segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Diferença

30 de Novembro de 2009, Segunda-feira. Passado o período de festividades, voltámos (voltaram) hoje ao trabalho. Folgámos (folgaram) quatro dias. Juntou-se o Tabaski ou festa do carneiro ao dia da independência da Mauritânia. Este país festejou 49 anos de soberania. Gosto da forma, como por aqui se colocam os problemas. Reparemos nesta pérola, “A Mauritânia é uma país 100% muçulmano”. Aliás até a denominação o refere “República Islâmica da Mauritânia”. Se não fores muçulmano serás apenas tolerado, ou nem por isso. Isto a propósito do ignóbil ataque perpetrado ontem a um comboio humanitário de uma ONG espanhola, cujos membros dedicaram os seus melhores esforços a reunir bens para vir distribuir a mauritanos necessitados. Mais, vieram pessoalmente distribuir esses bens. Resultado, foram três deles raptados. Existirá alguma justificação plausível para atacar quem vem por bem? Existirá algum deus que deixe que em seu nome se torpedeiem aqueles que deixam as comodidades de lado e resolvem ajudar quem precisa? Quem ganhará com atitudes como esta? Não esqueçamos que a capital mais perto de Lisboa não é Madrid, mas sim Rabat! Para quem não saiba. Não pensem que isto só acontece aos outros. Não olvidem que o mundo não acaba na União Europeia. Uma das principais causas, a meu ver, para esta e outras ocorrências, advém do desconhecimento. Apenas a ignorância lucra com actos como este. Devemos tentar abrir primeiro a mente dos “nossos” e depois dos outros. O que dizer do referendo suíço que proíbe a construção de minaretes nas mesquitas suíças? É assim que os europeus demonstram o que aprenderam com a história? É assim que criticamos os que não aceitam a diferença? Não gosto de slogans, de cassetes nem de ideias feitas. No entanto há um que adoro. Pena é que não tenha frutificado. Que não seja seguido. “TODOS DIFERENTES, TODOS IGUAIS”. Deste penso que podia ser um seguidor. Eu que não acredito em seguidismos… Será que não enxergamos que a diferença é uma bênção? Diferença entre culturas, religiões, cores, sexos… Se existe algo a que eu dê o meu “Bem haja” é à diferença!!!!!

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Finalmentes ...

24 de Novembro de 2009, terça-feira. Começámos de facto a pavimentação. Fizemos dois troços experimentais. Tudo correu de feição. Agora é só continuar. Portugal venceu, muito bem, a Bósnia e está apurado para a África do Sul. Tudo está bem quando acaba bem. A minha filhota já consegue “caminhar” com canadianas. Vamos entrar agora no período de festividades. Não as que possam pensar, mas no Tabaski. Para os muçulmanos, uma das quatro festas religiosas anuais. Equivalerá ao nosso natal, em termos de importância para os crentes. Significa que durante uns dias a velocidade dos trabalhos vai reduzir-se sensivelmente ou mesmo parar. Estou mesmo a entrar na recta final…

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Já fomos assim...

18 de Novembro de 2009, quarta-feira. Amanhã vamos começar a colocar betume na estrada. Se ainda falta muito trabalho para a terminar, pelo menos vamos começar a pintá-la de preto. O fim parece mais próximo. Começámos a escavar a última ponte. Parece então que iremos terminar aquilo que aqui nos trouxe. Embora pelas minhas contas isto não termine antes da Páscoa. Esta noite Portugal joga o tudo ou nada com a Bósnia-herzegovina, de apuramento para o mundial da África do Sul. Uma vez que escrevo antes, não faço ideia do que se irá passar, estou algo descrente. Espero estar enganado. Que possamos celebrar. Em caso afirmativo será das poucas alegrias que o ser português me dará em 2009. A minha filhota partiu um pé numa aula de ginástica englobada no desporto escolar. Foi completamente abandonada por TRÊS, sim TRÊS, professoras (?) que evidentemente tinham mais o que fazer. Assim não ganham apoiantes para a sua causa! Os momentos em que sobressaem os audazes, aqueles que nos dão orgulho, esperam, nalguns casos toda uma vida. Quando chegam a esmagadora maioria não está atenta e desperdiça. Conseguem passar toda uma vida de mediocridade! O “antes rei por um dia, que príncipe toda a vida” não se aplica à generalidade dos portugueses, infelizmente. Já fomos assim…

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Sexta-feira 13!

