeiro a mente dos “nossos” e depois dos outros. O que dizer do referendo suíço que proíbe a construção de minaretes nas mesquitas suíças? É assim que os europeus demonstram o que aprenderam com a história? É assim que criticamos os que não aceitam a diferença? Não gosto de slogans, de cassetes nem de ideias feitas. No entanto há um que adoro. Pena é que não tenha frutificado. Que não seja seguido. “TODOS DIFERENTES, TODOS IGUAIS”. Deste penso que podia ser um seguidor. Eu que não acredito em seguidismos… Será que não enxergamos que a diferença é uma bênção? Diferença entre culturas, religiões, cores, sexos… Se existe algo a que eu dê o meu “Bem haja” é à diferença!!!!!

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Finalmentes ...

24 de Novembro de 2009, terça-feira. Começámos de facto a pavimentação. Fizemos dois troços experimentais. Tudo correu de feição. Agora é só continuar. Portugal venceu, muito bem, a Bósnia e está apurado para a África do Sul. Tudo está bem quando acaba bem. A minha filhota já consegue “caminhar” com canadianas. Vamos entrar agora no período de festividades. Não as que possam pensar, mas no Tabaski. Para os muçulmanos, uma das quatro festas religiosas anuais. Equivalerá ao nosso natal, em termos de importância para os crentes. Significa que durante uns dias a velocidade dos trabalhos vai reduzir-se sensivelmente ou mesmo parar. Estou mesmo a entrar na recta final…

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Já fomos assim...

18 de Novembro de 2009, quarta-feira. Amanhã vamos começar a colocar betume na estrada. Se ainda falta muito trabalho para a terminar, pelo menos vamos começar a pintá-la de preto. O fim parece mais próximo. Começámos a escavar a última ponte. Parece então que iremos terminar aquilo que aqui nos trouxe. Embora pelas minhas contas isto não termine antes da Páscoa. Esta noite Portugal joga o tudo ou nada com a Bósnia-herzegovina, de apuramento para o mundial da África do Sul. Uma vez que escrevo antes, não faço ideia do que se irá passar, estou algo descrente. Espero estar enganado. Que possamos celebrar. Em caso afirmativo será das poucas alegrias que o ser português me dará em 2009. A minha filhota partiu um pé numa aula de ginástica englobada no desporto escolar. Foi completamente abandonada por TRÊS, sim TRÊS, professoras (?) que evidentemente tinham mais o que fazer. Assim não ganham apoiantes para a sua causa! Os momentos em que sobressaem os audazes, aqueles que nos dão orgulho, esperam, nalguns casos toda uma vida. Quando chegam a esmagadora maioria não está atenta e desperdiça. Conseguem passar toda uma vida de mediocridade! O “antes rei por um dia, que príncipe toda a vida” não se aplica à generalidade dos portugueses, infelizmente. Já fomos assim…

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Sexta-feira 13!

13 de Novembro de 2009, sexta-feira. Sexta-feira 13. Dia conotado com o azar. Não sei se alguém sofreu de facto algum azar grande numa sexta-feira 13. Mas lá que tem má fama, lá isso tem. É de facto interessante verificar que quando realmente acreditamos em algo, é realmente possível que esse facto interfira com a nossa existência. Muito do que interfere com o nosso organismo e com a nossa vida ocorre num nível cerebral. É de facto mais susceptível de acontecer algum milagre, por interferência de algum santo, a alguém católico que a outrem que nunca ouviu falar em santos nem em milagres. É possível a um feiticeiro, ou curandeiro, ou doutor-tradicional, curar pessoas com maleitas não tratadas por médicos, desde que essas pessoas acreditem no poder (mágico) destes curandeiros. É engraçado verificar que após todos estes séculos de evolução continuamos reféns de supostos intermediários com o além, o paraíso ou que lhe quiserem chamar. E o que é mais fantástico é que a razão que levou ao aparecimento de tais crenças é a mesma que continua a levar uma grande proporção de pessoas a aceitar submeter-se a outrem com tais panegíricos. Desde o inicio que achamos que somos diferentes das outras criaturas deste planeta. Somos especiais. Logo terá que haver uma razão para tal. Essa razão é que somos protegidos de Deus. Somos uma cópia exacta. Se nos portarmos na linha teremos um prémio. Ascenderemos ao paraíso. Não conseguimos aceitar que somos parte dum todo. Somos apenas mais uma variação com que a vida brindou este planeta. Temos que nos achar especiais. Criámos então um deus à nossa imagem e semelhança. Eu sei que é perigoso dizer isto. Porque os guardiões da fé não acham piada nenhuma a alguém que lhes descobriu a careca. A alguém que lhes pode fazer perder os laudatórios. Os privilégios. Enquanto a pregação é acerca do amor, da bondade e da submissão. A prática é a repressão. O degredo. Em casos extremos a eliminação. A maioria das pessoas tem vidas de tal modo tristes e sem sentido, que tem forçosamente de encontrar um sentido para a vida. Esse sentido é a entrada no paraíso, desde que se portem na linha cá em baixo. Acham isto normal? Sejam pobres, humildes, servos, que depois serão recompensados. DEPOIS. Quem diz isto, retruca, depois de confrontado com a vida de privilégios que leva, com frases do tipo, faz o que eu digo, não o que eu faço, que eu sou pecador e a carne é fraca. Ou seja só o rebanho é que se submete. Peço muita desculpa mas não sou ovelha!

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Foum Gleita

6 de Novembro de 2009, sexta-feira. Estas últimas vinte e quatro horas permitiram-me saber várias coisas que talvez já soubesse mas pelo menos ficaram mais explícitas. Primeiro não sou caçador e penso que nunca virei a sê-lo. Desde que cheguei aqui ando sempre com três telemóveis, dois mauritanos e o meu português, penso que até hoje nunca tinha ficado sem bateria nos três. Desta vez fiquei e deixei gente preocupada. Guida desculpa! Não consigo fazer o tempo andar para trás. Tenho, no entanto os três telemóveis à carga neste momento. O que é que se passou? Muito bem, aqui vai. Há bastante tempo que tinha curiosidade em saber o que move tantas pessoas a deixar o conforto e sair pelos campos à caça. Tratei de tudo e ontem à tarde fui buscar o guia e partimos os dois para a zona de Foum Gleita. De notar que o Cheikh (lê-se chérr) só fala hassanya. Daqui a Foum Gleita são uns 150 km. Mantivemos um diálogo impecável. Quando saímos da “estrada” ele caçou logo uma lebre. Pensei isto começou bem! Quando chegámos A uma aldeia que tem um nome que eu, embora o tivesse perguntado umas dez vezes não consigo escrever. Aí procurámos o “capitaine”, responsável militar pela caça na zona. Na casa deste completamente às escuras, entretive-me a apreciar a via láctea, imensa e espectacular, num céu nocturno maravilhoso, quase esquecido na nossa terra, devido à iluminação nocturna. O Cheikh, veio de lá com a autorização, por escrito, de caça. Isto, repito numa aldeia sem luz eléctrica e já completamente escuro. Aqui tive a notícia que o Sporting empatara 1-1. Também aqui liguei para casa a informar das minhas actividades. Fomos a outra aldeia onde jantámos, algo que não sei o que era. Estava completamente escuro e à moda daqui come tudo do mesmo recipiente, claro que cada qual usa a sua mãozinha. Sei que tinha cuscuz, não pelo que vi, mas pelo gosto. Continuámos, passámos noutra aldeia, que consegui perceber era a do Samba. Andámos em zonas de vegetação, que tem tanto a ver com a mauritana, como eu. Vegetação frondosa. Canais de irrigação por todo o lado. Arrozais. Aldeias. Muitas. Chegámos a um posto militar, junto da barragem. Mais uma vez o Cheikh, recebido como filho da terra. Ele foi militar, está na reforma, e serviu nesta zona, todos o reconheciam. Grandes festas. E javalis? Nada. Resolvemos atravessar o Col de Wa-Wa para o lado do lago. Ao passar no alto, surgiu uma imagem inesquecível. A lua a nascer sobre as águas. Enorme. Espelhava como se contivesse toda a prata do mundo. Descemos. Dirigimo-nos à água. Parei para tirar fotos. Noite incrível. Resolvi aproximar-me mais um pouco. Tirei a última foto, com a minha máquina não se deve ver nada. Entrei no carro e percebi que tínhamos um problema. Só por estar parado afundou. A margem parecia uma praia. Areal. Ondas, é verdade, esta albufeira é tão grande que tem ondas. Só que isto é uma barragem. O nível das águas começou a baixar. Estava parado numa zona que parecia areia. Mas não era. Por baixo da areia (5 cm) existia um limo completamente saturado. Às dez horas da noite de 5 de Novembro, comecei a escavar por baixo da carrinha. Expliquei numa chamada para casa a situação, que não era grave, apenas chata e a prometer muito tempo para resolver. Lá pela meia-noite, última chamada de casa, “vai dormir que eu tenho a noite feita” À uma da madrugada, desistimos de escavar, já com a ajuda do Abdelaye, pescador que vivia ali, grande amigo do Cheikh. Fomos a pé junto do posto militar, onde estavam todos, incluindo as sentinelas a prestar contas noutro mundo. Passámos o Wa-Wa a pé. É espectacular, a lua nesta altura já ofuscava as pequenas estrelas. A resposta dada, após insistência e muitos salam alekums, foi que amanhã, alguém lá iria ajudar. Voltámos ao carro. Eu dormi no carro. O Cheikh pediu um tapete ao Abdelaye e dormiu em cima dele coberto com o seu bubu. Hoje assisti a um nascer do sol espectacular, sobre as águas de Foum Gleita. Enquanto o Cheikh se dirigiu novamente junto da prometida ajuda eu fiquei junto do carro. Para não ficar pardo tirei mais umas quantas pazadas de areia debaixo da carrinha. Chegaram. Uns seis. Mais uma carrinha. O condutor ao ver um toubab naquela situação, começou a exigir dinheiro, embora não tenha achado piada nenhuma disse que sim, evidentemente depois de baixar a exigência para metade. Mesmo com pessoal a empurrar, uma carrinha a puxar e mais umas quantas pazadas, aquilo não saia nem por nada. Aquele limo saturado fazia sucção. Finalmente saímos. Depois de doze horas de atascanço, parecia mal voltar sem nada. O Abdelaye tinha saído para a pesca. Fomos ter com ele. Quando saímos de Foum Gleita, para onde tínhamos ido apanhar javalis, vínhamos com uns dez quilos de peixe. Alguns exemplares tinham mais de um kilo. Há muitas horas que estava sem telefone algum. Sem bateria. Logo três. Felizmente um deles é um pouquinho melhor que os outros e deu para ligar e perceber que em casa não se tinha dormido com a preocupação. Partimos. Ao fim de algum tempo a carrinha começou a falhar. Não conseguia passar dos 30 km/h. Tentei ligar para toda a gente da base e nickles. Tudo no petisco. E telefones nada. Só o Jamaldine me atendeu ao fim de algum tempo, mandou o Demba, para me rebocar se fosse o caso. Não foi preciso. Ao fim de 24 horas estava de regresso à base, pelo meu pé. Percebi que, caça não é o meu desporto. Os telemóveis, se bem que em 27 meses pela primeira vez deixei acabar as baterias de todos, são para estarem carregados. E pese as ralações que dei aos mais queridos, foi uma jornada inesquecível, de descoberta e encantamento. Notas curiosas, o Cheikh tem um filho com seis meses, chamado Luis, em minha honra. O puto é branquinho, meio alourado e tem o rabo preto como tinha a minha Inês quando nasceu. E o meu tempo aqui entrou em contagem regressiva, percebi isso quando adorei aquela lua a nascer sobre aquela albufeira. Foi o inicio do adeus.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Samba

