domingo, 28 de abril de 2013

Bacalhau


A vida dá muitas voltas, qual rio alteroso que desce das montanhas até à planície, onde acalma antes de finalizar a jornada no mar. Bacalhau. Eu. Cozinha. Que confusão.

Vamos por partes.

Temos 1001 receitas de bacalhau. Fiz uma receita de bacalhau, que desconheço se está nessas 1001.

Talvez seja ignorância. Mas vamos aos factos.

Primeiro coze-se o bacalhau, depois colocamos na frigideira, junto com pimento assado, tomate, cebola às rodelas, alho esmagado e margarina. Mais concentrado de tomate, colorau, piripiri e “first but not last” cerveja. A tudo isto agrega-se batata “meio-frita” às rodelas. Deixa-se “temporizar” e já está!

Críticas: “Excelente”!

Uhf!!

sábado, 27 de abril de 2013

Labirintos


As paredes brancas e ásperas pareciam convidar a coçar as costas, qual heliânfora a atrair os insectos com seu aroma de podridão. Caminhava sob um sol inclemente havia horas, sem nenhum lamento, sem nenhum queixume. Só conseguia pensar em paredes brancas e ásperas. Não que tivesse algum fetiche por elas, ou assim o cria, pelo menos. Não se via vivalma. O silêncio opressivo sobressaía por entre pequenos montes. Não entendia como tinha chegado ali. Não conseguia organizar os pensamentos, paredes brancas e ásperas, eram tudo o que formulava e continuava a caminhar. A sombra tinha-lhe sido roubada, mas nem isso parecia causar-lhe mossa. Visto de alheios olhares, não deixava de ser um quadro insólito, um caminhante, sob um sol inclemente, apenas focado em paredes brancas e ásperas, que não fazia sombra sob os seus pés, que se moviam incansavelmente. Diziam que não era digno de possuir nada, daí terem ficado com a sua sombra. Vivia uma não existência, não lhe era permitido parar em solo de outrem. Por isso caminhava sempre. Outros tempos experimentara, no que parecia um sonho impossível, em que se julgara dono do destino, tal a confiança que emanava. Fora feliz. Viajara imenso, talvez por isso a caminhada incessante. Gostara de observar os horizontes, que mudavam à medida que viajava, agora ao caminhar mudavam menos que antes, mas sempre mudavam. Era a única coisa que mudava na sua vida despojada, o horizonte, não que reparasse nisso, pois para além de caminhar sob um sol inclemente, apenas pensava em paredes brancas e ásperas. Poderá dizer-se que a responsabilidade tinha sido completamente sua. Dera tudo como garantido. Permitira que os abutres e as hienas, não só chegassem ao cume, como aí se mantivessem o tempo suficiente para sorrateiramente, tudo lhe surripiarem, no início até parecia que fazia sentido. Quando tomou consciência do que se passava à sua volta era tarde, até a sombra lhe tomaram.

Se podia ter sido de outro modo? Claro. Mesmo uma recta tem dois sentidos. A alternativa é um imperativo. Nada mais importante que usar o que temos de mais importante, a nossa capacidade cognitiva, para formular as questões e decidir o rumo a seguir. Não tinha sido assim. Acreditara que o empobrecimento até fazia sentido, aquele discurso, naquela voz de barítono, sugou-lhe a vontade. Deixou-se ir. Foi despindo os anseios, as esperanças e até a própria sombra. Tornara-se um caminhante incansável, sob um sol inclemente, focado em paredes brancas e ásperas.