13 de Novembro de 2009, sexta-feira. Sexta-feira 13. Dia conotado com o azar. Não sei se alguém sofreu de facto algum azar grande numa sexta-feira 13. Mas lá que tem má fama, lá isso tem. É de facto interessante verificar que quando realmente acreditamos em algo, é realmente possível que esse facto interfira com a nossa existência. Muito do que interfere com o nosso organismo e com a nossa vida ocorre num nível cerebral. É de facto mais susceptível de acontecer algum milagre, por interferência de algum santo, a alguém católico que a outrem que nunca ouviu falar em santos nem em milagres. É possível a um feiticeiro, ou curandeiro, ou doutor-tradicional, curar pessoas com maleitas não tratadas por médicos, desde que essas pessoas acreditem no poder (mágico) destes curandeiros. É engraçado verificar que após todos estes séculos de evolução continuamos reféns de supostos intermediários com o além, o paraíso ou que lhe quiserem chamar. E o que é mais fantástico é que a razão que levou ao aparecimento de tais crenças é a mesma que continua a levar uma grande proporção de pessoas a aceitar submeter-se a outrem com tais panegíricos. Desde o inicio que achamos que somos diferentes das outras criaturas deste planeta. Somos especiais. Logo terá que haver uma razão para tal. Essa razão é que somos protegidos de Deus. Somos uma cópia exacta. Se nos portarmos na linha teremos um prémio. Ascenderemos ao paraíso. Não conseguimos aceitar que somos parte dum todo. Somos apenas mais uma variação com que a vida brindou este planeta. Temos que nos achar especiais. Criámos então um deus à nossa imagem e semelhança. Eu sei que é perigoso dizer isto. Porque os guardiões da fé não acham piada nenhuma a alguém que lhes descobriu a careca. A alguém que lhes pode fazer perder os laudatórios. Os privilégios. Enquanto a pregação é acerca do amor, da bondade e da submissão. A prática é a repressão. O degredo. Em casos extremos a eliminação. A maioria das pessoas tem vidas de tal modo tristes e sem sentido, que tem forçosamente de encontrar um sentido para a vida. Esse sentido é a entrada no paraíso, desde que se portem na linha cá em baixo. Acham isto normal? Sejam pobres, humildes, servos, que depois serão recompensados. DEPOIS. Quem diz isto, retruca, depois de confrontado com a vida de privilégios que leva, com frases do tipo, faz o que eu digo, não o que eu faço, que eu sou pecador e a carne é fraca. Ou seja só o rebanho é que se submete. Peço muita desculpa mas não sou ovelha!