3 de Novembro de 2009, terça-feira. Dia triste por aqui hoje. Mais um dos nossos colaboradores passou para o outro lado. O Samba era um dos tipos mais bem-dispostos, mais sorridentes que por aqui andava. Tinha sempre uma “boca” para mandar. Ainda ontem quando fui buscar o Rafa, já eram umas quatro da tarde, parámos na frente de trabalho e o Samba foi dos mais efusivos. Hoje de manhã na hora de sair para o trabalho, de chofre saiu a constatação, O Samba morreu! Daqueles com quem tive a honra de co-trabalhar é já o terceiro a partir sem pré-aviso. O primeiro foi o Abderramane, seguiu-se o Hassan e agora o Samba. Pode-se dizer que esta terra é avara para os seus. Ainda, que aqui morre-se muito! Todos eles em idade de trabalhar, logo, ainda longe da idade onde tais eventos normalmente ocorrem. Daquilo que pude constatar, neste período, já longo, em que aqui exerço o meu mister, uma percentagem enorme dos passamentos deve-se à falta de potabilidade da água! Na esmagadora maioria dos lares não há água canalizada, mesmo nas poucas cidades, como Selibaby, que a ela têm acesso. Por razões espúrias. O preço da água não é acessível (!?) à maioria das gentes. Falta informar as pessoas que água não é apenas um liquido que se ingere quando se tem sede. Especialmente num local tão quente e com tantos animais, como é o caso, todos os cuidados são poucos. No mínimo a água deveria ser fervida. Outro dos factores adversos é a falta de esgotos. É infelizmente quase impossível descrever o que é uma cidade sem esgotos e sem água corrente… No séc. XXI… Se a Europa quer suster a mole humana que a ela se dirige a partir do mundo desfavorecido, deve verdadeiramente iniciar um programa de cooperação com estes estados. Um programa de cooperação baseado no respeito pela qualidade de vida. E pelos valores da dignidade humana. Podem começar por facultar acesso a água potável, a saneamento básico, a um mínimo de salubridade que permita que não se morra tanto nesta terra.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Filosofias...

26 de Outubro de 2009, segunda-feira. Em jeito de balanço, parcial é um facto visto que a minha estadia nestas terras do fim do mundo não terminou, poderei afirmar que quando cheguei comecei a cultivar couves, rabanetes, tomates e cebolas, para vinte e seis meses depois achar no meu “jardin” papaias, bananas, quiabos, beringelas e bissap. Cheguei vindo da “civilizada” Europa, para passado todo este tempo concluir que ninguém quer saber da Europa, que esta está numa crise sem solução aparente, porquanto é uma crise geral, de valores, de paradigma, política, de estagnação económica. É uma crise burguesa, de barriga cheia, onde o individual venceu o colectivo. É uma crise conduzida por um ror de vitórias sem fim. A Europa conseguiu convencer (quase) todo o mundo que na Europa é que é bom, que o sistema económico (burguês) europeu é o melhor. Quase todos os países do mundo aderiram ao sistema político (democracia) europeu. As multinacionais europeias estão presentes em todo o mundo, a um nível superior ao período colonial. Nunca se viveu tanto, nem tão confortavelmente, nem com tanto retorno económico como agora. O que se passa então com a Europa? É um clube de ricos (anafados) fechado! Abanamos as nossas jóias para todo mundo ver (não pode tocar). Direito de admissão reservado. O paradigma económico baseado no crescimento esbarra na finitude do planeta, das matérias-primas. Basicamente poderemos dizer que pode haver muito para alguns mas não pode haver muito para todos. Estamos então muito preocupados com as nossas casas, com as nossas reformas, com o nosso estatuto de consumidores. Num mundo cada vez mais global, quem tem medo de perder o lugar, vai perdê-lo certamente. Interna e externamente. O centro de decisão partiu. Não voltará tão cedo. Não voltará enquanto a miopia e a estreiteza dominarem os espíritos dos descendentes dos Grandes que prevaleceram em idos históricos.

domingo, 25 de outubro de 2009

Alterações Climáticas

25 de Outubro de 2009, domingo. Vim para um país desértico. A chuva era tal raridade, que nos idos de 80 a esmagadora maioria das pessoas assentou arraiais. Transformou pequenos aglomerados sem estruturas em enormes ajuntamentos completamente impreparados para acolher quem quer que seja. Ao assentamento sobreveio um crescimento populacional galopante, com a duplicação de almas a cada vinte e cinco anos. Existem muitas variáveis presentes na aventura humana. Uma das que mais influência exerce sobre todos nós responde pelo nome de fortuna. Ora estas gentes sobrevivendo numa região árida, quase no limite do habitável, sem se aperceber vai assistindo ano após ano ao aumento da época chuvosa. Esta estação foi incrível sobre todos os aspectos. Tudo correu bem. Pensar que no inicio da época húmida as pessoas foram para as mesquitas pedir chuva ao Todo-Poderoso. Já passaram cinco meses e meio desde as primeiras gotas. Daqui a uns anos ainda vamos testemunhar o desenvolvimento florestal. Benditas alterações climáticas. Quais Quioto quais quê!

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Renascimento

20 de Outubro de 2009, terça-feira. Renascimento! O dia 19 de Outubro de 09 vai ficar registado como o dia do meu renascimento. Ontem cerca das 7 e meia da manhã, dirigia-me eu, mais o Rafa, para Garfa, quando tudo sucedeu. O que se segue durou cerca de um segundo. Poderei dizer que se tratou de um segundo interminável. Já muitas vezes ouvira dizer que em determinadas situações, a vida, nos passa toda pela frente, em poucos momentos. Pude confirmar que tal facto infirmei. Dizia então que me dirigia a Garfa, ao chegar ao cimo de uma lomba da “estrada” deparo-me com um “monstro” branco, que velozmente se dirigia contra mim. O tal monstro era um Toyota Land Cruiser, transportava onze pessoas no seu interior mais cinco no tejadilho. Bem como toda a bagagem desses viajantes. Eu encontrava-me na minha mão, o problema era que o monstro também… A minha cara, não sei como aparentava embora imagine, a do condutor do monstro era de puro terror. As dos passageiros do tejadilho essas então eram de meter medo. Consegui observar todos os pormenores do monstro. Lembrei-me dos meus filhos em Portugal e de como estava iminente um fim inglório para a minha estada aqui. Vi perfeitamente o acidente que ocorreu. Vi os meus avós a olhar para mim. Percorri os factos ocorridos nestes últimos anos e que me trouxeram aqui. Vi-me ainda pequeno a brincar em casa dos meus pais. Vi a grelha do monstro a rir-se de mim. Um branco que encheu todo o campo visível. Senti cada músculo do Rafa a comprimir-se. Pensei, “Então é assim que tudo acaba”. De repente o monstro ataca os últimos metros em duas rodas, inclina-se para a esquerda, duma forma que só podia tombar. De repente o tempo estica-se e tenho o carro parado, estamos inteiros. Estou cansado. Custa-me a respirar. Olho para trás e vejo o monstro a voltar à verticalidade. Volta às quatro rodas. Imobiliza-se também. Está a cerca de cem metros de mim. Percebi que continuo neste mundo. Tenho um nó na garganta. Falar está a revelar-se difícil. Engreno a primeira e parto para Garfa. Ouço o Rafa dizer que temos vidas como os gatos. Ouço-me a responder, que isso é bom, mas se ter vidas de reserva é bom, gastá-las não é bom…

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Incerteza

16 de Outubro de 2009, sexta-feira. Incerteza! A única coisa que temos por certo nesta vida é que um dia morreremos, de resto reina a incerteza. Uns dias mais tristes, outros mais alegres. Umas situações agradáveis, outras aborrecidas. Casos em que fazemos o que queremos, outros onde engolimos sapos. Ao analisarmos o papel da incerteza na nossa vida deparamo-nos com esta situação engraçada, à incerteza devemos o interesse pela existência. Independentemente de estar tudo pré-determinado ou não, isso daria para uma grande discussão. Para cada um de nós, o futuro ainda não aconteceu. Somos nós que o fazemos, com cada uma das nossas decisões.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Bem Hajam!

