sexta-feira, 28 de setembro de 2007


Semana esquisita

2ª Feira, 24 de Setembro. Voltámos ao campo com o pessoal do laboratório, eles fizeram as sondagens que queriam e nós encontrámos os marcos da poligonal com o GPS. O Sy trouxe a máquina para Selibaby.
3ª Feira, 25 de Setembro. Tenho um furo. Não sou mais que os outros. Não quero ir para longe sem roda suplente. O Sy fica a trabalhar com a Retroescavadora no estaleiro da fiscalização e eu levo o Luís, madeirense, à Pá carregadora. Liga-me o Jorge Ferreira, tenho que marcar sondagens para as obras de arte. O Rodrigo dá-me os elementos pelo telefone.
4ª Feira, 26 de Setembro. Vou para lá de Mbout, 150 km em “estrada” muito má. O trabalho corre mal. Uma ponte calha fora do rio. Devo estar mal da cabeça. À noite o Rodrigo ligou-me, houve alteração nos pedidos, deu-me os novos elementos. As sondagens no Pk 96 do lote 1 iriam ser feitas no dia seguinte, descansei-o.
5ª Feira, 27 de Setembro. Às 9h da manhã já lá estávamos. Correu bem. O Messias trouxe uma lata de óleo de motor, para a Retro. Vinha roto, tinha a carrinha cheia de óleo. Claro que fiquei eu com óleo por todo o lado. Cheguei a ter medo pelo caminho, o óleo caia em cima do escape quente e deitava muito fumo. Cheguei a Selibaby com um bocadinho de óleo. A ponte ao Pk 20 do Lote 2, calhou 60 metros ao lado do rio… a do Pk 29, só 20 metros. Desisti, dia de m… Em dois dias 600 km percorridos e duas estacas válidas. Deve ser recorde. Expliquei o que se passava. Amanhã não vou a Mbout.
6ª Feira, 28 de Setembro. Terceiro dia a levantar às 5h30m. O físico queixou-se. Dor de cabeça, má disposição. Tentei aproveitar o dia. Íamos para a estrada de Gouraye, continuar a marcar eixo. Péssima ideia. Chateei-me com os putos. Ficaram todos de castigo. Um camponês veio ter comigo e ofereceu-me espigas de milho e feijão. Obrigado. Expliquei a toda a gente o que se passava. O Luís Filipe da Norvia, tem uma bomba nas mãos. Preparei um relatório. Afinal praticamente todas as pontes têm problemas. Amanhã vou a Bakel buscar estacas. O Malik cumpriu.

Semana esquisita

quarta-feira, 26 de setembro de 2007



As aventuras de um Riachense na Mauritânia

18 De Agosto de 2007
6:00 am – Tocou o despertador. Acordei para um dia completamente inesperado apenas duas semanas antes. O dia da minha viagem para a Mauritânia. Foi o dia em que mais me custou levantar e despachar em muitos anos. A Guida fez-me dar um beijo ao Xavier, coitado estava de tal modo a dormir que não deu qualquer sinal, quando o agarrei para o beijar. A Inês, como sempre aparenta maior autocontrolo e deseja-me boa viagem.
Vou para baixo às 7:00, a Guida ajudou-me a levar a mala, subiu e voltou passados segundos com os óculos, que eu tinha esquecido lá em cima. A emoção foi das mais fortes que já sentimos alguma vez. As lágrimas rolaram, ela subiu.
Chegou o João, carregámos as malas e seguimos para Lisboa.
O Sr. Duarte foi ter connosco junto ao bar, no aeroporto, fomos ter à alfândega pegámos nas embalagens de material e seguimos para o check-in.
A confusão era enorme, a rádio tinha difundido a notícia da greve, da Groundforce, e as pessoas acorreram antecipadamente ao aeroporto.
Fizemos o check-in, o excesso de peso iria representar uma despesa adicional de 1500€, que seriam justificados com a viagem na Air France via Paris / Charles de Gaulle, desta forma evitaríamos Marrocos e as suas percas de bagagem.
Despedi-me do João, segui para a zona de embarque, comprei A Bola, o Sporting tinha ganho à Académica por 4-1, na abertura do campeonato.
Embarcámos à hora prevista, tudo estava a correr bem.
O Comandante falou, explicou que devido à greve as bagagens iriam demorar a ser carregadas e a viagem iria atrasar cerca de 40 minutos.
