domingo, 30 de maio de 2010

Telefone

Recebi hoje uma chamada de Bakel. Foi o Malik que se lembrou de mim. Já antes me chamaram, o Sow, o Mamouni, o Diarra, o Djaló, o Sy, o Heiba, o Cheikh…
Não creio que seja assim tão bom, para tantos de mim se lembrarem, também não serei tão mau, que ninguém se lembrasse…
Talvez tenha deixado uma parte do meu coração, naquela terra inóspita, torrada pelo sol, árida…
Talvez tenha acrescentado algo à vivência de gentes tão diferentes e no entanto tão iguais…
Se aprendi alguma coisa com a minha estadia por terras mauritanas, foi que independentemente do que nos divide, o que nos une é incomensuravelmente mais, as pessoas que por lá encontrei são na sua maioria crentes, querem o melhor para os seus filhos, aspiram a uma vida melhor…
Percebi também que muitos milhões de seres humanos não têm o dia de amanhã garantido. A vida é uma luta árdua e diária. Hoje como ontem…
Vi com os meus olhos a sorte que os meus filhos tiveram por ter nascido neste rectângulo…
Entendi que o tipo de desenvolvimento prosseguido pelo mundo ocidental não é passível de ser democratizado, ou seja nem todos os habitantes do planeta se poderão dar ao luxo de viver como nós. Consumimos demasiado. A nossa pegada ecológica é demasiado grande…
Se temos vivido como rapinas, teremos que reorientar a educação que damos aos nossos e explicar-lhes que as rapinas nunca poderão ser mais que uma pequena percentagem do total. A época do vale-tudo está a acabar…
Tanto se tem falado sobre qual o novo paradigma para Portugal. Pouco se tem parado para escutar. Todos falam, ninguém ouve. Ninguém quer perder nada. Todos perderão bastante…