12 de Outubro de 2009, segunda-feira. Um dia depois das eleições autárquicas. Muito se disse e escreveu. Quase todos ganharam (vá lá desta vez houve um que assumiu que perdeu, foi o BE, costumam todos ganhar…) Poucas alterações se verificaram. Presume-se que das duas uma, ou o pessoal está contente com o poder autárquico ou as alternativas, apenas o são no papel. Na nossa zona apenas a Câmara de Alcanena mudou e mesmo aí o presidente cessante não se recandidatou. Em Torres Novas o Rodrigues parte para o último mandato com confiança reforçada. No Entroncamento o Ramos amplia a vantagem. Na Chamusca o Carrinho parte para o último mandato depois de 30 anos no poder, sem maioria absoluta, mas já com experiência nesse domínio. Constância ganhou novo presidente sem mudar de cor, o novo é o Máximo. Na Golegã, antigo baluarte vermelho, o rosa Maltez cilindrou tudo e todos com uma goleada por 5-0. Daqui por quatro anos sim, vai valer a pena. Mais de 100 presidentes terão que deixar de o ser. Pode ser que surpresas aconteçam. Pode também ser que sem o espectro da reeleição estes autarcas embarquem num mandato mais desinibido, para deixarem um legado prós vindouros exaltarem. Veremos. Quanto à asserção por muitos analistas, que o país está sem rumo, sem líderes carismáticos, a navegar à bolina. Urge reencontrar objectivos para o futuro. É indispensável deixar de discutir pormenores e passar aos pormaiores. Estamos a discutir o sexo dos anjos há anos. Agora que pertencemos ao clube dos ricos, ficámos gordos e anafados. Precisamos de um trilho que nos faça redescobrir o orgulho em ser português. Teremos que passar urgentemente do registo do “mais auto-estrada ou menos auto-estrada”, do TGV, do novo aeroporto. Teremos que atingir um consenso sobre quantos funcionários públicos necessitamos. Teremos que passar a reconhecer o mérito como forma de distinguir os melhores. A cunha terá que ser enterrada de vez. A mesquinhez deve dar lugar aos nobres objectivos. Acima de tudo teremos que produzir mais e melhor. Finalmente devemos interiorizar que ser só consumidor não chega. Devemos exigir ser Cidadãos. Devemos utilizar moedas com duas faces. Cara e Coroa. Direitos e Deveres. Só assim poderemos ser reconhecidos como pares. O bota abaixo provém de almas pequenas. Felizmente que existe gente para quem os Velhos do Restelo, são um facto histórico, sim, mas enterrado. Gente que se bate por esse mundo fora para que se saiba a cepa de que são feitos os Portugueses. Bem hajam!

domingo, 11 de outubro de 2009

Sahel

11 de Outubro de 2009, domingo. É a escutar Sting no seu novo álbum If On A Winter’s Night, que começo a dedilhar o teclado ao mesmo tempo que as ideias começam a querer autonomia. A região onde nos encontramos pode também ser denominada Sahel. Representa a fronteira sul do grande deserto do Sahara. É uma terra difícil de se deixar dominar pelo homem. Terra de excessos. Terra que tudo dá mas exige bastante em troca. Até há pouco tempo atrás o grande deserto todos os anos reclamava extensas áreas para juntar aos milhões de quilómetros quadrados que já lhe pertencem. Se aparentemente no chamado corno de África tal ocorrência aumentou de ritmo, por aqui na África ocidental as alterações climáticas tendem a auxiliar a vida de quem aqui provém o seu sustento. De facto após um período de grande seca entre os anos 1968 e 1984 que provocaram o assentamento deste povo maioritariamente nómada, que se deslocava junto com os seus animais numa busca incessante de água e comida. Sobreveio outro progressivamente mais húmido. Tem ocorrido mais precipitação e durante mais tempo. Este facto permite o desenvolvimento das culturas e mais alimento nas mesas (na realidade quase ninguém usa mesas por aqui). Pena é que não existam estruturas de apoio à agricultura, como barragens que permitiriam o usufruto de água também durante o período de seca. Talvez devido às exigências de amante despeitada suportadas com desespero pelos locais e ainda mais desespero pelos estranhos que por aqui se aventuram, esta seja uma terra pouco povoada e muito pouco investida. Para quebrar este ciclo vicioso apenas vejo ou um golpe de sorte ou a descoberta de algum tesouro no subsolo. No entanto com alguns investimentos poderiam sair daqui alimentos para muitas pessoas que passam mal.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Hortas e Filosofias

8 de Outubro de 2009, quinta-feira. É curioso, hoje comemos bananas da nossa horta. Temos uns dez cachos nas bananeiras a crescer. As papaieiras estão carregadas de papaias. Os bissapeiros estão cheios de bissap (o bissap é a parte carnuda que envolve as sementes, tem cor vermelha e faz uma bebida refrescante muito apreciada por aqui). As beringeleiras continuam a produzir beringelas. Pepinos são colhidos cada dia. A Tavinha (também conhecida por Petit Penda) ontem viu-me curiosa a mondar a horta. Hoje arrancou uns dez pés de milho e dois pés de pimento. Os gafanhotos são bastantes e fazem estragos. A “hivernage” pertence definitivamente ao passado. Os dias voltaram a pertencer exclusivamente ao deus Sol. O mercúrio encosta de novo aos 40ºC. O omnipresente pó está de volta. Amanhã vou começar os estudos para a execução do projecto da estrada entre Gouraye e Diagili. Talvez lá para a Páscoa seja possível terminar a obra. Depois de um período complicado a nível pessoal voltei a sorrir. Porquê? Porque temos (finalmente) trabalhado bastante. Quando assim é resta menos tempo para o disparate. O pouco tempo livre tem que ser ocupado com qualidade. Nada melhor que sorrir. Agradecer poder apreciar tantos cheiros, tantos sentimentos, tantas cores. Cores, estamos numa fase em que as cores que nos envolvem variam a cada dia. O verde diminui em detrimento do prateado e do dourado. Como parecem longe os comícios e as palavras de ordem que fazem os dias em Portugal. Mais umas eleições à porta. Mais uma vez não vou poder votar. Até hoje só não votei por ausência do país. Este ano pela terceira vez não irei colocar a cruzinha no quadradinho. Não irei participar do acontecimento mais desejado por quem o não tem. Mais vilipendiado por quem a ele tem acesso. Porque será que só valorizamos o que nos é vedado? Porque será que a épocas históricas em que heróis se imolam para permitir uma existência “normal” à esmagadora maioria da população, se seguem épocas de desinteresse, de astenia generalizada. A ganância ganha terreno. A tentação da opulência torna-se generalizada, ofuscando nobres sentimentos. Tornando tudo e todos em seres acéfalos quais formigas que lutam arduamente para terem tudo o não faz falta, esquecendo os ideais dos nossos ancestrais. Todas as lutas do passado para que pudéssemos ser cidadãos e tudo o que queremos ser é consumidores!

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Terra Estranha

6 de Outubro de 2009, terça-feira. Terra estranha esta, aparentemente nada dá e tudo exige. Tal é o sacrifício a todos, exigido, para apenas aqui continuar. Mas bem analisada a situação, verificamos o enorme erro cometido. Claro que é grandíssimo o esforço. Evidente que o simples facto de respirar pode ser penoso. Mas também por isso é enorme o privilégio de tal proximidade testemunhar. Os limites humanos nunca são tão baixos como os julgamos. Mesmo as nossas barrigas burguesas se adaptam a ementas inenarráveis. A nossa pele envereda pelo caminho oposto ao dos nossos ancestrais que partiram venturosamente do velho continente. Transformamo-nos em híbridos com um pé no auto-denominado primeiro mundo enquanto o outro aprende caminhos olvidados. A dias de desespero, períodos de auto-conhecimento, de superação intelectual, sobressaem. Novos amigos apresentam desafios a explorar. Formas de viver ignoradas e estranhas vulgarizam-se. Aprendemos que há muito mais pontos de vista. Raciocínios teoricamente abstrusos perfilam-se como perfeitamente válidos. Valorizamos o raro, o difícil de obter. Subitamente apercebemo-nos que aqui isso pode ser uma flor.

sábado, 3 de outubro de 2009

Fim à vista!(?)

3 de Outubro de 2009, Sábado. Há dois anos estava de partida para Kaédi, onde ia substituir o Rodrigo que ia de férias a Portugal. Nessa altura, a obra estava para começar. Agora, a realidade é outra completamente diferente. Não voltarei a Kaédi, para substituir o Rodrigo… A obra está já longe do seu início, se bem que o final ainda não esteja à vista,  especialmente em Kaédi. Aqui em Selibaby, talvez mais seis meses sejam suficientes. De então para cá muita coisa mudou. O que ficou bem patente neste entretanto foi a falta de preparação. Chega a ser confrangedor como não se preparou esta obra. Claro que quem está no terreno é que sofre na pele. O pessoal que a bem ou a mal vai terminar isto, na maioria das situações tem que fazer uso do famoso desenrascanço dos portugueses. Claro que isto tem um custo. Só espero que no final os responsáveis por este trabalho em cima do joelho dêem a cara e não queiram passar a batata quente por quem já amargou aqui com dois anos de sol, pó, calor imenso, cantina desgraçada, querer trabalhar e não poder…

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A ponte de Garfa já está pronta!

