sábado, 21 de março de 2009

Saudades

20 de Março de 2009, sexta-feira. Faltam só três dias para viajar para Portugal. Desta vez, estou mesmo a precisar de sair daqui. Para manter a sanidade mental preciso sair daqui. Pese todo o espaço que temos aqui, o sentimento de claustrofobia a pouco e pouco, acaba por tomar conta de nós. As nossas alternativas são muito poucas. A vida aqui resume-se a trabalho e conversas entre nós. Mesmo as idas a Bakel, começaram a perder interesse há já algum tempo. O facto de pararmos apenas um dia por semana restringe as nossas possibilidades de ir a algum lado, pois as distâncias são enormes, e os caminhos são maus. Não é uma questão de me estar sempre a queixar, apenas preciso sair daqui por algum tempo, para recarregar as baterias. O período que se avizinha, Abril e Maio, promete ser duro, até para um veterano. Trabalhar ao ar livre com temperaturas na casa dos 50 graus, desgasta muito. Até dói só de pensar no que aí vem. O nosso projecto avança… devagarinho. A horta vai indo. O cão não pára de crescer. Mas de acordo com a minha teoria do paraíso, preciso de ir passar algum tempo, a casa para dar valor ao que lá tenho. Apreciar cada dia como se fosse o último. Ver o pessoal, embora as noticias recebidas, dêem como estando bem, é sempre diferente estar lá. As saudades são assim, quando batem, batem forte.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Danço bem ou não?

Paraíso é na Mauritânia

13 de Março de 2009, sexta-feira. Completei ontem 44 anos. Pela segunda vez aniversariei em terras mauritanas. Pelo caminho que isto leva, daqui por um ano a estrada ainda não estará pronta. Não sei se estarei aqui ou não porque não sou bruxo. Se alguma coisa aprendi esta semana, foi que nunca devemos ter nada por garantido. Fazer planos é bom, mas a vida altera-nos as voltas quando menos esperamos. Quando me dirigia a Garfa – Local onde estamos a fazer uma ponte, a cerca de 75 km da base – fui pensando na vida, e em tudo o que se tem passado, aqui e fora daqui. Formulei então uma teoria. Apresento primeiro os argumentos e depois a teoria. Então é assim:
- Quando temos tudo o que necessitamos - materialmente - abandonamos o nosso espírito crítico, perdemos capacidade inventiva, perdemos capacidade de lutar por um amanhã melhor. Perdemos mesmo o amor próprio, deixamos acontecer coisas aos outros, só porque não queremos pensar muito. A nossa felicidade passa a ser quase inatingível.
- Quando vivemos num local em que temos de usar uma máscara para respirar, devido à quantidade de pó presente no ar, é que pensamos na sorte de na nossa terra isso não ser assim.
- Quando vemos pessoas que se dedicam a ir buscar água, por vezes a vários quilómetros de distância, durante 8 ou 9 meses por ano, é que pensamos na sorte de na nossa terra termos água canalizada nas nossas casas.
- Quando vemos cidades sem luz eléctrica, em pleno séc. XXI, é que pensamos que na nossa terra desde o tempo dos nossos avós que tal existe.
- Quando vivemos numa cidade, capital de província, que dista 240 km do pedaço de asfalto mais próximo. Onde uma viagem pode durar 4 horas ou 15 dias, dependendo da altura do ano, é que pensamos nos acessos que temos na nossa terra.
- Quando vivemos estas situações e muitas outras, agradecemos a sorte de ter nascido na parte certa do planeta.
- Passamos a viver cada momento com um gosto muito especial.
- Ver uma flor passa a ser um motivo de alegria incontida.
- Ter amigos que te dão um gelado pelo teu aniversário, assume um lugar de destaque no capitulo das tuas memórias.
- Em resumo. O paraíso tal qual é entendido, de lugar de felicidade eterna. Faz-me recordar que a sociedade ocidental, terá mais ou menos atingido esse desiderato. Com todas as consequências que conhecemos. Quebra de natalidade. Desinteresse pelo associativismo. Alcoolismo. Droga. Perca de referências por parte dos jovens, que se vêm abandonados pelos pais, preocupados em arranjar dinheiro, para pagar o empréstimo. Falta de motivação para lutar.

TEORIA – Vivo actualmente num local onde aprendi o gozo que me dá ter um cão e poder brincar com ele todos os dias. Onde me voltei a dedicar a ter uma horta onde produzo todos os frescos que necessito. Onde aprendi que a amizade não é uma palavra vã. Onde o simples facto de cumprimentar alguém, que não conhecemos, na rua, é apreciado e retribuído. Onde a dificuldade é tanta, que agradecemos cada dia que passa, por conseguirmos levar por diante o que nos propomos. Em suma. A MAURITÂNIA É O PARAÍSO. O paraíso não é ter tudo. O paraíso é apreciar tudo.
E esta, em! Até eu fiquei admirado onde o meu raciocínio me levou. Mas conclui o dia com um sorriso nos lábios e apreciei cada fatia do meu bolo de aniversário. Cada colher de gelado. E cada sorriso. Nem liguei ao facto de me chamarem “velhote”.

Tem os que passam

Tem os que passam, de Alice Ruiz "Tem os que passam e tudo se passa com passos já passados tem os que partem da pedra ao vidro deixam t...