Eu só iria estar em Paris uma hora…
Chegámos ao Charles de Gaulle, o avião ficou a grande distância dos terminais, seguimos de autocarro, quando cheguei ao terminal, comecei a seguir a placa do terminal 2F, o terminal da partida para Nouakchott.
Passei por todos os terminais do gigantesco aeroporto, o 2F era o último, dentro deste havia 80 portas de embarque a minha era a 47, nunca mais lá chegava. Quando finalmente vi a placa portas 43 a 56, corri para a direcção da seta, tinha uma verificação de bagagem à minha frente e 20 japoneses…
Quando pude corri para a porta 47, estavam lá os funcionários da Air France, para me dizerem que esperaram 10 minutos por mim, que me chamaram pela instalação sonora e que o avião já era. Restava-me ir ao guichet 56A, expor a causa.
Fui atendido por uma senhora simpatiquíssima, que assumiu todas as culpas para a Air France e me despachou para Casablanca e para a Air Marroc, que nós tanto quiséramos evitar, saí de Paris depois da hora prevista de chegada a Nouakchott.
A viagem decorreu muito bem, tal como a estada em Casablanca, um aeroporto quase europeu, como depois percebi.
O voo na Air Marroc decorreu bem. A chegada à Mauritânia foi o primeiro choque, ao sair do avião, fiquei a transpirar como se tivesse corrido a maratona.
Percorremos a pé a distância até ao edifício, entrámos e distribuíram-nos um impresso para preencher, não levava nada para escrever, pedi uma esferográfica emprestada.
Coloquei-me na fila para entregar o impresso mais o passaporte.
O funcionário perguntou-me qual a minha morada na Mauritânia… Olhei pela janela e vi um pedaço de papelão com uma inscrição “PEREIRA”, de pernas para o ar, fiz logo sinal, o Mohamedu teve que entrar onde estávamos para dizer a morada.
Saímos, as bagagens já estavam a sair.
A primeira coisa conhecida que vi foi uma marreta, pensei o pior…
Finalmente, recolhemos a bagagem, faltavam os bastões, apresentámos a reclamação, nas bagagens perdidas.
O Mohamedu trouxe-me para o “Hotel”, nunca pensei sentir saudades daquele hotel…
No dia seguinte, 19 de Agosto. Apareceu-me o Afonso, um madeirense, passei o domingo com ele. Fomos para o escritório, ele cozinhou um coelho, biológico, como fez questão de afirmar.
Deixou-o a apurar e fomos à praia, o lixo é uma constante em África, na Europa não se fala deste problema quando se refere África, mas ontem já era tarde, para enfrentar esta situação abjecta, quem não viu não pode imaginar, é indescritível. As cabras e os burros, alimentam-se de lixo, plástico e papel, estão gordos, dizem-me que é do fígado.
Ligou o Jorge, teve um acidente em Bogé, vai demorar. Vamos comer um crepe “poulet” ao café Savana, surpresa agradável. Fomos a um hotel beber uma cerveja.
Chegou o Jorge, comemos o coelho, voltámos ao Savana, beber um “thé de Menthe”, levámos o Jorge ao Aeroporto, foi de férias a Portugal.
Chegou o João, madeirense e o Baltazar, levámo-los a jantar a um restaurante onde bebemos uma garrafa de Bourdeaux…
Na 2ª, 20 de Agosto. Chegaram o Lopes e o Pereira e mais o Suleymane, foram todos para o porto descarregar contentores. Almocei com o Afonso umas belas gambas.
Fui com eles jantar a um hotel onde comemos um belo bife de vaca e bebemos cerveja. Fui depois com o Afonso levar o jipe do Cunha ao hotel, ele chegou nessa noite com o Eduardo. Seguidamente fomos a um clube beber umas cervejas e jogar snooker.
Terça, 21 de Agosto. Às 11h chegou o Eduardo ao hotel, carregámos as coisas, fomos ao escritório, falei com o Cunha, fomos todos almoçar ao Savana outras boas gambas.
Partimos de Nouakchot, eu e o Eduardo, finalmente ia para Kaédi, a terceira cidade do país, local de início da nossa obra. Nouakchot estende-se por muitos quilómetros, o sahel começa às portas da cidade, a paisagem pouco muda ao longo da viagem, dunas espectaculares, vão-se sucedendo. Surpreendentemente em quase todos os vales há aldeolas, não sei o que comem aquelas cabras, burros e camelos. Nota-se que choveu, começa a ver-se erva verde. De repente está tudo verde, o Eduardo diz que quando passou ali na viagem para Portugal, era só areia, agora parece o Alentejo em Maio. Passámos em Boutlimit, pelo mapa parece importante, é uma decepção, a pobreza, o lixo, é tudo imenso… Perto do final da viajem a paisagem finalmente muda um pouco, As barreiras da policia sucedem-se, temos que parar e cumprimentar, mandam-nos seguir, depois de dizermos quem somos, “goudrom” – alcatrão.