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Avarias

24 de Setembro de 2009, 5ª Feira. Depois de terminado o Ramadão pensei que iríamos começar a trabalhar a sério, pura ilusão. Nem sequer tenho carro para ir à obra. As viaturas ligeiras estão quase todas na oficina. A minha por falta de travões, diferencial dianteiro e semi-eixo dianteiro, também não tem ar condicionado, embora tal não impeça a viatura de andar. Tal como eu, outros estão, clientes fiéis da oficina. O Mário é que parece não estar muito satisfeito com tantos clientes… A chuva apenas folgou nos dias de festa, eu acho que se toda a gente estava a festejar o final do Ramadão, é natural que Ele tenha propiciado três dias sem chuva, para que as mulheres e crianças pudessem exibir as suas novas vestes. Festa terminada, água molhada. O Xapi por estes dias está mais calmo, penso que o período das cadelas saídas deve ter terminado. Para ele ficaram bastas recordações, tem uma colecção de cicatrizes, que parece ter participado numa qualquer guerra. Do cachorro gordo, da primavera, nada resta, está um cão alto, magro, musculado. Tornou-se completamente independente. Embora de quando em vez, tenha uma recaída e apareça a solicitar uns carinhos. Na horta aquilo que desperta imediatamente a atenção, são as papaieiras, são bastantes e carregadas de frutos. As bananeiras exibem os cachos, quais troféus de verdura. Estou a começar a temer os próximos tempos, pois já temos o que eu chamo de infestação de gafanhotos. E eles comem tudo…

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Equinócio

21 de Setembro de 2009, 2ª Feira. O rei morreu. Viva o rei. O Verão acabou, viva o Outono. Isso por aí, que por aqui as estações são outras. Aqui estamos na “hivernage”, a estação das chuvas. Este ano os céus têm estado generosos por estas bandas. Aliás desde os anos noventa do século passado que tal se vem verificando. A quantidade média de chuva em Selibaby é a mais alta de toda a Mauritânia, e é de cerca de 480mm. Nos últimos anos tem-se situado nos 600mm. Pelas minhas contas este ano deverá ultrapassar os 800mm. Assim quando falarem de alterações climáticas, juntem-lhe este dado: As alterações climáticas não são OBRIGATORIAMENTE más. Dependentemente da zona do globo terrestre, podem ser inclusive positivas. Claro que o director da obra que nos mantém aqui, não tem forçosamente que ter a mesma opinião que eu… Ontem festejou-se aqui a festa d’elid elfitr, ou seja, o final do Ramadão, em português, quando o pessoal pode voltar a comer durante o dia. Eu, o Zé Manel e o Rafa fomos festejar. Passámos o dia com o Djaló. Visitámos algumas das suas tias, mai-las muitas primas, tias avós e restante família. Comemos que nem uns esfomeados. Bebemos chá que nem uns viciados. Sempre deu para um dia descontraído e diferente, leia-se, não pusemos os pés na nossa santa cantina, que de tão boa, podia só servir a administração, de certeza que por aqui ninguém contestaria. Hoje andámos na monda da nossa horta, que as ervas por aqui não descansam. Crescem tão rápido, que se por acaso alguém achar que está embriagado por ver ervas a crescer, lembre-se, aqui isso não é verdade. É possível ver ervas a crescer. Malvadas. Amanhã volta a ser dia de trabalho, significa isso que, quase de certeza esta folga da chuva termina hoje… Das coisas que lamento é não ser um estudioso de insectos. Caso fosse, tinha aqui bastante para estudar. Assim tal não se verifica. Também não vou arrancar cabelos por esse facto, principalmente porque os ditos fugiram em tempos idos.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

De viagem!

15 de Setembro de 2009, 3ª Feira. De volta a África. Breves dias em casa permitiram recarregar baterias. Necessárias para mais uma etapa, desta feita até ao natal. Por terras lusas momentos de finais de Verão, quentes, alegres e a cheirar ao Outono, que já espreita. Passeio a Trás-os-Montes, com estadia em Ladrugães, Montalegre. Região de excessos. Em primeiro lugar de beleza. Depois de verde, de água, de montanhas, de aldeias, de fogos… O Parque Nacional do Gerês continua lindo, apesar de alguns tudo apostarem em o destruir. Em casa armei-me em bom e causei pesadelos, não apenas a mim. Uma tarefa fácil, substituir a torneira do duche por uma coluna com torneira termoestática, com quatro opções para um banho de sonho, (o objectivo era tornar o duche utilizável pelo Xavier, que ainda é pequeno para chegar à posição do duche para os adultos, evitando utilizar duas casas de banho) rapidamente me apercebi qual a razão para haver especialização de tarefas. Aquilo que parecia simples, obrigou a várias deslocações para comprar acessórios, faltava sempre um… Tudo montado. Experiência. Ficou a pingar. Voltei a colocar tudo como estava. Depois da viagem nortenha, pensei, desta vez vou impressionar todos. Fui a casa do meu pai, pedi umas chaves de canalizador e entusiasmado lancei mãos à obra. Parti o tubo de água quente e finalmente percebi o óbvio. Não nasci para trabalhos manuais! Procurar um canalizador, mais um pedreiro, partir azulejos, telefonar umas trinta vezes, ouvir a querida esposa, voltar a telefonar, ir a casa do pedreiro implorar, voltar a telefonar, o canalizador vem já, ainda não, é agora, está quase, ainda não. Três dias nisto. Quando parti no domingo ainda faltavam pormenores. Acho que ainda não está a funcionar. Já nem tenho coragem de perguntar. O meu disco externo não funciona porque o adaptador avariou. Não dá para comprar um da concorrência porque fizeram um tão único, que ninguém se deu ao trabalho de copiar. Fui à loja de computadores, não há problema, disseram-me. Uma caixa nova, é tudo o que necessita. Dura apenas meia hora. Custa vinte e seis euros. Pensei, nem tudo é mau. Levei o disco e pedi a substituição da caixa. Estavam esgotadas. Dentro de uma semana teremos novas. Eu estarei longe dentro de uma semana. Depois de muito pensar, no último dia comprei um disco novo. Chegado ao paraíso, liguei-me de novo ao mundo, claro que o novo disco não funcionou. NUNCA devemos comprar um disco externo, viajar 4.000 km e DEPOIS experimentá-lo. Quanto à viagem, nem sei bem como começar. A parte do avião até correu bem. Chegámos a Dakar à hora. Trouxe uns quilitos a mais e com um sorriso, o funcionário, apenas me chamou a atenção. Cinco estrelas. Em Dakar, vi-me dentro de um carro que em Portugal não poderia circular, por falta de condições. Perguntei ao condutor se “aquele” era o nosso transporte para 700km, que sim, o carro é muito bom respondeu-me. Tudo bem, mas, sair do aeroporto às 2 e meia da manhã, num carro sem ar condicionado – quem precisa disso? - Sem cinto de segurança – se não vamos ter um acidente, para quê o cinto? – Como iluminação apenas o equivalente aos mínimos, num carro vulgar. Aqui confesso que me assustei. O condutor era bom, mas fechei os olhos durante muitas curvas! Senti o coração apertado. Nunca desejei tanto o nascer do sol. Sol que nunca vi em todo o dia, apenas nuvens e mais nuvens. Nuvens, que descambaram sobre nós na região de Tambacounda, mostrando outro problema do carro. Chovia no interior. Felizmente não em todo o interior. Apenas na zona do pendura… Para variar cheguei a Bakel e fui informado que chovera tanto, que estavam com dificuldades para me ir buscar. Enfim cá cheguei. Pronto para mais uma etapa. Quando estava a atingir o estaleiro telefonaram-me de Portugal, a certidão do médico para fazer as análises estava pronta, podia ir buscar. Agradeci. Sou bem-educado. Afinal de contas o mundo não acaba hoje!

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

O tempo passa devagar

31 de Agosto de 2009, 2ª Feira. Nova viagem à porta. Antes de cada viagem começo a ser invadido por uma ansiedade enorme, cada dia passa mais devagar. O tempo é agora mais denso. Após dois anos aqui, começo a atingir o ponto de ruptura. O isolamento está a fazer efeito. Veremos a ida a casa dá para carregar as baterias. A “hivernage” está a ser boa este ano. As culturas serão boas. O gado engordou. Os sorrisos voltaram às caras desta gente. Estamos em pleno Ramadão, mês sagrado para os muçulmanos. Estou a dar aulas de “apanha de gafanhotos” à Tavinha. Ela adora gafanhotos. Eu adoro que ela adore gafanhotos. Porque os ditos, adoram a minha horta. Então para que tudo fique mais adorável, nada melhor que ela caçar a sua própria comida. Ganha independência, fica com a barriguinha cheia e eu todo contente. O nosso refeitório vai de mal a pior. Dois anos a comer mal, com reclamações diárias começa a incomodar. Chegamos a um ponto em que deixamos de acreditar em promessas. A vantagem de uma situação chegar a um nível paupérrimo é que pior não pode ser. Assim vai a nossa cantina. O problema é que não há meio de melhorar…

sábado, 29 de agosto de 2009

A Solidão

A solidão é insuportável no meio da multidão
O silêncio é recortado pelas notas de música

O vermelho do chão trocado pelo verde da vegetação
A poeira omnipresente substituída pela lama
A secura dum olhar à procura da chama

O rio nestes dias vira mar
O peixe cai do chão
O calor finalmente dá-se a respirar
A vida salta de mão em mão

Efémeros dias suados
Momentos de sobressaltos
Histórias aos bocados
Fados trasladados
Corpos bronzeados

A solidão é insuportável no meio da multidão
O silêncio é recortado pelas notas de música
A biologia escapa às leis da física
Os pés fogem pelo chão
A luz agarra objectos difusos
O amor inventa novos fusos

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Filho

Os olhos ficam baços
Lágrimas saltitam sem parar
Novelam-se os traços
Dá um nó ao falar

Tantos que couberem
O hábito não apaga o coração
Tantos que vierem
Serão sempre primeira edição

A honra que cabe ao primeiro
É de estrear emoções
Por mais estreito que seja o carreiro
Mesmo o último traz aflições

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Silences

I’m a shepherd of silences
Silences are real music to my hears
Make me jump on fences
And make my eyes drop some tears

I’m in love with transparencies
Transparencies are real colors to my eyes
Make me cry latencies
And make me fill my lungs tight

I’m a sun for the trees
Trees are best symptom of wealth
Make me search for bees
And make me lay without breath

