domingo, 29 de setembro de 2013

Chuva

Trovejava de novo após cinco longos meses de ausência, logo grossas bátegas de água desciam pelos céus encharcando sequiosos solos, lastimosos solos sobreviventes às queimadas crescentes dos últimos meses. A côr passou do verde ao dourado e finalmente ao negro azeviche. Com as almejadas lágrimas celestiais o verde breve retomará o seu lugar nos baixios das paisagens, ultimamente escurecidas.
E o cheiro… Cheiro de terra molhada. Tão ausente nos meses recentes. Tão presente logo após as primeiras gotas terminarem a aérea viajem. Gotas prenhes de vida, tão cheias de promessas, que até parecem políticos. Ao invés destes sói dizer-se que a sua chegada é sucedida de uma explosão de vida, é um ciclo que recomeça.
Trovejava de novo, sons com o condão de todos transportar para o exterior, contemplar uma mescla de tons de cinza no lugar do firmamento. Sons dignos de ombrear com dignas composições operáticas e lado a lado elevarem olhos marejados para os raios que cruzavam céus imensos antes de escolherem o local onde se iriam entranhar.

Logo, logo os rios voltarão a ser alterosos, poderosos, fazedores de paisagens maravilhosas, proporcionando vida, proporcionando esperanças.  

domingo, 15 de setembro de 2013

Rios

Pensamentos fugidios escorregam pelos dedos e dá uma canseira voltar a pegar nos escapistas camuflados. Nesta altura de fins do cacimbo em que chuvas trovejadas se projectam e os calores anunciadores de dilúvios são só projectos ainda, sons, cheiros, sensações, sobrepõem-se cada um pulando sobre cada qual.  Antagonismos lutam numa tentação de protagonismo como se de políticos se tratara. Abstractismos erráticos aproveitam estes momentos para vir à tona e ombrear com os assuntos mundanos prácticos do dia-a-dia. Como chegámos aqui? Tantos rios viajados. Das margens tranquilas e galgáveis do Almonda até aos vales rasgados e profundos do Kwanza, das cheias enriquecedoras da infância à fonte de vida e laço de união de povos desunidos do Sahel, das montanhas demarcadas do norte, terra mãe de vinhos, ao grande rio do deserto, do maior rio ibérico ao maior do planalto angolano. Tantas nacionalidades, tantas vontades. O fascínio que sempre tributámos aos rios pegou-me forte, eu que sou ribeirinho, de uma terra de riachos vizinha de rios fartos, sempre disponíveis para partilhar riquezas, água, energia, areias, fertilizantes, peixes, paisagens, passeios…
Sucederam-se o Ribeirito, o Ribeiro grande, o Almonda, o Alviela, o Tejo, o Arade, o Guadiana, o Vouga, o Mondego, o Mira, o Senegal, o Níger, o Douro e o Kwanza, cada qual com seu caudal, com sua história, mas todos me entreabriram a janela.

Os rios fluem para o mar, como a vida vai descendo patamares até à foz, mas rios há carregados de mistério, como essa maravilha da natureza que é o Okavango, fonte de vida no deserto. Rio que corre ao contrário, adentrando-se terra infinita, que lhe bebe toda a seiva, sugando-o até ao desaparecimento, que é simultaneamente o garante da sua inolvidabilidade. Assim é a vida, se para quase todos segue caminhos pré-estabelecidos e ignaros, para os que se inquietam e trilham caminhos contrários, pode ser mais dura, mas certamente muito mais saborosa, reservando sobremesas insuspeitadas e dando sentido a caminhos árduos.

sábado, 7 de setembro de 2013

Música


Rápida ou lenta, familiar ou desconhecida. Sons que revolvem a alma, que irritam a pele, que apaixonam sorrisos. Sentimo-nos próximos, por mais mares que nos separem de casa, quando podemos escutar a “nossa” música. Une desconhecidos. Puxa-nos para a pista de dança. Obriga-nos a estudar línguas estrangeiras. Descobre amizades novas. Descobrimos que nos antípodas se ouvem os mesmos sons. Cria identidades. Erudita, popular, comercial. Intemporal ou datada. De intervenção, de amor, de guerra, nacionalista, folclórica. Antiga, clássica, moderna, punk, pop, rock, pós-moderna, minimalista. Acompanhada de poesias, instrumental. Tocada por orquestras, em bandas, grupos ou a solo. Enquanto conseguir emocionar-me a ver um pôr-do-sol, voltado a oeste num alpendre com uma cerveja gelada, a ouvir música, a sentir uma saudade imensa, sei que estou vivo e são.

Tem os que passam

Tem os que passam, de Alice Ruiz "Tem os que passam e tudo se passa com passos já passados tem os que partem da pedra ao vidro deixam t...