segunda-feira, 26 de maio de 2008

Visita do Rodrigo

Domingo, 25 de Maio. Feriado na Mauritânia. Dia da União Africana. O Rodrigo veio passar o fim-de-semana connosco, trouxe o Freitas. Coitado, está desanimado. Os primeiros tempos aqui são lixados. Fui a Bakel na sexta, para reaprovisionamento. Eu mais o Zé Manel demos um mergulho no Rio Senegal, ele comprou peixe, que ainda estava aos saltos. Mais fresco não há. Bela jantarada, já com o Rodrigo, no nosso anexo. Apanhei um pifo. No sábado, fui mostrar a obra aos colegas de Kaédi. Ficaram malucos com a nossa montanha de brita. Não é de admirar, ainda hoje oito meses depois da primeira vez que lá me desloquei, fico admirado como a natureza pode fazer tal coisa. Um monte de brita, pronto a utilizar, é de quem primeiro pegar. Depois fomos a Bakel. O Rodrigo nem trouxe passaporte. Nem foi preciso. Deu espectáculo no Chez Marie Jeanne. Leu a sina a alguns senegaleses. Todos queriam saber o que o Toubab dizia deles. Bons momentos. Hoje depois de ver uns projectos de pontes, de manhã, cavei um pouco na minha horta. Agora tem um aspecto esplêndido. Cobertura com rede sombreadora. As couves já têm uma dimensão considerável. Começa a parecer-se com alguma coisa. O avô Pereira devia gostar de ver, que um neto, mesmo longe de casa, em condições muito desfavoráveis, consegue fazer uma horta.

domingo, 18 de maio de 2008

O Sporting ganhou a Taça

Domingo, 18 de Maio. Reunião com Mr. Niang, na MDC, em conjunto com Jamaldine e Messias. Correu muito bem. Definimos os procedimentos para o futuro. Assim dá gosto. No segundo dia de betonagem acabou o cimento. Creio que ainda virei a saber o que esta empresa quer de nós. Não acho normal, serem os trabalhadores a forçar a administração para poderem trabalhar… Falei para casa, desabafei. Estou melhor. Cedi dois javalis à Narest, vão para Mbout. O Diarra e o Diabira, falaram comigo, sobre a possibilidade de fazer o APD (estudo prévio) de uma estrada entre Gouraye e Diagili. Vamos ver o que dá. Estou a escrever no dia em que o Sporting ganhou a taça de Portugal ao FCP, por 2-0. Estou a ouvir Pink Floyd. A beber um copo de Grant’s. Estou certo que superarei esta crise, ficando mais forte para o futuro. O Xavier diz que está feio, tem mais um dente a cair. O concerto da Inês correu bem. Vão-mo mandar pela net. Tal como o ar aqui ficou mais claro depois de uns chuviscos, creio que para mim o dia estará radioso amanhã. Bem hajam.

sábado, 17 de maio de 2008

Semana estranha

Sábado, 17 de Maio. Estranha semana, esta. Estou na antecâmara de uma depressão. Ainda hoje atirei o telemóvel ao chão, partindo-o. Chatices por todo o lado, aqui na base. Não posso aturar mais o João. Quando bebe fica impossível. Na quinta chateei-me com o Mamouni, estes gajos da fiscalização, não existem, não tenho mais pachorra. Na sexta não fui a Bakel com o pessoal. Parti sozinho, à descoberta. Tinha visto no Google Earth um acidente geográfico, aqui no Guidimaka, o Massif de Mballou. Saí sem GPS e sem mapas, claro que não há estradas para lá chegar. Saí na direcção que me parecia a mais correcta, após alguns, poucos, quilómetros vi por cima das nuvens, como uma bruma, uma montanha, sobre as montanhas. Estava na direcção certa. Fiquei absorto com a beleza do local. Estou certo que as fotos não fazem justiça ao maciço. Comecei a subi-lo, após algum tempo, realizei que estava só, não tinha dito a ninguém onde ia, era a primeira vez que procurava tal local. Voltei a Selibaby, com a certeza que arranjo argumentos para explicar ao pessoal porque devemos subir o Massif. Não me enganei, fizemos um petisco em casa, e toda a gente ficou contagiada com a minha explicação, querem ver com os seus olhos, aquilo que conheceram pelas minhas palavras. Hoje acordei bem disposto, finalmente começou o betão. Quando ficou claro que ia mesmo começar, fiquei satisfeito, lembrei-me de El Houari, partiu à duas semanas não chegando a ver o fruto do seu trabalho. Quando sem explicação atirei o telemóvel ao chão, senti-me mal. Algo está mal dentro de mim. A ausência de casa e da família, por vezes, nota-se da pior maneira. Falta-nos o equilíbrio. Tenho que voltar ao estado tranquilo ocupado nos últimos tempos. Por vezes não me compreendo. É como um outro eu, que por vezes se revolta, como querendo destruir aquilo que tanto trabalho me deu a preparar. Estou com saudades de casa. Estou só. Mesmo quando como agora, tenho gente a rodear-me que me trata bem, com respeito, e com amizade. Melhores dias virão.

