terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Palavras


Voltou diferente. Ninguém percebia isso. Como explicar um horizonte sem fim. Decerto lhe desconsiderariam se lhes falasse do inebriante cheiro depois da chuvada. Seguramente de louco não passaria se tentasse colocar em palavras a sensação de tranquilidade que a vista daquele rio lhe transmitia, como se a casa retornasse. Isso era o mais estranho, como se pode viajar meio mundo e sentir que se está de volta a casa, como o filho pródigo. A vontade de gritar aos quatro ventos que a sua alma estava em casa, a milhares de quilómetros. O reconhecer aquilo que nunca se viu, como um bebé que dá os primeiros passos, dava-lhe vontade de rir. Como explicar o prazer de reconhecer um cajueiro à primeira vista sem qualquer referência anterior. As palavras são a maior invenção do homem, mas ainda assim vivências inexplicáveis não são fáceis de contar por palavras. Talvez o problema não seja destas, mas dos ouvidos que (des)ouvem, numa época que perdemos o contacto com o que nos rodeia. Com toda a certeza o maior erro do homem é a falta de respeito pela natureza, que se traduz nas agressões que diariamente lhe infligimos. Curiosamente essa mesma falta de respeito inibe-nos de usufruir do que está à nossa volta. Um mea culpa e um regresso à vida sustentável são desejáveis e quanto mais cedo chegarem melhor.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Cachoeiras


A noite passou urgente. O céu clareou enxuto de nuvens prometendo calorias. Pela primeira vez ia sair. Conhecer chão. O grupo cumpriu horário. Asfalto negro esperava-nos. Verdes horizontes prometiam vistas. Breve passámos Kiamanfulo e a Terra Nova. O desconhecido abria as portas. Munenga convidava um ida a Calulo, outro dia seria, desta vez o destino era outro. Poucas Aldeias, esparsas. Capim bué alto. Depois das montanhosas terras de beira-kwanza, chão fértil alberga modernas fazendas agrícolas. Próximo destino a Quibala. Viragem à direita direção Gabela. Cada vez mais aldeias, maiores, mais juntas, fazendas tipo “Dallas”. Serra da Gabela, tudo cultivado. Bonito chão vermelho. Muito milho. Um arbusto belo chama a atenção. Vendas, beirando a estrada. Descemos para as salinas. A cor muda. Ocre. Cactos. Espinhosas. Cachoeiras. Ruidosas. Uma ponte onde as cinco quinas ainda teimam. O tramo central partiu faz tempo. Foi a loucura da guerra. Água. Muita água. Lança-se intrépida cachoeira abaixo. O vapor refresca as quenturas do sol. Um verdejante palmeiral bordeja tranquilo rio no remanso do percurso final atá ao mar oceano. Um belo restaurante, prometendo frescuras. Vistas deslumbrantes. Passamos primeiro a pé, na ponte esventrada, depois de carro na vizinha nova. Placa antiga, “Parque das Cachoeiras”, um ancião pede para assinarmos o livro das visitas, onde podemos testemunhar nomes familiares. Nomes estranhos. Nomes prováveis. Nomes exóticos. Risos. Frondosas árvores continuam a testemunhar a alegria das crianças a banhar-se em quentes águas. Tranquilas águas, depois do inebriante descenso. Dezenas de indianos. Não deixou de nos surpreender. No regresso à verdejante e fresca Serra da Gabela, tempo de provar in-situ o melhor ananás de Angola, segundo dizem. Não conheço outro, se não é o melhor, não interessa, superou as expectativas. Papaias, abacates, maracujás, fruta pinha, cana de açúcar. Além de bananas diversas, batata doce e tantas outras cores. Seguimos, voltámos a ver o arbusto desconhecido. Fazenda espectacular. Casario de sonho. Instituto Nacional do Café. O mistério resolveu-se. O tal arbusto é o cafezeiro. Na Quibala, cometi um sacrilégio, entrei na Casa do Benfica. É verdade. Bebi lá uma Sagres e comi um prego no pão. Não sou perfeito. Eu sei. Tem um mapa desenhado na parede, desde Luanda a Benguela, maravilha, os nomes das cidades, Nova Lisboa, Novo Redondo...

Tem os que passam

Tem os que passam, de Alice Ruiz "Tem os que passam e tudo se passa com passos já passados tem os que partem da pedra ao vidro deixam t...