sábado, 27 de abril de 2013

Labirintos


As paredes brancas e ásperas pareciam convidar a coçar as costas, qual heliânfora a atrair os insectos com seu aroma de podridão. Caminhava sob um sol inclemente havia horas, sem nenhum lamento, sem nenhum queixume. Só conseguia pensar em paredes brancas e ásperas. Não que tivesse algum fetiche por elas, ou assim o cria, pelo menos. Não se via vivalma. O silêncio opressivo sobressaía por entre pequenos montes. Não entendia como tinha chegado ali. Não conseguia organizar os pensamentos, paredes brancas e ásperas, eram tudo o que formulava e continuava a caminhar. A sombra tinha-lhe sido roubada, mas nem isso parecia causar-lhe mossa. Visto de alheios olhares, não deixava de ser um quadro insólito, um caminhante, sob um sol inclemente, apenas focado em paredes brancas e ásperas, que não fazia sombra sob os seus pés, que se moviam incansavelmente. Diziam que não era digno de possuir nada, daí terem ficado com a sua sombra. Vivia uma não existência, não lhe era permitido parar em solo de outrem. Por isso caminhava sempre. Outros tempos experimentara, no que parecia um sonho impossível, em que se julgara dono do destino, tal a confiança que emanava. Fora feliz. Viajara imenso, talvez por isso a caminhada incessante. Gostara de observar os horizontes, que mudavam à medida que viajava, agora ao caminhar mudavam menos que antes, mas sempre mudavam. Era a única coisa que mudava na sua vida despojada, o horizonte, não que reparasse nisso, pois para além de caminhar sob um sol inclemente, apenas pensava em paredes brancas e ásperas. Poderá dizer-se que a responsabilidade tinha sido completamente sua. Dera tudo como garantido. Permitira que os abutres e as hienas, não só chegassem ao cume, como aí se mantivessem o tempo suficiente para sorrateiramente, tudo lhe surripiarem, no início até parecia que fazia sentido. Quando tomou consciência do que se passava à sua volta era tarde, até a sombra lhe tomaram.

Se podia ter sido de outro modo? Claro. Mesmo uma recta tem dois sentidos. A alternativa é um imperativo. Nada mais importante que usar o que temos de mais importante, a nossa capacidade cognitiva, para formular as questões e decidir o rumo a seguir. Não tinha sido assim. Acreditara que o empobrecimento até fazia sentido, aquele discurso, naquela voz de barítono, sugou-lhe a vontade. Deixou-se ir. Foi despindo os anseios, as esperanças e até a própria sombra. Tornara-se um caminhante incansável, sob um sol inclemente, focado em paredes brancas e ásperas.

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