Kaédi, é um buraco infecto, a pobreza é extrema, o lixo ergue-se omnipresente, qual deus do consumo, é só plástico por todo o lado. Semanas antes a obra tinha colocado 5 camiões, uma pá carregadora, uma giratória e uma niveladora, durante três dias a tirar lixo da cidade, só com trinta dias…
O que impressiona é que aqui há água, há muita terra, os agricultores de Riachos fariam aqui fortuna…
Toda a gente tem telemóvel, muitos têm carro, o contraste é gritante, a miséria é um estado de espírito.
Chegámos ao estaleiro, conheci o pessoal, finalmente conheci o Rodrigo, o meu colega, tinha ficado atascado, foi um camião da FAO que o desatolou.
À noite fui a casa do Eduardo e do Pedro, caiam pequenos escaravelhos, como se fosse chuva, à porta de casa estavam 5 sapos, a limpeza tinha sido feita nesse dia e os sapos tinham sido varridos para a rua…
Fomos à casa do Fernando, comer chouriço assado, queijo de Azeitão e da serra. Bebemos cerveja, SuperBock e uma garrafa de Old Parr de 12 anos. Soubemos que o Pedro, numa noite anterior tinha ido ao Senegal buscar 8 grades de cerveja, a polícia mauritana aprendeu-lha mais o passaporte, estava revoltado.
O Eduardo costumava ir com eles ao Senegal, mas não iam em Kaédi, iam mais afastados, aqui foi complicado.
O Pedro fez amizade com as americanas do Peace Corps, anda todo feliz.
Conhece o Carretas e o Caiado, já nos devíamos conhecer de Ovar.
O Filipe, administrativo, trabalhou com o Adelino e o Nuno, o mundo é pequeno.
4ª Feira, 22 de Agosto. O Rodrigo mostrou-me os elementos que tem sobre a obra, o mais importante é o relatório da poligonal GPS, enviei para o João por correio electrónico.
O João recebeu e reenviou para o pessoal do GPS para estudarem, de forma que o aparelho seja logo configurado em Portugal e venha já com os parâmetros inseridos de forma correcta.
O Rodrigo tem andado a adensar poligonal.
Foram 4 camiões para Selibaby, demoraram cerca de 12 horas a chegar lá, levaram contentores para o estaleiro de lá.
Voltei para o Hotel Faboly, onde um monte de miúdos tinha estado de manhã a olhar para mim como se fosse um extraterrestre. Se calhar sou.
5ª Feira, 23 de Agosto. Fomos a Mbout, quando se pensa que já se viu tudo chegamos. Mbout é mil vezes pior que Kaédi, a viagem é longa, 115 km, toda em pista de terra batida, nossa obra, a travessia dos rios e riachos, por vezes é difícil e tem que se passar a vau, como estamos na época das chuvas, há alturas em que não se passa, por vezes passamos para um lado e já não podemos passar de volta. Em Mbout fomos ver o estaleiro que serviu para os americanos fazerem a mesma obra que estamos agora a fazer, há trinta anos, deixaram lá muito equipamento, que agora não serve para nada. No regresso fomos ver a britadeira que está a ser montada, está a correr bem. Chegamos ao estaleiro, já são duas horas.
6ª Feira, 24 de Agosto. Vi finalmente chuva, sabia que tinha chovido, por estar tudo verde, quando em Julho pelas fotos nem sequer havia erva, só areia. Comecei a preparar elementos para começar a marcar a obra. Os primeiros vinte quilómetros, já cá estão, em projecto.
Foi o primeiro Sábado (25 de Agosto), que trabalhei em obra, desde há muito tempo. Para nós foi mais um dia igual aos outros, continuei a preparar os elementos para a obra.
Domingo, 26 de Agosto. Levantei-me e saí a pé, fui conhecer Kaédi. Percorri quase toda a cidade, o que há mais são quartéis, há o da Policia, o da Guarda Nacional, o da Alfândega e o do Exército, deve ser a única coisa que funciona na Mauritânia. O mercado fervilha de gente, o ar está irrespirável, o cheiro a lixo, animais mortos e porcaria inunda tudo, de repente chega um cheirinho agradável, cheira a pão. O pão é bom na Mauritânia, não morro de fome aqui, não enquanto o pão tiver este cheirinho.
Fui ter a casa do Eduardo e do Pedro, já lá estava pessoal, bebemos um gin tónico, como aperitivo. O almoço foi bacalhau assado, acompanhado por vinho tinto. Foi um dia de convívio. O Guarda da casa deles cultiva uma pequena horta no quintal, tem lá melancias, feijão, amendoim, inhame, milho… Dia de aniversário do Rui, procurei o seu numero de telefone mas reparo que não o tenho, quando troquei de telemóvel, perdi muitos números.
Na Segunda, 27 de Agosto. Continuei a preparar os elementos, com o Rodrigo. Chegou o Cunha, disse-nos que tínhamos que ir a Selibaby, marcar a variante, que tem um novo traçado, para desviar de um quartel. Dia de aniversário do Mário.
Na Terça, 28 de Agosto. Fomos para o campo, marcar sondagens para o laboratório, almoçámos no mato, umas sandes, o Hamady e o Sy, rezaram às 3 horas. Consegui telefonar para a Norvia, para me enviarem o projecto da variante de Selibaby. Falei com o Mário no Messenger.
Na Quarta, 29 de Agosto. Acabámos de marcar as sondagens, regressámos ao estaleiro e já cá estava o projecto de Selibaby, preparei-o no Sierra. O Cunha regressou de Selibaby, demorou 12 horas para fazer 230 km, esteve 6 horas à espera de conseguir passar um Oed, em Garfa.
Combinámos tudo para partir no dia seguinte, a minha roupa já estava lavada. Durante a noite os meus vizinhos no hotel fizeram uma farra valente. Durante a noite houve uma trovoada como nunca tinha visto. À meia-noite começou a chover muito!
Na 5ª Feira, 30 de Agosto. Choveu 85 litros em Kaédi e em Lekseiba foram 98. As ruas em Kaédi pareciam rios. A área onde choveu foi muito grande e a estrada ficou muito danificada.
Na 6ª Feira, 31 de Agosto. Não pudemos sair. Preparámos tudo, o Sy Amadou disse que se podia passar para Selibaby, segundo ouviu.
No Sábado, 1 de Setembro. Enfim, partimos às 6 e meia da manhã. Avançámos à velocidade de 25Km por hora. Locais já trilhados em dias anteriores, estavam irreconhecíveis. A água fez bastantes estragos. Chegámos a Lekseiba, a água do Gorgol estava a meio metro das pontes. 2Km depois a estrada estava cortada. Havia acampamentos por todo o lado, carros, 4x4 e camiões. Da margem onde nos encontrávamos até ao outro lado eram 200 metros. O Rodrigo olhou, e disse nós passamos. Passámos e ficou tudo a bater palmas. A água chegava à altura do capô, conseguimos atravessar. Depois de passarmos, outras viaturas nos seguiram. Andámos cerca de 10 km até Jericaia, onde vive a mulher do Sy. Deixámos lá o arroz, o sal, o óleo e o resto. Continuámos, a estrada estava cada vez pior, assemelhava-se a uma pista de trial.
Após Mbout a estrada melhorou e pudemos aumentar a velocidade, as travessias dos rios fizeram-se sem grandes dificuldades. Vimos embondeiros, grandes árvores, que estavam no meu imaginário desde os bancos da escola.
Quando pensávamos que o pior já ficara para trás, chegámos a Garfa, a estrada estava cortada. A quantidade de água era enorme, o ruído da água a passar por baixo e por cima da ponte era tão grande que impressionava. Chegaram dois gendarmes junto a nós, um deles era de Lekseiba, conhecido do Sy, disse-nos que se não chovesse a norte da nossa posição talvez pudéssemos passar perto das 14 horas, eram 12, achámos que estávamos com sorte, estavam ali pessoas há três dias…
Fomos almoçar, frango assado. De repente vimos uma giratória a deslocar-se na direcção na ponte e pensámos que seria da ENER, o que muito nos admirou. Terminado o almoço dirigimo-nos à zona do corte, estava lá a máquina, era da AFA, o operador, estava ali há três dias…
A força da água estava igual. O nível da água também. Começava a escurecer o dia, para norte, onde não podia chover. Não havia como passar, voltámos atrás. A trovoada seguia à frente, zonas onde tínhamos passado havia pouco estavam agora alagadas. Deixámos o Sy em casa com a esposa. Em Lekseiba o nível da água subira, desta vez a água passava sobre o capô… Chegámos ao estaleiro já de noite, tínhamos demorado 13 horas para fazer 320 km… A degradação da estrada aumenta cada dia.
Informámos o Jorge Ferreira, que o caminho para Selibaby estará inoperacional por longo tempo.
Esperamos por informações de Selibaby, sobre o caminho de Kiffa. São 770 km, convém saber como está antes de tentarmos a deslocação.
Domingo, 2 de Setembro. Fui dar uma volta com o Rodrigo aos arrozais de Kaédi, fiquei impressionado. A área é muito grande e vimos muita gente a trabalhar lá.
2ª Feira, 3 de Setembro. Fiquei na casa do Rodrigo e do Filipe, pois o Hotel Faboly está reservado pela embaixada dos EUA. Liguei à minha mãe, dei-lhe os parabéns, fez 71 anos. Falei também com o meu pai, disse-me que já tentara ligar, mas não conseguiu.
Jamaldine ligou-me a informar que um fornecedor partiu de Kiffa em direcção a Selibaby, quando ele chegar ele diz-nos se a viagem pelo norte é viável.
3ª Feira, 4 de Setembro. Finalmente chegou o dia da viagem para Selibaby. O Rodrigo vai na “pick-up” com o Hamady e eu vou no jipe com o Houari e o Sy. Saímos pelas 10h30m, depois de o Fernando ter reparado três furos na roda esquerda dianteira do jipe. O Rodrigo tinha saído pelas 9h. A viagem decorreu bem pela estrada asfaltada, a velocidade era boa. Via hoje muita água, fruto dos aguaceiros dos últimos dias. Quando após Bogé, começamos a afastar-nos do Rio Senegal, a paisagem começa a mudar, cada vez tem um ar mais árido, vemos os primeiros camelos e as primeiras dunas de areia. Junto Aleg, há uma lagoa, onde o Houari viu um pequeno lagarto.
Apanhamos o Rodrigo numa localidade mais à frente, reabastecemos e paramos ao fim de meia dúzia de quilómetros, para comer.
A carrinha do Rodrigo não tem força, está muito carregada e só anda a 80 km/h, reduzimos também a nossa velocidade para irmos juntos. Começamos a ver montanhas, junto a elas um oásis e as primeiras palmeiras que vejo na Mauritânia. Subimos as montanhas, a paisagem é muito bonita. Quando chegamos a Kiffa, já andámos mais de 550 km, acabou o asfalto. Perguntamos a direcção para Selibaby, o que dá origem a muita discussão, na altura não percebi porquê. Partimos de Kiffa, passámos a uma pista tipo Dakar, com os rodados de muitos carros. Ao fim de 20 minutos, cruzámo-nos com um carro, cujo condutor nos disse que íamos na direcção errada, ele prontificou-se para nos colocar no caminho. Voltámos a Kiffa, e desta vez partimos bem. A estrada estava em muito mau estado, após uns quilómetros desapareceu de vez…
Começou a aventura. Íamos uns quilómetros à frente de Rodrigo, a pista por vezes dividia-se em muitas e tínhamos que saber qual era a nossa. Já anoitecia quando perguntámos a uma senhora se estávamos no caminho certo, não! Foi a resposta. Recuámos à aldeia anterior e recuperámos a pista. Já noite fechada, vemos várias viaturas paradas e muita gente, estavam em apuros e pediam-nos para os tirar da lama. Acedemos de imediato e quase de imediato ficámos lá também. O jipe assentou no solo e não havia hipóteses de o tirar. Foi necessária uma pá, para tirar o jipe do atoleiro, o Rodrigo já tinha chegado. Partimos desta vez com a viatura que socorremos a servir-nos de guia. A zona parecia bonita, mas era de noite e os olhos tinham que estar na pista a 100% ou podia ser perigoso. Os animais utilizam a pista para dormir, quando encontramos uma manada de vacas é complicado tirá-las do caminho e o pior é que depois perdemos a pista.
São quase três da manhã quando chegamos a Selibaby, Temos direito a um jantar quente e um banho.
4ª Feira, 5 de Setembro. O meu telefone toca às 8h, era a Guida a contar-me que tinha recebido uma carta do tribunal, para ir lá informar qual a situação do IVA e do IRS, para eles pagarem o trabalho dos Resgais, para o Dr. Cabeleira.
Fui com o Jamaldine e o Houari falar com o Subdirector regional dos transportes, entidade responsável pelos trabalhos, fomos muito bem recebidos em sua casa, levou-nos depois ao “palácio” do Governador de Guidimaka, região da qual Selibaby era a capital. Aqui tive que me descalçar, fomos muito bem recebidos a disponibilidade foi total, a única coisa que não sabíamos até então era que o governador ia ser substituído no dia seguinte… Simpaticamente ele disse-nos que o seu substituto era seu amigo e iria dar as melhores referencias.
Chegou o Baltazar, veio de Kaédi, pelo caminho normal, a estrada abriu ao meio dia.
5ª Feira, 6 de Setembro. Finalmente íamos começar a poligonal. Reconhecemos os marcos existentes, colocámos novos e depois de almoço iniciámos as leituras. À 2ª estação abateu-se sobre Selibaby uma tempestade de areia, a minha primeira, seguida de muita chuva. Tivemos que parar, não somos nós que mandamos…
Fomos ao estaleiro, recebemos um pedido de ajuda, uma “pick-up” tinha ficado no rio, fomos tentar puxá-la. Não deu, só um camião podia fazer tal tarefa.
Ligou o João, estava na Topcon a configurar o GPS e havia dúvidas. Esclarecidas estas, podiam configurar finalmente o GPS, com os parâmetros que enviáramos dias antes.
6ª Feira, 7 de Setembro. Fizemos então a poligonal. Leituras de campo e cálculo no computador.
Sábado, 8 de Setembro. Comecei a marcar o eixo da variante de Selibaby, o Rodrigo começou a colocar marcos para a poligonal da variante. Interrompemos a marcação devido à chuva. Fui ver um pouco do traçado do Selibaby – Gouraye, com o Sy. Chegaram o Kalid e o Luís Filipe, para verificarem no terreno o projecto de drenagem entre Selibaby e Gouraye e para analisarem as obras de arte entre Mbout e Selibaby. Fica combinado no Domingo irmos todos a Gouraye.
Domingo, 9 de Setembro. Grande expedição a Gouraye. Vamos em 4 carros, dois nossos e dois da “Mission de Controle”. Vou na frente da comitiva, engano-me no caminho e o Mamouni – Topografo da “Misssion de Controle” passa para a frente. Passamos por zonas com muita água, o avanço é difícil. No km 15 o Mamouni fica atascado, tentei tirá-lo mas a minha Mitsubishi não consegue, é o Sr. Niang, Chefe da “Mission de Controle” no seu Toyota GX quem o tira. Perto do km 20, sucedem-se as passagens por zonas com muita água, quando deparamos com um autêntico mar de água, entramos nela, são mais de 200 metros com água ao nível do capot. Após muitos sustos chegámos a uma ponte que estava fora de água, pensávamos que já estávamos safos. Depois da ponte a água continuava e continuava. A cada curva seguia-se mais água. De repente a viatura da Topografia da “Mission de Controle”, praticamente desapareceu na água e eu logo atrás… O pessoal começou a sair pelas janelas. A minha carrinha começou a meter água. O Rodrigo abriu a porta e inundou a carrinha. Foi ajudar mais o Hamady. E eu não podia deixar a carrinha ir abaixo porque o escape estava debaixo de água. Não havia saída. Voltámos os três carros para trás. O pessoal que estava na outra carrinha conseguiu, com a ajuda da população de uma aldeia vizinha, retirar a viatura da água. Tentámos então começar a análise das obras de arte a partir dali, debalde. Não havia evidência da localização do eixo. Voltámos à base.
2ª Feira, 10 de Setembro. Fomos ver as obras de arte entre Selibaby e Garfa. Correu tudo bem. À excepção da falta de comida.
3ª Feira, 11 de Setembro. Voltámos a tentar o eixo Selibaby – Gouraye, desta vez com o auxilio do GPS da “Mission de Controle”, Fomos até ao km 28, vimos a zona do Pk 20 onde tínhamos ficado dois dias antes, só malucos… Durante o almoço tive uma discussão filosófico – religiosa com o Houari e o Kalid, o Luís Filipe assistiu a tudo com vontade de rir. A temperatura subiu muito depois do almoço estava a ficar insuportável. O céu começava a ficar ameaçador. De repente o dilúvio abateu-se sobre as nossas cabeças. O Sr. Niang, conhecedor desta zona, voltou imediatamente para trás, ou corríamos o risco de ficar isolados. As estradas de minutos antes desapareceram, dando lugar a rios alterosos, por várias vezes tive que sair do carro para testar a altura da água… quando chegámos a Selibaby, respirámos de alívio. Quando chegámos ao escritório, o Jorge Ferreira, ligou-me, queria um topógrafo em Kaédi. Falei com o Rodrigo. Vai ele. Eu fico em Selibaby.
4ª Feira, 12 de Setembro. Fui com o Kalid e o Luís Filipe até Mbout, mais o Sr. Niang, para vermos as restantes obras de arte. Fiquei atascado num oed, o Kalid puxou-me para trás e voltei a tentar e desta vez passei. No regresso já sabia que ia voltar a ficar pois a margem esquerda é muito íngreme. Coloquei logo os cabos e um camião puxou-me. Cheguei a Selibaby em duas horas. Voltei a ter que sair da carrinha dentro de água, começa a ser um hábito. O Hamady vai com o Rodrigo para Kaédi e o Sy fica comigo. O Rodrigo vai deixar comigo a sua carrinha, vai receber uma nova. Vou ficar sozinho com o Houari. Grande obra. E o Houari vai a casa no Ramadão, que começa amanhã.
5ª Feira, 13 de Setembro. Começou o Ramadão. O Rodrigo ficou no escritório a calcular os elementos para a marcação em Kaédi. Fui com o Sy o Hamady e o nosso jovem ajudante que nunca consigo recordar o nome, iniciar a marcação do eixo para Gouraye. Até ao meio dia marcámos 1km. O pessoal quer um horário diferente durante o Ramadão. Querem trabalhar directo das 8 às 16h. Se calhar também tenho que jejuar… Reparámos que estamos quase sem estacas, liguei ao Filipe para encomendar em Kaédi, pois aqui é impossível. De tarde levei metade das estacas que restam e marquei mais 500 metros. A temperatura subiu muito e começou a formar-se uma parede de nuvens espectacular. E eu esqueci a máquina fotográfica em casa… Afinal não choveu aqui, foi uma tempestade de areia.
6ª Feira, 14 de Setembro de 2007. Gastei as estacas todas e fiquei despachado às 11h, depois de levar o Hey ao hospital, pois o gajo trabalha de chinelos e uma farpa do guilho espetou-se no pé dele. Levei-o ao hospital, pagámos 300 Ouguias de consulta, mais 2700 de medicamentos, que aqui o doente paga todos os medicamentos. E os pontos que levou foram aplicados a sangue frio. Tivemos a mostra do que pode acontecer em caso de acidente neste fim de mundo. Fez-nos pensar na segurança da obra, completamente inexistente. Esperamos que a sorte esteja connosco, pois caso contrário estamos lixados. O Houari já reclamou por escrito, vamos a ver o que vai dar. Este pessoal quase não trabalha, é do Ramadão. O trabalho é uma chatice. Uma pessoa, não pode rezar descansada todo o dia. Não sei se são mesmo crentes ou se apenas dá jeito. O Rodrigo acabou de preparar os elementos, com medições incluídas. Vai amanhã para Kaédi.
Sábado, 15 de Setembro. Logo pela manhã o Rodrigo sai para Kaédi com o Hamady, por volta da uma hora chegam lá, a viagem corre bem. Vou dar uma volta com o Sy. Vamos ver as obras do aeroporto, penso que são os chineses que lá estão. Fomos a casa do Hey, está bem. Bebo um chá que a sua mãe prepara, estava bom. Fomos buscar a minha roupa. Estava pronta pelas 16 h. A lavandaria funciona numa barraca feita com chapas de zinco, o ferro de engomar é a carvão! O Sy janta comigo e com o Houari. Ligou-me a Guida, o Cá Tó faz anos e ela vai lá, leva azeitonas e vinho, e eu aqui a beber chá.
Domingo, 16 de Setembro. Vou a Gouraye com o Sy. Duas horas para cada lado. Gouraye é uma pequena aldeia, cuja importância vem de ficar em frente a Bakel, na outra margem do Senegal. Falamos com a polícia local, que nos deseja uma boa estadia na Mauritânia. Vimos um pequeno macaco pelo caminho, bem como um lagarto.
2ª Feira, 17 de Setembro. Vou à obra com o Sy, procurar marcos. O Houari liga-me a dizer que vai a Kaédi, para a reunião de planeamento, volta 5ª Feira. Agora sim estou mesmo sozinho em casa… Parece que isto tem peste, toda a gente foge daqui. Se pelo menos eu tivesse estacas, sempre fazia alguma coisa, o tempo passava mais depressa. O Rodrigo disse que se hoje não viesse ninguém trazer as estacas, vinha ele traze-las, amanhã. Fui ao mercado com o Sy e o cozinheiro, para comprar uns cabides, tarefa complicada em Selibaby. Depois fui levar o Sy a casa e encontrámos um tipo que nos procurava, trazia comida para nós de Kaédi.