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Visita ao Outro Lado

O novo colega chegara à pouco. Ainda não se ambientara. O Mais Velho ligou-me. Se podiam vir passar o fim-de-semana. Claro. Já está tudo preparado para vos receber. Vieram. O jantar fumegante, apetitoso, chamava todos. Contaram-se histórias. Quase todas engraçadas. Como acontece nestas ocasiões, o álcool baixa fácil. Ficamos todos mais ouvintes. As palavras saiem fáceis. O encontro de amigos é sempre um ponto alto. No dia seguinte fomos ao Outro Lado. O Mais Velho não trazia passaporte. “Não é necessário” disse-lhe. Lá foi mas duvidando do que lhe dissera. Pois se aquela era uma das fronteiras “difíceis”. Quando o apresentei como o Mais Velho, meu grande amigo, teve tratamento VIP. Ninguém pediu documentos. Já no Outro Lado igual modo de receber amigos. Dirigimo-nos ao “Maria Joana” sempre em animada discussão. Quando o novo colega e o Mais Velho receberam as suas louras, pondo termo a uma secura já de idade razoável, beberam o primeiro golo e fizeram o primeiro “AHHHHHH”, percebemos todos, que valera a pena. Mais bazucas se seguiram. A conversa seguia animada. Surgiu então o “Homem Esqueleto”. Sempre que fui ao “Maria Joana” vi lá o dito. Sempre me pareceu que fazia parte da mobília. Por várias vezes o vi ler as pedras a clientes da casa. Desta vez estava longe de idealizar os bons momentos, que nos iria proporcionar. Começou a ler as pedras ao Mais Velho. Ninguém estava a contar com o que veio depois. O Mais Velho pediu as pedras ao Homem Esqueleto e lançou-as. E depois começou a falar, como se toda a vida tivesse feito isso. O Homem Esqueleto, mexeu-se no banco. Primeiro inquieto. Depois começou a sorrir. Um após outro. Todos os clientes se chegaram. Todos queriam ver o Toubab que sabia ler as pedras. Que leu as pedras ao Intocável Homem Esqueleto. E que este com um sorriso mais amarelo que normalmente, confirmou tudo o que o Toubab dissera. A Magrinha, empregada da casa, foi a primeira. A cada revelação do Mais Velho, seguia-se um “AH” de aprovação. A determinada altura, o Mais Velho parou e disse “A partir daqui só a pagar” e mais não revelou à prestável Magrinha. Todos os clientes da casa rodeavam já a nossa mesa e todos queriam saber o que a vida lhes reservava. Um deles em particular, o Sr. Ilustre, pessoa desconhecida por nós, forasteiro concerteza, pediu para o Mais Velho lhe revelar o que se iria passar essa tarde. O Mais Velho olhou-o de alto a baixo e de baixo a cima. Lançou as pedras e dirigiu-se àquele forasteiro bem vestido, “Esta tarde vai ser a mais importante da tua vida nos anos vindouros”. O forasteiro retrucou “Que mais me dizes?” Nova mirada às pedras e lá veio “Vais fazer um negócio de muito valor” “E como vai correr?” “A partir de agora só a pagar” toda a gente ficou intrigada, quem seria o Mais Velho? Como era possível um Toubab saber ler as pedras que apenas o Homem Esqueleto sabia interpretar? As loiras desciam velozmente. Ainda hoje mais de um ano após esta visita a Magrinha me pergunta pelo meu amigo. Que nunca ali entrou um Tuga tão simpático. “E sabia ler as pedras!”.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Dois Anos

18 De Agosto de 2007
6:00 am – Tocou o despertador. Acordei para um dia completamente inesperado apenas duas semanas antes. O dia da minha viagem para a Mauritânia. Foi o dia em que mais me custou levantar e despachar em muitos anos. A Guida fez-me dar um beijo ao Xavier, coitado estava de tal modo a dormir que não deu qualquer sinal, quando o agarrei para o beijar. A Inês, como sempre aparenta maior autocontrolo e deseja-me boa viagem.
18 de Agosto de 2009, 3ª Feira. Faz hoje dois anos. Que vim para a Mauritânia. Cinco por cento da minha vida. As voltas que o mundo já deu desde que aqui cheguei. Vi o petróleo bater todos os recordes de preços. Assisti a um golpe de estado. Vi o petróleo cair a pique, a gasolina em Portugal nem por isso… Vi os cereais atingirem preços proibidos. Vi o PS perder as eleições europeias. Andei de camelo. Acompanhei a eleição do Obama, com toda a expectativa que isso trouxe a todo o mundo. A minha perspectiva do mundo deixou de ser apenas centrada em Portugal. Acompanhei o desenvolvimento da crise, que ao contrário do que possa parecer, não é exclusiva de Portugal. Vi nascer o sol quase todos os dias. Atravessei o rio Senegal a nado. Atravessei fronteiras dezenas de vezes. Encontrei novos amigos. Observei sociedades muito diversas da nossa. Percebi que a Europa já não interessa muito a quem lá não vive. Vi o Sporting ganhar uma Super taça e uma Taça de Portugal (ambas ao FCP). Vi o mesmo FCP ganhar dois campeonatos. O Nelson Évora ser campeão olímpico, e hoje vice-campeão do mundo. Assisti àquilo que já foi descrito como o fim da “Mauritânia Amável para o turista ocidental”. Vi amigos serem evacuados deste país, devido a atentados bombistas. Não vi o Rally Lisboa – Dakar, em Janeiro de 2008, deviam ter sido realizadas três etapas aqui perto, que eu, claro contava ir ver, mas não houve. Aniversariei duas vezes aqui. Tenho um cão. Que atingido o estado adulto, não me liga nenhuma, só quer é gajas. De vez em quando aparece a pedir desculpa, mas isso dura uns cinco minutos… Tenho uma macaca, que só quer fazer macaquices, cujo petisco preferido dá pelo apetitoso nome de “gafanhoto”, tenho que ser eu a apanhá-los, que a menina é fina… Perdi um amigo e colega de profissão. Ontem revi todo o filme, com o acidente de outro amigo e colega, felizmente sem consequências de maior. Já vou na terceira estação das chuvas nesta terra. Vi inundações, que fariam corar de vergonha os nossos jornalistas, quando anunciam inundações em Portugal. Assisti a chuvadas como só tinha imaginado, quando amigos e familiares, contavam como era na antiga África Portuguesa. Já engoli mais pó nestes dois anos que em toda a minha vida. Vi tempestades de areia, que pareciam produção de Hollywood. Fiz excursões de piroga ao longo do rio Senegal. Fui a Espanha, a França, a Gibraltar e a Ceuta (África) com a minha prole. Já tenho umas dezenas de carimbos no passaporte. Fiz milhares de quilómetros em picadas. Percebi que por mais crises que hajam em Portugal, continuamos muito longe de estar na miséria. Fui picado por centenas de mosquitos (sacanas, devem ter morrido envenenados). Fiz MUITAS vezes cem quilómetros de jipe, em picada, mais piroga, mais quilómetros a pé, só para saborear uma loura fresquinha. Mudei durante este tempo, fruto da solidão, da distância, do ar, da paisagem, do cheiro, dos novos amigos, deste continente. Sei o que é o anti-stress. O depois. O amanhã. O está quase. O é difícil. O relógio quase, quase, parado. Vi ONG’s. Acompanhei de perto programas da ONU. Comecei a escrever. Até poemas. Tenho uma horta. Sei o que é viver com um calendário de outra religião. Vim para um sítio onde me pediam que fale francês e o meu inglês está cada vez melhor. Cada vez que vou a casa sinto um frio de morrer. As distâncias aqui têm uma dimensão nova, que transformou Portugal em algo “pequenino”. Carros que em Portugal durariam uma vida, aqui com um ano estão “maduros”. Vi tudo isto. Vi muito mais. A magia é por um lado “ver” por outro é “apreender” e “sentir”. Não sei o que o futuro trará. Talvez porque como alguém disse o futuro nunca existe, o que existe é sempre o presente. Só sei que a capacidade de maravilhamento está cá. O ficar apaixonado por uma flor. O sentir a natureza despertar após oito meses de seca. O ver peixes a sair do chão após a queda das primeiras águas. O vermelho da areia, transformado em verde da erva em escassas horas. Isso ninguém mo pode tirar.

sábado, 15 de agosto de 2009

Também chove no Deserto

Chuva vista da nossa porta de entrada, as nossas bananaeiras estão a ficar bonitas. Foi "isto" que me fez passar uma noite na estrada, no Senegal, a dez quilometros de Bakel.

Aspecto do Radier pk28, em Samba Kanji. O nivel da água sobe dois metros acima do dito.

Radier pk10, em Mamaéli, aqui a água só sobe 1,5m...



Ponte junto ao Lycée em Sélibaby.




Pequenas amostras do que uns minutos de chuva podem fazer.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Parabens Pa Ti e Pa Mim

Dezassete

Nevoeiro na Serra
Na lezíria estio abafado
Acontecimento na terra
Leves fatos de gala
Jovens sorridentes
Flores na sala
Dia inolvidável
Sardinha assada
Todos com ar saudável
Família em coro
Cantou-se o fado
Bailou-se com decoro
Dia assim não voltou
Conta o que sentes
Quem assim amou
Tantas agruras passadas
Alegria infindável
Situações delicadas

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Tudo bem, ou nem por isso.

