As paredes brancas e ásperas
pareciam convidar a coçar as costas, qual heliânfora a atrair os insectos com
seu aroma de podridão. Caminhava sob um sol inclemente havia horas, sem nenhum
lamento, sem nenhum queixume. Só conseguia pensar em paredes brancas e ásperas.
Não que tivesse algum fetiche por elas, ou assim o cria, pelo menos. Não se via
vivalma. O silêncio opressivo sobressaía por entre pequenos montes. Não
entendia como tinha chegado ali. Não conseguia organizar os pensamentos,
paredes brancas e ásperas, eram tudo o que formulava e continuava a caminhar. A
sombra tinha-lhe sido roubada, mas nem isso parecia causar-lhe mossa. Visto de
alheios olhares, não deixava de ser um quadro insólito, um caminhante, sob um
sol inclemente, apenas focado em paredes brancas e ásperas, que não fazia
sombra sob os seus pés, que se moviam incansavelmente. Diziam que não era digno
de possuir nada, daí terem ficado com a sua sombra. Vivia uma não existência,
não lhe era permitido parar em solo de outrem. Por isso caminhava sempre.
Outros tempos experimentara, no que parecia um sonho impossível, em que se
julgara dono do destino, tal a confiança que emanava. Fora feliz. Viajara
imenso, talvez por isso a caminhada incessante. Gostara de observar os
horizontes, que mudavam à medida que viajava, agora ao caminhar mudavam menos
que antes, mas sempre mudavam. Era a única coisa que mudava na sua vida
despojada, o horizonte, não que reparasse nisso, pois para além de caminhar sob
um sol inclemente, apenas pensava em paredes brancas e ásperas. Poderá dizer-se
que a responsabilidade tinha sido completamente sua. Dera tudo como garantido.
Permitira que os abutres e as hienas, não só chegassem ao cume, como aí se
mantivessem o tempo suficiente para sorrateiramente, tudo lhe surripiarem, no
início até parecia que fazia sentido. Quando tomou consciência do que se passava
à sua volta era tarde, até a sombra lhe tomaram.
Se podia ter sido de outro modo?
Claro. Mesmo uma recta tem dois sentidos. A alternativa é um imperativo. Nada
mais importante que usar o que temos de mais importante, a nossa capacidade
cognitiva, para formular as questões e decidir o rumo a seguir. Não tinha sido
assim. Acreditara que o empobrecimento até fazia sentido, aquele discurso,
naquela voz de barítono, sugou-lhe a vontade. Deixou-se ir. Foi despindo os
anseios, as esperanças e até a própria sombra. Tornara-se um caminhante
incansável, sob um sol inclemente, focado em paredes brancas e ásperas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário