domingo, 18 de setembro de 2016

Abismo

O abismo fascinou os homens desde que começaram a caminhar erectos. Se conseguiram contrariar a natureza e ser bípedes, viver sempre num equilíbrio instável, porque não desafiar a Mãe em todas as actividades? Nesta era antropocénica em que vivemos, quase completamente desligados do meio ambiente, em que celebramos a vitória hominídea incondicional sobre o pequeno calhau a que chamamos terra, o ambiente está como a economia, depois dos avanços incríveis até ao final dos anos oitenta, entrámos aos solavancos pela beira do abismo e hoje ninguém sabe o que se vai passar amanhã, acabaram as garantias, as certezas, a estabilidade.
Afinal a doença da Terra, hoje atinge milhões de pessoas que habitam em locais mais sensíveis, amanhã deverá atingir muitos mais, se hoje atinge especialmente zonas desfavorecidas, amanhã chegará às zonas mais desenvolvidas, se hoje atinge especialmente zonas tropicais, amanhã poderá corromper as grandes metrópoles ocidentais.
A juntar à situação ambiental, com as suas alterações climáticas, vem a instabilidade política auto-infligida numa UE que olha apenas para os seus pequenos umbigos nacionais, esquecendo os ideais que levaram à sua criação; a instabilidade política do médio oriente, que não se antevê ter fim próximo, juntando à guerra inter-religiosa em curso desde há séculos, nova guerra fratricida intra-religiosa entre as várias facções de seguidores do profeta árabe. África continua adiada, sem cumprir seu ideal, como diria o poeta, deixando cada vez mais cidadãos sem esperança. Os pólos a derreter, cada dia mais rápido. Extinção em massa que atinge cada vez mais espécies.
Estes diagnósticos que já todos conhecem, começaram a ser apresentados por ambientalistas “fanáticos” há quatro décadas, hoje a imprensa “mainstream” divulga com naturalidade. O que mudou? Infelizmente muito pouco, falamos disto como falamos do preço da sardinha ou dos fogos no verão. Algo inevitável. Fatalista. É o destino.
Provavelmente será mesmo o destino, não por estar escrito, mas sim por ser este destino que estamos a escrever todos os dias.

Tanta dissertação e no entanto “Eppur si muove” a população do concelho de Torres Novas não conseguindo suportar mais a incúria, o desleixo, o compadrio, a vergonha (e acima de tudo o mau cheiro) das autoridades locais, regionais e nacionais, a propósito da ribeira da Boa Água (curioso nome tem este pequeno curso de água que tão maltratado tem sido nos últimos tempos), começou a manifestar-se. Talvez tenha sido atingido o ponto em que o copo transbordou e não haja mais passividade para permitir o abuso continuado de um bem público, que é o ar que respiramos, pelo menos nos termos deploráveis utilizados por empresários sem escrúpulos, políticos sem vergonha, serviços sem meios, população amolecida pelos “Big Brothers” anos a fio…

Tem os que passam

Tem os que passam, de Alice Ruiz "Tem os que passam e tudo se passa com passos já passados tem os que partem da pedra ao vidro deixam t...