10 de Agosto de 2009, segunda-feira. Hoje foi um dia marcante para mim. Por um lado estou contente porque o trabalho correu bem. A terraplanagem está em bom ritmo. O betão anda bem. Está tudo em velocidade de cruzeiro. Não é pelo que fazemos agora que a obra está atrasada. Devido às grandes chuvadas do dia 30 de Julho, alguns problemas ficaram expostos. Com a chegada do Sr. Niang, praticamente tudo ficou esclarecido. Aceitou quase todas as nossas propostas. Significa que eram boas… Vi hoje um espectáculo impressionante. A transumância em todo o seu esplendor. Regressaram a Gouraye cerca de 500 vacas. O que tem isso de especial? Apenas o facto de terem que atravessar o rio Senegal. A nado. Com alguns homens a nadar lado a lado com o gado. Também alguns barcos ladeavam o conjunto. Só visto. Segundo me informaram, todos os anos gado mauritano é deslocado para o Senegal e Mali na época da seca, regressando durante a chuva. Este dia fica também marcado pela notícia que o Peace Corps vai encerrar as suas actividades na Mauritânia. Se este facto poderia ser antecipado, pelo facto de não haver novos voluntários este ano. Pelo problema dos vistos para os cidadãos norte-americanos. Pelo assassinato de um americano em Nouakchott, durante o mês de Julho. Pelo acto eleitoral aqui vivido também no mês passado. A gota de água terá sido o atentado suicida frente à embaixada francesa na capital mauritana. Foi com surpresa que soube, pelos meus amigos da sua evacuação para Dakar. Senti aquilo que sentiu um grupo de jovens que abandona tudo, para vir para uma terra distante, em condições bastante difíceis, que é confrontado com uma situação para a qual em nada contribuíram, mas que serão eles a sofrer as consequências. Tinham ainda um ano pela frente e aparentemente de forma abrupta, terminaram aqui a sua estadia. Também eu deixo de poder conviver com um grupo que me ia ajudando na minha estada. Bem-haja, Shelby, Emily, Tim, Tabatha, Sari e John. Vamos ver o que isto vai dar.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Verde e água

6 de Agosto de 2009, quinta-feira. A metamorfose sofrida por esta terra nos últimos dias foi qualquer coisa que mesmo para um “veterano” impressiona. Vêem-se campos pintados de verde, em vários tons, desde o claro-quase-amarelo da erva recém cortada, ao verde-turquesa e mesmo o verde-oceano de pastos a perder de vista. Juntam-se nesta sinfonia verde as árvores, cada qual com o seu verde. Não deixa de ser curioso numa terra situada na entrada do deserto poder apreciar tantos verdes como não sabíamos existir. Este êxtase verde vai ainda durar até perto do final de Setembro. Por essa altura toda a paisagem repentinamente altera a cor, como se tudo fosse combinado. O outro factor aparentemente fora de contexto nesta paisagem é a presença de água. Existe tanta e por todo o lado. Os sinais de sua presença extravasam no entanto os locais onde ela resta tranquila, pois a forte chuva que caiu nos últimos dias deixou marcas. Vedações derrubadas, postes de telefones caídos, estradas rasgadas como se foram papel. Estivemos isolados da Mauritânia entre quinta-feira e terça-feira, altura em que Garfa mostrou quão impressionante pode ser, não deixando ninguém passar. É por estes dias que os nómadas deixam o Guidimaka e voltam às suas terras, não sei se é mais impressionante ver no séc. XXI, pessoas partirem de burro e camelo com toda a tralha às costas, ou ver a quantidade de animais que “fazem parte da família”. Hoje vi-me no meio de uma manada de vacas com uns milhares de cabeças, parecia que estava no faroeste, num filme de cowboys.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

É tão doce, a vida

É tão doce, a vida
Existe lá algo mais doce que um chocolate?
Mais doce que uma ginginha?
Mais doce que uma fatia parida?

É tão verde, a vida
Existe lá algo mais verde que um prado?
Mais verde que um jardim?
Mais verde que a esperança sentida?

É tão bela, a vida
Existe lá algo mais belo que uma criança?
Mais belo que o mar?
Mais belo que uma tela colorida?

A vida acorrenta e liberta
É quente e fria
Deixa sempre uma porta aberta
É noite e é dia

É amor e desamor
É tudo e é nada
É espinho e é flor
É bruxa e é fada

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Aqui estou eu

Aqui estou eu, absolutamente perdido
Espero por um sinal teu
Um olhar, um pestanejar, um sorriso fingido
Para desespero meu

Aqui estou eu, a nadar no deserto
Isolado de tudo
Tudo, tão longe e tão perto
Cada vez mais sisudo

Aqui estou eu, só com minha alma
Escutando todas as cores do mundo
Por mais que mantenha a calma
O meu espírito voa cada vez mais fundo

Aqui estou eu, na companhia das minhas memórias
Ouvindo músicas maravilhosas
Recordando todas aquelas histórias
Especialmente as perigosas

Aqui estou eu, congelando neste calor
Cansado de nada fazer
O coração bate com ardor
A cabeça a doer

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Liberdade

3 de Agosto de 2009, segunda-feira. E se afinal a vida terrena for tudo o que há. Se quando fecharmos os olhos pela última vez, for mesmo de vez. Se não existir o Éden. Se for esta a vida que temos para viver. Se esta existência for O TUDO. Imaginemos que assim seja. Quantos de nós viveriam a vida que vivem, se fossem sabedores desta verdade? Quantos de nós seriam mais egoístas? Quantos de nós aceitariam os dogmas, que tantos nos impingem? Por outro lado, quantos saboreariam a vida com todos os sentidos alerta, aproveitando o que há para aproveitar? Não sei se a vida seria mais ou menos suportável. Se seria mais agradável. Se seria intragável. Sei que seria vivida com verdade. Cada um sabendo que ISTO é o que há. Não vale a pena esperar por recompensas, perdões, comendas ou ilusões. Se cada um tivesse consciência que este é o nosso paraíso, provavelmente não desperdiçaria energias ouvindo discursos teleguiados, que apenas nos condicionam. Que apenas pretendem controlar o rebanho. Por mais que berrem, que nos queiram iludir, não deixarei de ser livre. Ser livre implica poder escolher o caminho. Mesmo que seja o pior. Dessa liberdade não abdico.

domingo, 2 de agosto de 2009

Vida

A questão que nos todos nos colocamos
Que gostaríamos de ver esclarecida
A resposta que todos ansiamos
Qual é o sentido da vida?

Nas horas de dor
Quando há uma amigo de partida
As dúvidas assaltam-nos com fragor
Qual é o sentido da vida?

Quando um choque nos desperta
Para a realidade sofrida
Olhamos a estrada deserta
Qual é o sentido da vida?

Não há longe nem distância
Nem porta de saída
Quando perguntamos com ânsia
Qual é o sentido da vida?

Alegrias, amarguras, amores, desamores
Sensações de fugida
Pedreiros, engenheiros ou doutores
Qual é o sentido da vida?

Será que se fizermos ao menos um amigo
Daqueles do coração
Como um vulcão em erupção!
Fará a vida sentido?

Regresso

2 de Agosto de 2009, domingo. De regresso à Mauritânia e à escrita. Muito se passou desde a última vez que me sentei frente ao meu PC. Voltei a casa, numa altura em que desesperadamente precisava. Felizmente por lá está tudo bem. Cheguei a África na quinta-feira, quando desabou o céu sobre o Guidimaka. Em Selibaby foram 120 mm. A dez quilómetros de Bakel, fiquei retido por cerca de 12 horas. Apenas às 7 da manhã de sexta-feira foi possível atravessar. Se em Julho de 2008, quando regressei de Portugal, tal como agora, uma ponte e uma passagem hidráulica caíram, devido a uma chuvada equivalente a esta e quanto a isso não haverá muito a dizer, pois a quantidade de água é incomensurável e não é fácil conciliar orçamentos de doadores com verdadeiras necessidades no terreno. Não posso conceber que se deixe uma cidade como Bakel completamente isolada do resto do país por um ano inteiro. E isto num dos países onde alguma coisa ainda funciona… Para chegar a Selibaby foi uma aventura, com final feliz. A chuva veio-nos mostrar algumas (poucas) deficiências do nosso projecto, que com um pouco de engenho serão corrigidas e poderemos orgulhar-nos do que iremos aqui deixar. Se os humanos me receberam bem, a grande recepção que me foi dada, foi a do Xapi. Foi impressionante! Não sabia dele. Assobiei. De repente vindo não sei de onde, apareceu ele, enorme. Elegante. Já não é o cachorro que eu conhecia. Agora é um animal adulto, no auge das suas faculdades. No entanto veio ao meu encontro, saltou, como querendo saltar-me para o colo. Chorando, como uma pessoa que abandonámos, que no reencontro tudo perdoou mas… não esqueceu. Fez questão de me demonstrar isso mesmo. A estadia aqui é penosa. Só penso em ir embora. Os acontecimentos do mês passado entraram de rompante na minha vida, sem pedir licença. Fui completamente atropelado. Estou quase a completar dois anos aqui. Até hoje nunca me custou tanto estar nesta terra esquecida como agora. O que vale é que regresso a casa no inicio de Setembro. Mas reparei que tenho uma sombra nos olhos que não irá desaparecer facilmente.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

In Memoriam


Rajadas de vento inesperadas
O ar sufocante a ameaçar trovoadas
Dia de sol envergonhado nas estradas
Rios alterosos de torrentes enlameadas
Invios caminhos para gentes avisadas
Guarda o som das crianças assustadas
Ouve o silêncio das palavras caladas

Barcos cruzam mentes viajadas
Almas tristes e zangadas
Ruas bordejam portas fechadas
Recordações de situações atribuladas
Altas expectativas sonhadas
Dias felizes de estórias engraçadas
Armas em riste preparadas
Salve ó Barradas

domingo, 5 de julho de 2009

Tempestade de Areia

A tempestade de areia que passou por aqui na quarta-feira à noite foi assustadora. Estas fotos foram tiradas a janela do meu quarto. Dão uma ideia do que foi. Primeiro uma nuvem enorme, como uma onda, depois o ar muda de cor, torna-se laranja. Começamos a ficar com uma visão destorcida dos objectos, mesmo os mais próximoa. Temos então uma visão do dia do juizo final, quando o ar ficou vermelho. Na última temos uma ideia da velocidade do vento. De notar que muitas vezes às tempestades de areia segue-se chuva, o que não foi o caso desta vez.













quinta-feira, 2 de julho de 2009

Deserto

Perdido no deserto
Horizontes infinitos
O longe aqui tão perto
E presos e aflitos

Miragens longínquas em qualquer direcção
No sol abrasador
Requerem toda a atenção
Os olhos a perscrutarem tudo em redor

Livre mais livre não há
Aqui não há perto
Vês uma águia acolá
Será aquele o caminho certo?

