sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Adeus!

18 de Dezembro de 2009, sexta-feira. Chegou a fim a minha aventura africana. Amanhã cedo parto sem regresso de volta a casa. Com a consciência do dever cumprido. Feliz pelo regresso para junto dos meus. Com um aperto no coração, pelos amigos novos. Provavel-mente não nos voltaremos a cruzar. O livro da vida é feito de capítulos vários. Uns inesquecíveis, outros nem tanto. Quando cheguei a África pela primeira vez no verão de 2007 era um europeu pós-colonialista cheio de ideais na minha cabeça. O meu conhecimento de África foi-me transmitido por familiares e amigos, além do que eu li. Conheço muitas histórias de tribos africanas. Ouvi falar em grandes líderes africanos, como Shaka ou Malangatana, reis do séc. XIX. Aníbal ou Cleópatra da antiguidade clássica. Líderes como Mandela, ainda entre nós, herói pré e pós apartheid. Líderes da independência como Sengor, Nasser ou Cabral. Adorava ver tudo o que dizia respeito à vida selvagem. Sonhava com o Kilimajaro e as neves eternas no equador. Sabia que a Tunísia incluía o ponto mais setentrional, que Dakar era o mais ocidental. Que o cabo da Boa Esperança dividia o Atlântico e o Índico. Que a Somália, no corno de África era o ponto mais a nascente. O deserto do Sara foi palco de grandes romances e aventuras. O Nilo, maior rio, atravessa desertos e grande parte da África oriental. Madagáscar é a maior ilha. Intrigavam-me os bosquímanos e a sua estranha linguagem, no deserto do Calaári. As pirâmides. O império do Gana. A ilha de Zanzibar. Tantas culturas. Toda a gente me falava das cores, dos cheiros, da chuva, dos horizontes, da magia, da terra vermelha, do sol zenital. Claro que uma coisa é saber. Outra completamente diferente é absorver, interiorizar, sentir tudo isto. Fui atingido. Deixo este lugar com uma mistura de sentimentos. Por um lado a “cidade” onde estive é uma porcaria. Lixo até onde os olhos chegam. Não há esgotos. Não há estradas, apenas pistas feitas pelos carros. O pó que cobre todos os teus poros. O coberto vegetal abusado por pessoas tentando sobreviver. Manadas de animais domésticos, substituíram toda a fauna. Estranhamente vi pessoas felizes. Aqui as pessoas têm expectativas muito baixas na vida. Ficam felizes apenas com uma palavra, um olá, um carneiro, um dia de chuva, um dia de festa. Aprendi que é possível viver com muito menos do que vivemos. Mas pelo contrário o crescimento populacional é insustentável. Não é possível gerir um continente em que a população duplica a cada quarto de século. A corrupção drena quaisquer melhorias que poderiam existir. No entanto o meu coração, não estava consciente do seu tamanho, aguentou-se e agora está em três continentes. Sei que vou voltar muito mais rico que quando cheguei. Devo ter recebido uma lição de humildade que muitos europeus necessitavam. Toda a nossa história é acerca dos nossos heróis. Como se os “outros” apenas lá estivessem para aumentar os nossos feitos. Deveria ser obrigatório que as nossas crianças aprendessem a verdade sobre as nossas acções nas colónias. Roubámos de todo o mundo. Dividimos continentes em países absolutamente falsos. Nunca nos importámos com os outros. A Europa tem uma importante hipoteca sobre quase toda a alma não europeia. Ao interiorizar isto não estou triste. De facto estou até muito feliz. Não carrego às costas todos os males do mundo. Não creio que vá parar ao inferno por estes eventos passados. Estou agora mais consciente que antes. Conheci pessoas que querem ver, aprender e tentar ajudar. Conheci pessoas que não desistiram apenas porque é difícil fazer qualquer coisa aqui. Aprendi a amar. Sei agora que sou melhor pessoa que era antes. Sei também que estou orgulhoso dos momentos partilhados. Dito isto, mais um capítulo da minha vida está escrito. Um novo está aí e eu não posso esperar para o escrever!

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Tempo

11 de Dezembro de 2009, Sexta-feira. Falta apenas uma semana para terminar esta minha aventura mauritana. Parece que o tempo me está a pregar partidas. Tão longos foram os dias, ainda maiores as noites… Tantos eventos ultrapassados. Tantas memórias. Tantos factos para processar nos tempos vindouros. No entanto tão rápido tudo agora parece. É como se o tempo for de dimensão variável, castiga-nos com a lentidão da sua passagem, nos momentos difíceis, para abruptamente nos impor a sua ditadura. Para nos mostrar que independentemente do que possamos imaginar acerca do domínio humano, tal não se verifica nos domínios do tempo. O tempo é rei e senhor. Não importa o que teorizemos. Não importa os poderes que julguemos ter. Por outro lado, mesmo que pensemos em termos de passado, presente ou futuro, tal não passa de uma ilusão. É sempre presente! O passado foi o presente doutros dias. O futuro por mais risonho ou apocalíptico que seja anunciado, nunca acontecerá. Quando lá chegarmos será sempre presente! Todos os acontecimentos, todas as misérias humanas acontecem no momento presente. Talvez seja tempo de interiorizarmos que é neste momento presente, que temos, todos nós, o dever de preservar a nossa casa comum, para que os nossos filhos possam também ter o seu presente!

Tem os que passam

Tem os que passam, de Alice Ruiz "Tem os que passam e tudo se passa com passos já passados tem os que partem da pedra ao vidro deixam t...