Massif de Mballou




Troca das sextas com domingos

Domingo, 11 de Maio. Esta história de folgar às sextas e trabalhar aos sábados e domingos, faz-me perder completamente a noção do dia em que me encontro. Normalmente, só dou por isso ao ver a televisão. Estamos quase, quase a começar o betão. Espero que seja para não parar. A logística funciona mal, para ajudar à desgraça perdemos dois engenheiros, o mecânico e o das obras de arte, o Carlos Silva e o Houari. Vamos ver se serão bem substituídos. Estamos em contra-relógio devido à iminente chegada da chuva, se a dita adiantar a vinda, teremos problemas. Gastronomicamente continuo a surpreender-me, ontem comi lapas, vindas da Madeira e preparadas por mim. Estavam um espectáculo. Em Abril tinha comido ostras, vindas de Marrocos. Já comi mais javali, aqui, que em toda a minha vida. Agora tenho saudades de uma pizza, tenho que falar nisso à Joni. O Haiba está com paludismo, relembra-nos os cuidados a ter, a nunca baixar a guarda. O relógio biológico começa a adaptar-se a África. As coisas aqui não são para fazer, são para ir fazendo. E o melhor é não forçar, pois caso contrário é difícil manter a sanidade mental. “Doucement”, “Aprés” e “pas de problem” são as palavras preferidas por aqui. Mas tudo bem. Dá para pôr ordem nas ideias. Hoje acaba o campeonato de futebol, parti para aqui na altura da 1ª jornada. Vamos ver se o Sporting não estraga tudo no último jogo.

sábado, 10 de maio de 2008

Encontro dos Pereiras

Sábado, 10 de Maio. Afinal a festa dos Pereiras é hoje. Em casa da Tia Elisa. Não estou lá fisicamente mas espiritualmente, sim, sem dúvida. Na vida o que conta são as emoções, os sentimentos, a capacidade de apreciar o que nos rodeia e quem caminha connosco, neste caminho da vida. Sinto que algo mudou em mim. Talvez a vastidão de África tenha algo a ver…
A Mauritânia é vasta, cerca de 11 vezes o tamanho de Portugal. É também pouco povoada, cerca de 3 milhões de pessoas. As distâncias são enormes. A liberdade que gozamos aqui, num aparente paradoxo, num país islâmico e forte aparato policial, permite-nos sensações contraditórias, desde que estejamos com espírito aberto para receber impulsos, experiências inesquecíveis. É certo que o primeiro impacto é brutal, esmaga-nos, muitos desistem logo. Outros refugiam-se em vícios, novos ou pré-existentes. Quem suportar tudo isso, tem um caminho inolvidável a percorrer aqui. Vejamos, estamos num extremo do país, aqui os mouros não são maioritários. Estamos em terra Soninke. Há no entanto Pulares e Wolofs, mais gente de muitos outros países africanos, na sua demanda para norte, para a Europa. A confusão linguística é enorme. A variedade genética é tão grande que os tipos de pessoas quase não se repetem. A temporada seca vai longa. Para muitas pessoas o dia é passado em busca de água, para elas e para o seu precioso gado. Agora compreendo a felicidade, já por mim testemunhada, irradiada por todos, aquando da chuva. Vamos fazendo amigos. Já posso ir a muitas povoações, de três países, Mauritânia, Mali e Senegal, e ser reconhecido e cumprimentado por muitas pessoas. Aqui sou um Toubab. O que me dá também responsabilidades acrescidas. Embora longe daqueles que amo, mesmo a trabalhar seis dias por semana, de sol a sol, ainda sobra tempo para encher os sentidos. São cores, cheiros, sons. São pessoas, animais, plantas. É o vento, o pó, a chuva. E é a música. Estou constantemente a ouvir música. A tecnologia facilita muito as coisas, tenho internet móvel, electricidade sem estar ligado à rede eléctrica. Temos toda a água que queremos. A nossa horta é regada duas ou três vezes ao dia. Vejo a TV portuguesa. Leio os jornais portugueses. Ouço a rádio portuguesa. “This is a beautiful world”.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Inicio dos trabalhos no Radier