Podes ir por onde te apetecer
Ninguém te impedirá decerto
Parte! Basta querer
Irás sentir um aperto

Como sempre acontece a quem pode decidir
A (in)certeza mora por perto
Novo alento irás sentir
Perdido no deserto

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Xapi em forma


O Xapi sofreu um acidente muito grande, à cerca de um mês e meio, que lhe provocou uma fractura na pata esquerda dianteira. À época fiquei bastante preocupado, pois a visão dos estragos foi muito forte. Encontrei aqui em Sélibaby um veterinário, o Dr. Wague, que tratou muito bem do caso. Passado este tempo podemos ver que o Xapi está bom, diria até demasiado bom, pois está enorme e gordo. É o maior cão que já vi na Mauritânia. Para quem não conhece esta raça digo o seguinte, o Cão Pastor Mauritano, é um animal dócil, manso, amigo das pessoas e embora possa participar em grandes deslocações, não esquecer que está habituado ao nomadismo, não desdenha passar todo o dia a descansar. Claro que aqui as temperaturas são muito elevadas. Gosta do seu banho. Aqui o Xapi, gosta mesmo bastante da parte do descansar e do banho. Fica toda a gente muito admirada quando o vê a tomar banho. De tão calmo que está. Quando o quero levar a passear é só abrir a porta do carro e imediatamente salta lá para dentro. Adora um passeio de carro com a cabeça à janela.













domingo, 28 de junho de 2009

Aconteceu o inevitável!

Aconteceu o inevitável! De facto toda a gente já estranhava. Algo não ia bem. Não era uma situação normal. Pergutam vocês - afinal o que se passou? - Aquilo que todos esperavam. Numa casa onde só habitavam machos, já há cerca de dois anos, o que faltava? Claro. Uma fêmea! Pois bem, aqui estou eu a apresentala. Estas são as primeiras fotos da Tavinha! Como podem ver este ar púdico e meio envergonhado não engana. É mesmo uma fêmea. Podem vê-la sonolenta, a coçar-se, a fazer aquele ar curioso...
E pronto aqui está a Tavinha, apresentada à sociedade. Agora já não há qualquer razão para a casa apresentar aquele ar desarrumado, vulgar onde habitam apenas machos.













sexta-feira, 26 de junho de 2009

Montar um Camelo















Nestas fotos podemos ver como eu finalmente montei um camelo e estou aqui para contar como foi. Diga-se que o camelo (é como eles lhe chamam aqui, na realidade são dromedários) é muito mais alto que um cavalo, mas como ao contrário dos cavalos eles baixam-se para nós subirmos e descermos, o único problema é se tivermos vertigens. Para já foi a experiência. Para a próxima será um raide de um dia inteiro, e aí já não sei como ficará o fisico, pois isto necessita de práctica. Mas isso são outros quinhentos. Para já fica a amostra de como o bicho sobe depois de subirmos. Parece que nunca mais pára de subir...

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Tempestade

O dia rapidamente em noite se transformou
O azul ficou branco, logo depois cinzento
O cinzento escureceu rapidamente e negro ficou
O vento sibilou advertindo todos com um lamento

A escuridão só pelos relâmpagos era interrompida
Cada vez mais próximos e com mais intensidade
O ribombar dos trovões começou a partida
Duvidas desfeitas. Faltava apenas saber a quantidade

Ei-la que chega, primeiro como uma tormenta
Logo depois como quem vem para ficar
É a vida quem ganha, a secura já se não aguenta
Se a todos molha, ninguém se parece importar

Continua forte. Cada vez mais intensa
A terra seca e gretada rapidamente se transforma
Que isto aqui não é como se pensa
Rios alterosos rapidamente ganham forma

Torrentes galgam a margem
A água antes de dar vida
A todos dá a mensagem
Aqui a vida é sofrida

Ouvem-se risos cristalinos
Toda a gente está contente
Hoje não há desatinos
É a vida que se renova como uma semente

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Boa Viagem

24 de Junho de 2009, quarta-feira. Ontem, mais uma vez foi dia de despedida. As despedidas são sempre emotivas quando de amigos se trata. Por acréscimo, se essa despedida for um até sempre ou até nunca mais, se o mais provável for que não voltaremos a cruzar os nossos caminhos, fica um aperto na garganta. Claro que a vida continua. Para os dois lados. Cada um de nós tem uma vida a construir. Até ao fim. Mas estes breves momentos, em que interagimos com pessoas especiais, são eles mesmos, momentos inesquecíveis. Sei bem que tudo na vida é contínuo. A vida é uma roda que não pára. Resta-nos saborear os bons momentos, aproveitar as boas companhias e continuar a rodar. Até sempre Kim! Boa viagem

terça-feira, 23 de junho de 2009

Amigos

O dia da partida aí está
Dois anos terminados
Trabalhos executados
A vida continua lá

Muito calor partilhado
Alguma cerveja também
Um abraço suado
Como só os amigos sabem

Selibaby aqui fica
Com a chuva a chegar
A terra fica mais bonita
Fica verde de cegar

Cada um à casa torna
Novos desafios vos esperam
Aqui nesta casa morna
As memórias prosperam

Memórias de bons momentos
Outras de lamentos
Os corações sentidos
O latejar no peito dos amigos

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Verão

Quando o calor aperta
E a sede desperta
Quando deixamos a porta aberta
Quando conversamos ao serão
E cheiramos aquele melão
É porque é verão

Verão é sol
É calor e praia
Pára o futebol
É tempo de minissaia

Dias longos como o tempo
Tempo que estica com um lamento
Lamento que nesta época, até o vento
Tudo queime sem argumento

É no verão de encantos tamanhos
As férias chamando por nós
Vai todo o mundo a banhos
Que mais se nota quando estamos sós.

domingo, 21 de junho de 2009

Verão

21 de Junho de 2009, domingo. É verdade. Começa hoje o verão. Quer isso dizer que o sol atingiu o trópico de câncer e vai começar a descer em direcção ao equador. Quer isso dizer que vai voltar a passar aqui por cima. Quer isso dizer que voltaremos a perder a sombra. É curioso porque só quem passou pelos trópicos sentiu o que é não ter sombra. Agora a sombra ao meio dia indica o sul. Até finais de Julho. A lua aqui também nos brinda com uma posição zenital, quando fica cheiinha. Para além disso quando está no quarto crescente apresenta uma posição deitada, ficando tal como aparece na bandeira mauritana. Estas chuvas estão a ser muito irregulares, existem zonas onde já choveu três ou quatro vezes e estão todas verdinhas, tipo campo de golfe, outras ainda não apresentam qualquer sinal de vida… O mais importante de tudo é que já só faltam três semanas para voltar a casa…

sábado, 20 de junho de 2009

Mistério

Quem és tu?
Que queres de mim?
Algo procuras?
Será que vislumbro um sim?

Achaste por fim?
Tens medo do que descubras?
Encontraste e não é alecrim
Ou é o rei que vai nu?

Mistério
Desconheces o desconhecido
Mais a sério
O que poderia ter sido?

Não sabes o que fazer
Agora que descobriste
Alguém tem que te dizer
Aquilo que viste

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Triangulo

Razão!
Qual razão?
Qual será a Razão?
Qual será a causa da razão?
Qual será a causa?
Qual causa?
Causa!

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Flor

Pode lá haver algo mais belo que o amor?
Existirá algo que produza mais dor?
Que poderá cheirar melhor que uma flor?
Será essa a razão do teu vigor?

Quando o teu rosto observo
E teu olhar encontro
De imediato sou teu servo
E teu é meu ombro

De canhões medo não tenho
A morte não me amofina
Assusta-me que não gostes do meu desenho
Nem do meu ar traquina

Por mais aromas que criem
Com toda a tecnologia
Impossível será que assinem
Um melhor do que já havia

Vejo-te como uma flor
Cada dia mais forte
Imagino se essa sorte
Provirá do amor

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Verde

Que estrondo. Lá foram os pratos
Começou a Guerra?
Ou é só a Terra
A reclamar dos maus tratos

Noite iluminada como se fora dia
Que é isto? Não pode ser vento
Sopra por tanto tempo
Há muito que tal não ouvia

Chuva!? Com esta intensidade?
Mais parece que deslocaram o mar
Pobre cidade
Saberás nadar?

Em três dias apenas
Da areia estéril surgiu vida
O verde está em todas as cenas
Pincelando de esperança uma paisagem colorida

Ei-las que chegam
De todas as cores e tamanhos
Aves lindas que não vergam
Voando sobre os rebanhos

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Água

15 de Junho de 2009, segunda-feira. Passa pouco da meia-noite. À hora que escrevo estas linhas começou a chover, este facto só por si nada tem de especial, aparte estarmos no sahel, quase deserto. O que torna especial este momento é a capacidade que a natureza tem de construir destruindo!? Antes da chuva tivemos mais de uma hora de tempestade de areia, com uma quantidade de pó no ar, inimaginável. Para não falar da trovoada que já dura há mais de duas horas, primeiro ao longe, sem ruído, mas com uma cadência semelhante ao disparar de flashes quando alguma estrela de cinema se apresta a entrar pela passadeira vermelha numa noite de Óscares. Agora já bastante audível, para que, mesmo aqueles que não mostraram o respeito de ir ver o que se passa, ficarem a saber que a mãe natureza está aí, a fazer das suas. É de facto um espectáculo inolvidável. O ribombar dos trovões ecoa bastante próximo já. É o começo de uma transformação incrível que esta terra vai ter. As ervas vão brotar do chão nu e estéril. Em poucos dias tudo ficará verde. As pequenas colinas, guidimakha, em soninke, que dão o nome a esta região, ficarão com um aspecto maravilhoso. Os animais que sobreviveram à seca, voltarão a ter que comer. As crianças voltarão a nadar e a rir. Esquecerão por três meses, quão árida é esta zona. Por três meses não precisarão de fazer quilómetros para buscar água, pois têla-ão à mão todos os dias. Voltaremos a ver as roupas coloridas estendidas nas árvores para secar após a lavagem, que agora pode finalmente ser feita. É certo que a partir de amanhã teremos a companhia de milhões de insectos, contrapondo o quase vazio da estação seca. Cada dia serão diferentes. Aqui há muitas variedades de efemérides, insectos que estão no seu estágio adulto um simples dia. É verdade. Então num dia teremos milhões de bichinhos pretos, pequeninos e redondos, no seguinte uns maiores, oblongos e castanhos. A seguir serão uns perigosos que deixam uma marca que não se esquece, como uma queimadura. É certo que sair à noite passa a ser complicado, excepto quem não se importar em ter MUITA companhia. É também agora que o mosquito da malária recomeça a fazer das suas. Goste-se ou não é nesta altura que se gera vida para o resto do ano. Claro que vamos ficar isolados durante uns dias. Que iremos ficar atascados nalgum sitio. A lama substitui o pó. Mas os camponeses irão semear os campos. O gado vai engordar. Voltarão a chegar bandos de pardais e toda a sorte de aves. É agora que teremos a oportunidade de fazer aquela foto, tão ansiada. É a água. É a vida!