domingo, 16 de maio de 2010

Planeta X


Já lá vão cinco meses desde o meu regresso da Mauritânia. Foram cinco meses de aclimatação à “vida real”. O tempo voltou a ser um bem escasso. Aqui as horas passam mais rápido, os dias voam. Quando damos por isso quase meio ano passou. O que fizemos? Trabalho, muito! Assistir a espectáculos, poucos para a necessidade. Voltar a acompanhar o dia-a-dia da família, nunca se recupera o tempo passado… Voltar a ouvir noticias em Português, isso quase me faz entrar em depressão. Será que neste país ninguém ainda percebeu que o problema não é o falhanço de Portugal, na sua tentativa de aproximação à Europa, mas sim o falhanço dessa mesma Europa num contexto global, sem muletas, leia-se colónias? O que falhou foi uma União económica, feita de egoísmos, qual manta de retalhos. O que falhou foi a qualidade dos políticos que nos tem governado. O que falhou foi um continente que insiste em viver isolado do resto do planeta. O que falhou foi uma consciência europeia global, com o abandono das colónias, a nova geração de europeus fechou-se, isolou-se, considerando que poderia viver dentro da sua concha como se a miséria alheia nunca nos pudesse afectar. Como se a Europa fosse um Titanic no meio do Oceano. Só que a história demonstra-nos avisadamente, que isolamento e egoísmo só podem dar maus resultados. A solução nunca será o alheamento das desgraças alheias, tal apenas poderá fortalecer ressentimentos e ampliar as consequências do choque intercultural.
Pouco tenho escrito, agora que o equilíbrio estará restabelecido é tempo de voltar a registar pensamentos, de voltar a soltar ideias no papel, quais pássaros ao vento e vê-los a ganhar altura e partir em todas as direcções, como raios de luz num dia de verão.
Uma das ideias mais radicais e controversas que me têm acompanhado desde que experimentei viver numa sociedade bastante religiosa, mas de “outra” religião, que me mostrou como é grande a nossa ignorância em relação aos nossos vizinhos e vice-versa. Onde experimentei a sensação de ver noções de pecado que para nós parecem coisas de ignorantes, mas onde as “nossas” preocupações não fazem sequer sentido. Fez-me imaginar e viajar por mundos ancestrais e tentar aceitar mais uns quantos conceitos “heréticos”, mas ao mesmo tempo saborosos e inquietantes. Reveladores e assustadores.
Então é assim…
Para os seguidores do islão, o que está escrito no livro sagrado, Alcorão, é a verdade absoluta. Enquanto para os cristãos o que está escrito no livro sagrado, Bíblia, foi escrito num determinado contexto e numa linguagem cifrada em que apenas os iniciados e estudiosos conseguiam dar sentido.
Dei por mim a experimentar a ideia, à laia islâmica, e se aquilo que está inscrito na Bíblia, especialmente no Antigo Testamento fosse absolutamente verdade? Ipsis verbis! Mas para apimentar a coisa, poderíamos introduzir umas noções capazes de provocar excomunhões noutras eras.
“O planeta X está à beira de um colapso ambiental. Os seus habitantes são dos mais sábios da galáxia, pertencem ao reduzido número dos autorizados pelo Conselho Galáctico a jogar aos Deuses. A intervir no futuro dos planetas circundantes. A alterar o futuro. Esta autorização só foi concedida àqueles que davam garantias absolutas de melhorar a natureza. O Conselho não dava estas autorizações de ânimo leve. Apenas os que davam garantias através dos exemplos de eras passadas, conseguiam tal desiderato. Os falhanços experimentados por alguns dos mais talentosos, forçaram os governantes de X a não fazer uso da autorização senão após o quase completo desastre ambiental provocado por um gigantesco meteoro, que quase aniquilou X. A sua tecnologia impar à escala galáctica e invejada por todos os que dela ouviram falar iria finalmente ser utilizada numa tentativa desesperada de salvar a própria civilização de X.
Foi enviada uma equipa com os melhores, os mais promissores, os mais aptos, para explorarem um pequeno planeta, orbitando uma pequena estrela.
Anos de trabalho árduo deram frutos, o raro ouro, fundamental para recuperar o danificado ambiente de X, fluía. Os jovens exploradores passaram a exemplos no planeta natal. O sacrifício de alguns estava a dar resultados para o todo.
Então alguns desses jovens tiveram uma ideia que iria mudar definitivamente o curso da história do pequeno planeta.
Numa das regiões exploradas existia uma espécie autóctone similar aos habitantes de X, mas cujo estágio incipiente de desenvolvimento ainda não permitia, nem iria permitir nos milénios próximos, nenhuma interacção. O projecto da geneticista-chefe consistia em alterar geneticamente o código ADN destes seres prometedores embora atrasados, de forma a serem estes a efectuar o trabalho cada vez mais árduo da recolha do necessário ouro.
Após várias tentativas falhadas, conseguiram por fim aquilo que ansiavam, um ser trabalhador, submisso, que os adorava como deuses.
A morfologia destes novos indivíduos aproximada à dos habitantes de X, atractiva mesmo para alguns, deu origem a híbridos bastante superiores aos “fabricados”. Estes híbridos seriam alvo de honrarias e invejas por parte de alguns seres rancorosos com as suas origens.
Finalmente o equilíbrio em X foi atingido. O sacrifício dos jovens aprendizes de feiticeiros foi menosprezado pelos que ficaram em casa. Rapidamente pressionaram os dirigentes a abandonar o pequeno planeta, que tantos custos traziam.
Os poucos milhares de seres dessa novel espécie, espalhados por esse pequeno planeta, esqueceram a sua origem por tão pouco nobre. Tinham sido escolhidos, para trabalharem como escravos em minas de ouro. O ouro nunca mais perdeu o fascínio para esses seres. Em todos os grupos surgem líderes. Os líderes destes híbridos, em algumas épocas foram os mais fortes, mas os mais duradouros, os que deixaram bastantes seguidores, não eram especialmente fortes, antes usavam as novas armas herdadas. A capacidade de pensar. Utilizar o raciocínio abstracto para o bem de alguns, enquanto difundiam a ideia, que se tratava do bem de todos.
Desse modo gerações passadas, quando já se tratava de muitos milhões e o pequeno planeta estava à beira do colapso ambiental, como anteriormente X estivera, a esmagadora maioria desse povo, criado pelos senhores dos céus, como mão-de-obra e abandonado num estágio incipiente devido a tricas políticas, acreditava piamente ter sido a obra de um Deus Todo-poderoso. O único problema era que diferentes grupos ao longo dos tempos tinham criado diferentes representações desse Deus. Por essas representações muitas guerras se fizeram. Muitos equívocos, originaram conflitos.
Quando os habitantes de X voltaram ao pequeno planeta e viram o desastre iminente, originado pelas suas criações, estiveram tentados a colocar um ponto final em tal desvario. Mas relutantemente optaram por lhes dar uma moratória, a ver se seriam dignos de um dia poderem saber que no seu ADN estavam intercalados pedaços do mais fantástico ADN que esta região da galáxia alguma vez vira, a dos habitantes de X.
Esta possibilidade só foi outorgada aos habitantes do pequeno planeta depois da verificação que tais destruidores afinal conseguiam originar obras de arte de mérito, mesmo pelos padrões de X…

Tem os que passam

Tem os que passam, de Alice Ruiz "Tem os que passam e tudo se passa com passos já passados tem os que partem da pedra ao vidro deixam t...