De regresso

5ª Feira, 8 de Maio. É quase meia-noite. Cheguei do casamento do Sy. Fui eu que transportei a noiva. Atravessámos a cidade a buzinar e com as mulheres aos gritos de alegria. A festa segue animada. Volto a escrever após cinco meses… É estranho ter-me ausentado precisamente quando consegui um equilíbrio espiritual. Desde Janeiro, que me sinto feliz, estou a atravessar uma fase engraçada da minha existência. Desde a última vez que escrevi, os portugueses em Selibaby, passaram de 7 para 25. A nossa casa está a ficar engraçada. Tenho uma horta, que muito contribuiu para a paz que sinto. Já demos dois passeios de barco no rio Senegal, o último, no 1º Maio, desde Diagili a Tafasirga, no Mali, foi espectacular. Parámos numa praia e fomos todos nadar no rio. Fui a Casa na Páscoa, demos um salto a Paris, fomos ao museu Guggenheim, em Bilbau, ao Futuroscope, em Poitiers. De regresso passei mais de duas semanas em Kaédi, e compreendi que gosto mais de estar em Selibaby. Os nossos problemas começam a ser engraçados. Um mesmo giro é estarmos a precisar de uma arca frigorifica para guardar facocheros… Não há fome que não dê em fartura. Outra engraçada, depois de ter sido guia turístico por volta dos vinte anos, nunca esperei vir para a Mauritânia organizar passeios de barco pelo rio Senegal. A temperatura varia entre o tórrido e o escaldante. Entre 40 e 50. A água fria … queima. Ah, temos uma piscina. Não consigo exprimir a sensação de após um dia de trabalho, dar um mergulho e sair da água, com uma sensação de … frio. Quando estão mais de 40 graus e toda a gente está a transpirar. Tenho estado pouco com os meus amigos americanos, ou sou eu ou são eles que estão ausentes. A maioria do “Selibaby gang” parte definitivamente em Julho. Na vida o movimento é constante, a partida e chegada, acontecem todos os dias. Há sempre algo de novo. A chuva chegará em breve. Espero que não tarde, pois não consigo compreender como esta gente viverá se a água tardar. Faço já planos para futuros passeios, o parque nacional da ilha de Arguim, não sai da minha cabeça. O director é português, o parque é um dos grandes santuários de aves. Ainda vamos um dia até à Guiné. A AFA ficou bem posicionada no concurso para a construção da estrada Mbout – Selibaby, vamos ver o que isto vai dar. Ao reler o que escrevi, vejo que estou a saltitar de assunto em assunto, mas a ausência foi grande. Para a semana é o encontro anual dos Pereiras e eu aqui. No meu regresso no 1 de Abril, ninguém me esperava em Dakar, após muitos telefonemas e confusões, cheguei ao Senegal, às 2h30m da manhã, aluguei um táxi pelas 11h30m, cheguei a Bakel à uma da manhã, o hotel estava fechado e não me responderam quando chamei. No Chez Marie Jeanne, idem. Fiz então algo que para mim foi novidade, dormi na rua, junto ao rio, na fronteira. Amanhã é dia de Bakel e está a ficar tarde, continuo depois, não posso voltar a ausentar-me por tanto tempo.