domingo, 14 de junho de 2009

O Amor

O Amor é olhares e veres
O Amor é escutares e ouvires
O Amor é estremeceres quando ouves um poema
O Amor é chorares quando vês uma flor
O Amor é teres alguém a teu lado hoje
O Amor é saberes que há alguém à tua espera
O Amor é o teu coração tão grande
O Amor é tudo e é tudo!

sábado, 13 de junho de 2009

She's the One

There she goes
In her way
I can’t look away
Whatever it takes
Since first time get caught
On her endless sashay
There’s nothing alike
That’s what I can say
She’s the One
I can’t help it
She’d notice my eagle eyes
I can’t help it
Now or never
Must be fastest
She’s the One
I can’t lose her
There she goes
She’s the One
Now or never
She’s the One
On her endless sashay

sexta-feira, 12 de junho de 2009

O vento

O vento carrega notícias de longe
Tão longe como o tempo
O tempo vadia languidamente era após era
A era dos feitos heróicos já finalizou
Heróis improváveis, podemos ser todos
Todos temos a nossa voz
Vozes ao alto, seremos escutados
Quem escuta ouve
Quando se ouve chegam muitas surpresas
Precisamos de surpresas como de pão
O melhor pão vem de hábeis mãos
São as mãos que fazem o Homem
O Homem urdiu os moinhos
Moinhos são movidos pelo vento
O vento carrega notícias de longe…

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Perguntei ao vento

Perguntei ao vento:
Onde é que a chuva está?
O vento ficou inquieto por um momento,
Queres saber já?
Perguntei ao vento:
Onde é que a chuva está?
Deixei-a acolá!
Apontou com um lamento.
Perguntei ao vento:
Onde é que a chuva está?
Qual é a tua pá?
Pareces um tormento!
Vou-ta mandar já!
Tanta como nunca viste!
Tudo tem o seu tempo, ouve lá
Mas que chato me saíste.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Saudades e eleições

8 de Junho de 2009, segunda-feira. Estou a cinco semanas de regressar a casa. É ainda muito tempo, mas simultaneamente prenuncia o regresso mais uma vez ansiado. Quando as saudades começam a apertar fica um nozinho na garganta que custa a engolir. Este fim-de-semana os meus putos deram-me uma grande alegria. Num concurso de instrumentistas, ambos se qualificaram para a segunda fase. A Inês em clarinete e o Xavier em violino. As notas de ambos estão bem e recomendam-se. Aí por Portugal pelos vistos o tempo é que nunca mais aquece, porque de resto é um ano de notícias que não param, embora a maioria por razões menos boas. Aqui ao contrário nunca mais arrefece. As novidades sendo menos são no mínimo curiosas, senão vejamos: Em Agosto de 2008, houve aqui um golpe de estado, com deposição do Presidente. O general golpista, que não foi reconhecido por muitos países, resolveu plebiscitar a sua posição como chefe de estado. Em Abril marcou eleições no prazo mínimo que a lei permite, 45 dias. Para poder concorrer teve que abdicar do cargo de Presidente e do de CEMGFA. Tudo muito bem. Colocou pessoas de confiança nestes cargos, curiosamente dois Pulares – etnia minoritária no país – e começou uma campanha devidamente preparada. A maioria da oposição nunca aceitou concorrer por considerar que o dito não poderia concorrer por inferir uma norma da UA a que curiosamente a Mauritânia havia ratificado em Abril de 2008 pelo presidente deposto, que dizia que quem fizer um golpe de estado não se poderá apresentar nas eleições seguintes. Também devido ao pouco tempo dado para se organizarem. Houve pressões de todo o lado. O homem não se comoveu. Três dias antes das eleições uma comissão que incluía elementos afectos ao presidente mais elementos da oposição, reunida em Dakar, acordou em adiar as eleições para 18 de Julho. Mais para este se poder candidatar havia que anular o golpe de estado. Como é que isso se podia fazer? Voltando a colocar no poder o Presidente deposto quase um ano antes, com a condição que o único acto do seu mandato seria pedir a demissão! Assim se fez. Moral da história: O tio do candidato golpista – que afinal já não é – candidatou-se também. Dir-me-ão, qual é o problema? O problema é que o tio foi quem fez o anterior golpe de estado em 2005. É também militar. Partilha os mesmos apoios. Pertence à mesma família, de facto e politica. Para além do mais é tio, né? Os oposicionistas também se vão candidatar. De repente o plebiscito já o não é. Aqui muitas pessoas apoiam quem pensam ir ganhar, desta forma poderão sentar-se à mesa da partilha. Onde é que eu já vi isto? Mas de qualquer modo aqui isto é mais verdade. A equação está muito complicada. Já não se fazem prognósticos. Em relação à meteorologia, podemos dizer que nunca mais chove. Começou cedo, a 13 de Maio, mas só repetiu a 15 do mesmo mês e daí para cá, nadinha de nada. Já vi vacas a comer os restos mortais de um burro! Comem cascas de árvores! Comem os seus próprios excrementos! A água é uma miragem. Para a obra está bem, os trabalhos avançam finalmente com um rumo próprio de quem quer acaba-la. Para a população local contudo perspectivam-se dias cada vez mais difíceis, se isso é possível. Por mais estranho que possa parecer a minha horta continua a fornecer frescos. Alface, rúcola, rabanetes, cebolas, beterrabas, beringelas, quiabos, chicória, salsa, hortelã, menta, alhos-franceses, tomates…

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Boudama, Garfa, Salem e Sol

Aterro quase concluido em Boudama, hoje já está terminado.
















Garfa, Duas vistas da ponte já com todas a vigas colocadas.



A ponte sobre o Oued Salem foi a primeira a terminar. Já se pode passar por cima.



Hoje o sol nesta região era branco, devido à quantidade de poeira no ar. Podemos então dizer que hoje foi dia de Sol Toubab!



quinta-feira, 28 de maio de 2009

"C'est si bon"

May 28th, Thursday. There are so many things to say, that there’s no words enough in the world to say it. Can’t understand how I’ve left my expectations behind. All I wanted to achieve, all my dreams… How was it possible close them for twenty years in the inaccessible bottom of my mind? Was it necessary to come in a place that’s maybe the closest thing to hell, to free your mind? To remember you, your youth goals? This place mess with your guts, that’s a fact! Remembers you that all you take for granted isn’t so. Brings feelings from deep insight, to first row. Already described it as Heaven, because makes you appreciate small things and gestures and people and actions and…
I feel alive as I didn’t for ages. Just for that, coming here was best thing I could have done. The littlest thing as a special significance. I’m relearning to taste. It’s so freaking good to feel alive. It’s like a revelation. All the space we’ve here. Even with all the limitations this society as, If you’re in the right angle, you can profit from special moments that worth all the misery, all the heat, all the dust, all the shit.
Then how come is possible to feel so dam good in such a place? Well there’s no receipt for it. You have moments that depress the happiest guy on earth, so difficult things are here. There are situations so absurd, so naïve, so démodé, that you can’t believe it’s possible in 21rst century. By other hand if you’re lucky and find true friends, doesn’t matter the differences you have, what matters is your being able to express yourself, and let go what’s in your mind, and being understood. Accepted. Respected. Listen. Like if what you say is important. If what you think matters. If what you do affects peoples’ lives.
When you realize, you discover there’s still so much to learn. To apprehend.
The human species has a mind, many times we don’t use it for what it is there. We use it to fight against windmills like D. Quixote de la Mancha. Instead of use it to make world a better place. Like great Louis Armstrong said in “What a Wonderful World” trees are green, sky is blue, I see friends shaking hands. If we used our power to make world a better place how wonderful life could be, not for one but for all.
I know my life here is very easy according to local patterns. That doesn’t make it easier for me though. And as Louis Armstrong also says “C’est Si Bon” be able to watch terrific sunsets, lovely birds, great landscapes. Talk to people that matter that cares about you. Listen to their problems. It’s so fucking great when people thank you from their harts for the road your building here. You know that you’ll be remembered for long time after you’re gone. Just hope this is the first step to bring this place forgotten by god to real world. A world that can be able to create jobs, real economy that gives this people the chance of having lives like all human being deserves.
It’s not possible this people continue without access to water for half year. Their lifestyle is not sustainable. The country is going away every time it rains. The erosion is far increased by wrong acts of people. Excess grazing is the worst. A few affordable projects could reverse situation in not many years. So could authorities understand. The power should always be executed for the good of the majority, instead of a small number…
Because of you the sun still shine…
It’s paradise…
Keep listening to Louis Armstrong, He makes me remember. Memories are a man’s best friend. I never want to lose my memories. When my daughter was born I used to dance with her every day, for months, “C’est si bon” I don’t know if it had anything to do with but she is studying music, and she’s good at it. And she still loves Louis Armstrong. Memories…

Tem os que passam

Tem os que passam, de Alice Ruiz "Tem os que passam e tudo se passa com passos já passados tem os que partem da pedra ao vidro deixam t...