domingo, 15 de setembro de 2013

Rios

Pensamentos fugidios escorregam pelos dedos e dá uma canseira voltar a pegar nos escapistas camuflados. Nesta altura de fins do cacimbo em que chuvas trovejadas se projectam e os calores anunciadores de dilúvios são só projectos ainda, sons, cheiros, sensações, sobrepõem-se cada um pulando sobre cada qual.  Antagonismos lutam numa tentação de protagonismo como se de políticos se tratara. Abstractismos erráticos aproveitam estes momentos para vir à tona e ombrear com os assuntos mundanos prácticos do dia-a-dia. Como chegámos aqui? Tantos rios viajados. Das margens tranquilas e galgáveis do Almonda até aos vales rasgados e profundos do Kwanza, das cheias enriquecedoras da infância à fonte de vida e laço de união de povos desunidos do Sahel, das montanhas demarcadas do norte, terra mãe de vinhos, ao grande rio do deserto, do maior rio ibérico ao maior do planalto angolano. Tantas nacionalidades, tantas vontades. O fascínio que sempre tributámos aos rios pegou-me forte, eu que sou ribeirinho, de uma terra de riachos vizinha de rios fartos, sempre disponíveis para partilhar riquezas, água, energia, areias, fertilizantes, peixes, paisagens, passeios…
Sucederam-se o Ribeirito, o Ribeiro grande, o Almonda, o Alviela, o Tejo, o Arade, o Guadiana, o Vouga, o Mondego, o Mira, o Senegal, o Níger, o Douro e o Kwanza, cada qual com seu caudal, com sua história, mas todos me entreabriram a janela.

Os rios fluem para o mar, como a vida vai descendo patamares até à foz, mas rios há carregados de mistério, como essa maravilha da natureza que é o Okavango, fonte de vida no deserto. Rio que corre ao contrário, adentrando-se terra infinita, que lhe bebe toda a seiva, sugando-o até ao desaparecimento, que é simultaneamente o garante da sua inolvidabilidade. Assim é a vida, se para quase todos segue caminhos pré-estabelecidos e ignaros, para os que se inquietam e trilham caminhos contrários, pode ser mais dura, mas certamente muito mais saborosa, reservando sobremesas insuspeitadas e dando sentido a caminhos árduos.

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