Ano Novo

2ª Feira, 17 de Dezembro. Um salto à obra para fazer o acerto da medição até ao dia de hoje. Pelas 10 horas, já tinha enviado o email com a produção para o Jamaldine e para o Jorge Ferreira. O Zé Manuel está a acabar a camada, pelas 12 horas manda tudo parar. Amanhã saímos daqui. Agora que se aproxima a hora, o tempo custa a passar. Hoje completo 121 dias na Mauritânia.
3ª Feira, 18 de Dezembro. Saímos de Selibaby pelas 7h30m, Paramos em Kaédi para almoçar, e eu para receber o meu bubu e o cafetão do Xavier. Revejo a malta da Tâmega, há já dois meses que não os via. Chegamos a Nouakchott pelas 18 horas, a alteração da cidade é imensa, agora há carros de recolha de lixo. O trânsito é caótico e imenso. No escritório recebemos os bilhetes. Fomos pôr a bagagem ao hotel. Saímos para beber uma cerveja. Depois fomos jantar ao “Al Andaluz”, restaurante espanhol, onde ficámos todos de boca aberta a ver as flores, compreendi que há 4 meses não via flores… Junto à entrada havia um arbusto engraçado, com um aroma muito vivo, alguns clientes chegavam mesmo a cortar alguns ramos para levar, era cannabis. Depois de um belo jantar, com entrada de melão e presunto, mais uma salada de polvo, de dourada grelhada, regada por um belo vinho tinto de Rioja, bebemos um uisquinho. Comecei a sentir-me mal, não saí com o pessoal, fiquei no hotel.
4ª Feira, 19 de Dezembro. O nosso avião saiu com 4 horas de atraso, mas como iríamos ficar bastante tempo em Dakar, não houve problema. Ainda deu para conhecermos uma portuguesa que vive em Nouakchott e é pintora.
5ª Feira, 20 de Dezembro. Pelas 7h20m, o avião da TAP toca no solo em Lisboa. Está muito frio, chove. Finalmente pelas 9 e meia chego a casa. O Xavier e a Inês abrem-me a porta. Férias!
5ª Feira, 3 de Janeiro. Novamente na Portela, para apanhar o avião TAP para Dakar. Trouxe duas malas tão cheias, que não passam no chek-in. Valeu o Arlindo, passei-lhe parte do peso. O problema foi em Dakar, pois a viagem de Dakar para Nouakchott, era pela Air Senegal e aí, só podia levar 25 kg e eu tinha 60… Despachei uma mala pelo Arlindo, pedindo-lhe para ma levar a Bakel, levei a outra.
6ª Feira, 4 de Janeiro. Após quase vinte horas em Dakar, onde fui molhar os pés à praia, fomos surpreendidos com o aviso de última chamada para o voo de Nouakchott, porque este ocorreu uma hora antes do previsto…
Sábado, 5 de Janeiro. Saí com o Baltazar pelas 7 horas da manhã. Viemos na Isuzu. Anda que se farta. Chegámos a Selibaby pelas 16h30m. Só cá estavam o Houari, o Jamaldine e o Hassane, que nos fizeram uma grande festa. Descobri que a internet não funciona, não foi paga…
Domingo, 6 de Janeiro. Dia de trabalho normal, agora é assim. Marquei logo uma grande extensão, na zona do Oed ao 10+500 e em Jedida, onde os gajos me arrancaram dois km de estacas… Assim não dá. Telefonei a dar os parabéns à Augusta.
2ª Feira, 7 de Janeiro. Tive que voltar a Jedida, para voltar a pôr de pé as estacas de ontem e marcar até ao 14+750. Chegaram o Zé Manuel e o Luís, mais o João.
3ª Feira, 8 de Janeiro. De volta a Jedida, mais uma vez voltar a marcar o mesmo da véspera, ia-me passando. Fartei-me de ralhar. O Zé Manuel foi falar com a polícia.
4ª Feira, 9 de Janeiro. Mais uma vez em Jedida, para o mesmo. Marquei também cotas desde o 9+500 ao 10+425. Só ao meio dia soube que era feriado. Dia de ano novo para os muçulmanos. Ninguém disse nada, “raios partam”. A estrada de Tambacounda para Bakel está boa e é asfaltada. O Arlindo pode vir trazer a minha mala.
5ª Feira, 10 de Janeiro. O mesmo em Jedida.

Tem os que passam

Tem os que passam, de Alice Ruiz "Tem os que passam e tudo se passa com passos já passados tem os que partem da pedra ao vidro deixam t...