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Foum Gleita

6 de Novembro de 2009, sexta-feira. Estas últimas vinte e quatro horas permitiram-me saber várias coisas que talvez já soubesse mas pelo menos ficaram mais explícitas. Primeiro não sou caçador e penso que nunca virei a sê-lo. Desde que cheguei aqui ando sempre com três telemóveis, dois mauritanos e o meu português, penso que até hoje nunca tinha ficado sem bateria nos três. Desta vez fiquei e deixei gente preocupada. Guida desculpa! Não consigo fazer o tempo andar para trás. Tenho, no entanto os três telemóveis à carga neste momento. O que é que se passou? Muito bem, aqui vai. Há bastante tempo que tinha curiosidade em saber o que move tantas pessoas a deixar o conforto e sair pelos campos à caça. Tratei de tudo e ontem à tarde fui buscar o guia e partimos os dois para a zona de Foum Gleita. De notar que o Cheikh (lê-se chérr) só fala hassanya. Daqui a Foum Gleita são uns 150 km. Mantivemos um diálogo impecável. Quando saímos da “estrada” ele caçou logo uma lebre. Pensei isto começou bem! Quando chegámos A uma aldeia que tem um nome que eu, embora o tivesse perguntado umas dez vezes não consigo escrever. Aí procurámos o “capitaine”, responsável militar pela caça na zona. Na casa deste completamente às escuras, entretive-me a apreciar a via láctea, imensa e espectacular, num céu nocturno maravilhoso, quase esquecido na nossa terra, devido à iluminação nocturna. O Cheikh, veio de lá com a autorização, por escrito, de caça. Isto, repito numa aldeia sem luz eléctrica e já completamente escuro. Aqui tive a notícia que o Sporting empatara 1-1. Também aqui liguei para casa a informar das minhas actividades. Fomos a outra aldeia onde jantámos, algo que não sei o que era. Estava completamente escuro e à moda daqui come tudo do mesmo recipiente, claro que cada qual usa a sua mãozinha. Sei que tinha cuscuz, não pelo que vi, mas pelo gosto. Continuámos, passámos noutra aldeia, que consegui perceber era a do Samba. Andámos em zonas de vegetação, que tem tanto a ver com a mauritana, como eu. Vegetação frondosa. Canais de irrigação por todo o lado. Arrozais. Aldeias. Muitas. Chegámos a um posto militar, junto da barragem. Mais uma vez o Cheikh, recebido como filho da terra. Ele foi militar, está na reforma, e serviu nesta zona, todos o reconheciam. Grandes festas. E javalis? Nada. Resolvemos atravessar o Col de Wa-Wa para o lado do lago. Ao passar no alto, surgiu uma imagem inesquecível. A lua a nascer sobre as águas. Enorme. Espelhava como se contivesse toda a prata do mundo. Descemos. Dirigimo-nos à água. Parei para tirar fotos. Noite incrível. Resolvi aproximar-me mais um pouco. Tirei a última foto, com a minha máquina não se deve ver nada. Entrei no carro e percebi que tínhamos um problema. Só por estar parado afundou. A margem parecia uma praia. Areal. Ondas, é verdade, esta albufeira é tão grande que tem ondas. Só que isto é uma barragem. O nível das águas começou a baixar. Estava parado numa zona que parecia areia. Mas não era. Por baixo da areia (5 cm) existia um limo completamente saturado. Às dez horas da noite de 5 de Novembro, comecei a escavar por baixo da carrinha. Expliquei numa chamada para casa a situação, que não era grave, apenas chata e a prometer muito tempo para resolver. Lá pela meia-noite, última chamada de casa, “vai dormir que eu tenho a noite feita” À uma da madrugada, desistimos de escavar, já com a ajuda do Abdelaye, pescador que vivia ali, grande amigo do Cheikh. Fomos a pé junto do posto militar, onde estavam todos, incluindo as sentinelas a prestar contas noutro mundo. Passámos o Wa-Wa a pé. É espectacular, a lua nesta altura já ofuscava as pequenas estrelas. A resposta dada, após insistência e muitos salam alekums, foi que amanhã, alguém lá iria ajudar. Voltámos ao carro. Eu dormi no carro. O Cheikh pediu um tapete ao Abdelaye e dormiu em cima dele coberto com o seu bubu. Hoje assisti a um nascer do sol espectacular, sobre as águas de Foum Gleita. Enquanto o Cheikh se dirigiu novamente junto da prometida ajuda eu fiquei junto do carro. Para não ficar pardo tirei mais umas quantas pazadas de areia debaixo da carrinha. Chegaram. Uns seis. Mais uma carrinha. O condutor ao ver um toubab naquela situação, começou a exigir dinheiro, embora não tenha achado piada nenhuma disse que sim, evidentemente depois de baixar a exigência para metade. Mesmo com pessoal a empurrar, uma carrinha a puxar e mais umas quantas pazadas, aquilo não saia nem por nada. Aquele limo saturado fazia sucção. Finalmente saímos. Depois de doze horas de atascanço, parecia mal voltar sem nada. O Abdelaye tinha saído para a pesca. Fomos ter com ele. Quando saímos de Foum Gleita, para onde tínhamos ido apanhar javalis, vínhamos com uns dez quilos de peixe. Alguns exemplares tinham mais de um kilo. Há muitas horas que estava sem telefone algum. Sem bateria. Logo três. Felizmente um deles é um pouquinho melhor que os outros e deu para ligar e perceber que em casa não se tinha dormido com a preocupação. Partimos. Ao fim de algum tempo a carrinha começou a falhar. Não conseguia passar dos 30 km/h. Tentei ligar para toda a gente da base e nickles. Tudo no petisco. E telefones nada. Só o Jamaldine me atendeu ao fim de algum tempo, mandou o Demba, para me rebocar se fosse o caso. Não foi preciso. Ao fim de 24 horas estava de regresso à base, pelo meu pé. Percebi que, caça não é o meu desporto. Os telemóveis, se bem que em 27 meses pela primeira vez deixei acabar as baterias de todos, são para estarem carregados. E pese as ralações que dei aos mais queridos, foi uma jornada inesquecível, de descoberta e encantamento. Notas curiosas, o Cheikh tem um filho com seis meses, chamado Luis, em minha honra. O puto é branquinho, meio alourado e tem o rabo preto como tinha a minha Inês quando nasceu. E o meu tempo aqui entrou em contagem regressiva, percebi isso quando adorei aquela lua a nascer sobre aquela albufeira. Foi o inicio do adeus.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Samba