3ª Feira, 18 de Setembro. Vou ao estaleiro, Hassan, o encarregado veio falar comigo. Segundo ele, e acho que com toda a razão, a areia que lhe tinham levado não prestava. Tinha que ir buscar outra melhor. Lembrei-me de lhe perguntar se não haveria estacas em Selibaby. Disse-me que não, mas, havia em Bakel. Ficou de perguntar ao perfeito de Gouraye se podíamos ir buscar as estacas a Bakel, pois é no Senegal. Fui a casa e liguei para o Filipe. Disse-me que tinha enviado as estacas para Mbout, pelo Messias um encarregado brasileiro. Parti para Mbout. Lá estavam 600 estacas, para mim. Mais o meu bastão. O Messias queria que eu lhe arranjasse cerveja. Também eu. O Sy comprou peixe em Mbout, a 200 Ouguias o kg. Barato, e o peixe tinha um aspecto esplêndido. Fiquei com um para o jantar. Comi um peixe de Foum Gleita, grelhado. Soube bem.
4ª Feira, 19 de Setembro. O Haiba já veio trabalhar. Marcámos 1 km de eixo. Depois, ele mais o Sy foram para o estaleiro pintar estacas. O Sy comprou um carneiro, por 5000 Ouguias. Agora quer mandá-lo para a mulher e precisa de um transporte. Estamos sem rede de telemóvel desde 2ª Feira. Está novamente a trovejar, isto aqui repete-se, de manhã está o céu limpo e agradável. Por volta do meio-dia já está um calor difícil de suportar. Começam a formar-se nuvens, pelas 5 horas ameaça chover. Às 6, há trovões por todos os lados. Por vezes chove, outras, vai chover para outro lado. Parece-me que a “Hivernaje” está a acabar. Hoje o Sporting joga com o Manchester e eu ainda não sei se algum canal destes gajos dá o jogo.

5ª Feira, 20 de Setembro. Continuámos a marcar eixo, mais 1 km. Continuo sozinho.
6ª Feira, 21 de Setembro. Continuámos a marcar eixo, mais 1 km. Depois de almoço fui dormir uma sesta. Às tantas aparece-me o Sy, tinham chegado pessoas, fui ver que era. Chegaram o Pedro mais o Sérgio do laboratório. O Jamaldine e o Houari, mais um operador de retro madeirense. Fui com o Pedro ver empréstimos, foi até à noite. Bebi uma cerveja ao jantar. Depois um Whisky. Faz-me bem voltar ao contacto com o mundo.
Sábado, 22 de Setembro. Fui para a obra com o pessoal do laboratório. Eles vieram para fazer sondagens. Foi um dia engraçado. O Sy testou a retro, andava tão contente, que, pegou na carrinha para ir junto de uma árvore colocar fita para assinalar um marco e bateu com a carrinha na árvore e partiu a óptica traseira.
Domingo, 23 de Setembro. Acordei às 3 da manhã, muito mal disposto. Levantei-me e fui beber água. Voltei a acordar às 4, ainda pior. Fui vomitar. Coisa muito esquisita. O pessoal do laboratório voltou ao campo para as sondagens e eu sai com o Hassan, para ir a Bakel, fazer o negócio das estacas. Quando chegámos ao km 8, encontrámos o jipe do laboratório atascado, conseguiram ficar na única poça de água em quilómetros. Tive os puxar com a minha carrinha. Segui para Gouraye. Chegámos e fomos falar com a polícia, para saber se podia comprar cerveja. Autorizaram. Partimos para Bakel. Começámos a procurar carpinteiros. Na terceira casa começámos a negociar, estávamos a ir a algum lado. O carpinteiro perguntou-me se era francês, quando respondi que era português. Começou a chorar e chamou-me irmão. Disse-me que era guineense. Foi uma situação emotiva. Chegámos a acordo. Era de Bafatá. Os portugueses foram muito bons para a Guiné. Sabe bem ouvir dizer bem de nós. Fui com o Hassan a casa do seu irmão, trocou-me euros por francos. Comprei cerveja. Passámos para a Mauritânia. Cheguei a Selibaby e fui comer bacalhau. O dia foi produtivo. As estacas ficam mais baratas que em Kaédi.

Tem os que passam

Tem os que passam, de Alice Ruiz "Tem os que passam e tudo se passa com passos já passados tem os que partem da pedra ao vidro deixam t...