3 de Novembro de 2009, terça-feira. Dia triste por aqui hoje. Mais um dos nossos colaboradores passou para o outro lado. O Samba era um dos tipos mais bem-dispostos, mais sorridentes que por aqui andava. Tinha sempre uma “boca” para mandar. Ainda ontem quando fui buscar o Rafa, já eram umas quatro da tarde, parámos na frente de trabalho e o Samba foi dos mais efusivos. Hoje de manhã na hora de sair para o trabalho, de chofre saiu a constatação, O Samba morreu! Daqueles com quem tive a honra de co-trabalhar é já o terceiro a partir sem pré-aviso. O primeiro foi o Abderramane, seguiu-se o Hassan e agora o Samba. Pode-se dizer que esta terra é avara para os seus. Ainda, que aqui morre-se muito! Todos eles em idade de trabalhar, logo, ainda longe da idade onde tais eventos normalmente ocorrem. Daquilo que pude constatar, neste período, já longo, em que aqui exerço o meu mister, uma percentagem enorme dos passamentos deve-se à falta de potabilidade da água! Na esmagadora maioria dos lares não há água canalizada, mesmo nas poucas cidades, como Selibaby, que a ela têm acesso. Por razões espúrias. O preço da água não é acessível (!?) à maioria das gentes. Falta informar as pessoas que água não é apenas um liquido que se ingere quando se tem sede. Especialmente num local tão quente e com tantos animais, como é o caso, todos os cuidados são poucos. No mínimo a água deveria ser fervida. Outro dos factores adversos é a falta de esgotos. É infelizmente quase impossível descrever o que é uma cidade sem esgotos e sem água corrente… No séc. XXI… Se a Europa quer suster a mole humana que a ela se dirige a partir do mundo desfavorecido, deve verdadeiramente iniciar um programa de cooperação com estes estados. Um programa de cooperação baseado no respeito pela qualidade de vida. E pelos valores da dignidade humana. Podem começar por facultar acesso a água potável, a saneamento básico, a um mínimo de salubridade que permita que não se morra tanto nesta terra.

Tem os que passam

Tem os que passam, de Alice Ruiz "Tem os que passam e tudo se passa com passos já passados tem os que partem da pedra ao vidro deixam t...