terça-feira, 16 de abril de 2013

A Barra do Dande


Chegou finalmente a hora da partida. O dia amanheceu chuvoso. E veio a dúvida, vamos ou não. Claro que fomos. E ainda bem. A distância em termos angolanos não é grande, apenas 230 km. Três horas de viajem. As estradas carregam as marcas da estação das chuvas. Tem buraco que engole carro. O terreno segue em suaves ondulados. Capim de três metros, verde brilhante. Quase engole a estrada. Pedimos direcção à BET (Brigada Especial de Trânsito) que solicitamente nos indicou caminho. Os embondeiros começaram a rarear. Luanda lá estava imensa. Cidade sem fim. Descemos para Cacuaco, depois a Barra do Bengo. Acabaram as árvores. Depois só palmeiras e erva seca e rasteira. Como tudo muda em tão poucos quilómetros. Finalmente a Barra do Dande. A animação ia alta. Entrámos na povoação. Não podia ser assim tão mau e ter umas seis ou sete esplanadas, grandes. Algo se passava ali. Fomos fazer reconhecimento. Atravessámos a ponte, prá outra margem. Praia linda palmeiras até 10 metros da água. Baía linda. Ondas de 30 cm. Água quentinha. O dia prometia. Voltámos. Muito peixe a secar, como na Nazaré. Fomos ao morro da administração. Horizonte sem fim. O Atlântico sempre lá. Mas o que primeiramente ali nos levara, fora a promessa do peixe mais fresco que já viramos. Baixámos à povoação. Abancámos na esplanada que mais nos encheu os olhos, que embora não comam, sempre comandam alguma coisa. Começámos com umas gambas, assim tipo camarão tigre sem listas, grelhadas. Atacámos a garoupa, que festim para as papilas gustativas, que tão maltratadas têm sido. Olhámos para umas lagostas lindas de morrer. Passámos a uns linguados, que para caber na travessa tiveram de ser cortados ao meio. Terminámos com uns chocos divinais. Acompanhamentos à altura, mandioca, banana, feijão de dendém e farinha. A Sagres e a Cuca fizeram as honras às cervejas e o Casal Garcia matou a sede a quem o quis beber. Como é hábito nestas terras, um scotch com muito gelo ajudou a simultaneamente baixar e subir a temperatura. O restaurante encheu mais de uma vez. Os clientes quase todos portugueses. O preço, uma agradável surpresa. A anfitriã simpatiquíssima. O quizomba animou os espíritos. O dia afinal terminou radioso. Há caminhos que têm de ser percorridos. A Barra do Dande (ainda) não é um luxo, mas a frescura do peixe que se lá come é!

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Sinto-me incompleto


Incompleto

 

 

Sinto-me incompleto.

Perguntareis por certo por que me assomou tal sentimento.

Que ideia será essa de se sentir incompleto?

Perguntais bem. Não é usual tal sentimento dominar alguém, a ponto de se destacar, a ponto de merecer honras de título.

Mas como poderei expressar o que me vai na alma, se de facto incompleto é como me sinto.

Li algures que “Podes ir longe só com as pernas, mas se usares a cabeça podes ir mais longe”. Concordo em absoluto.

Quando vemos a civilização que a europa construiu nestes últimos séculos, prestes a ruir quando estava tão próxima de conseguir o que apenas tinha sido imaginado. Quando o sistema democrático está a pontos de ser implementado em quase todo o planeta, por pressão europeia, vemos que em apenas duas ou três gerações a degeneração dos líderes políticos atingiu um grau inimaginável. Quando atingimos uma sociedade “quase” laica, após séculos de jugo religioso, vemos meio mundo prestes a iniciar uma guerra religiosa. Quando a tecnologia chega a quase todo o mundo, permitindo a realização de tarefas quase impossíveis há poucos anos, meio mundo deixa de ter acesso a ela por ter perdido o emprego. Quando os bancos, após quarenta anos a subornar os políticos, conseguem a “desregulamentação” dos mercados, de um modo quase absoluto, como sempre desejaram, destruíram a economia como na grande depressão. Quando os jovens têm acesso à educação, não conseguem emprego. Quando conseguem, ganham o salário mínimo. Quando temos finalmente acesso à saúde, os hospitais começam a fechar.

“Que vida é esta, amigo?”

Só me faz lembrar que estamos a cozinhar o jantar que sempre sonhámos e quando já cheira, a mesa está posta, a conversa está maravilhosa, ouvimos alguém dizer “acabou o gás!”

Sinto-me incompleto.

Ou será Anacleto?

Talvez analfabeto…

É mesmo incompleto!

Quando sabemos que os offshores vampirizam por completo a economia e não os fechamos…

Quando os bancos ganham mais a especular que a financiar a economia e os deixamos continuar…

Quando os políticos não são responsabilizados pelo resultado das suas ações…

Quando temos um País à míngua e deixamos nomear milhares de “Boys”…

“Quando Vemos, Ouvimos e Lemos, não podemos ignorar!”

E é aqui que queria chegar!

Quando tantos têm acesso a tanto e deixamos tudo ir pelo cano abaixo, algo não bate certo. Só pode ser porque embora tenhamos acesso a tanto, não usamos a cabeça para pensar. Não é à toa que a moda é ouvir os comentadores. Nunca houve tantos comentadores. Ele é comentadores na TVI, na SIC, na RTP, nos jornais, nas rádios. Pagos a peso de ouro. Para nos dizerem aquilo que queremos ouvir. Ou aquilo que pensamos que queremos ouvir. Ou aquilo que querem que pensemos que queremos ouvir.

Porque sempre as conversas de escárnio e mal dizer fizeram sucesso no nosso retângulo, ouvimos os comentadores zurzirem em todos que contam e nós batemos palmas.

Os comentadores têm tanto mais audiência quanto mais pauladas afinfarem. Quanto maiores as audiências mais eles ganham. Mais palmas nós batemos.

 

Sinto-me incompleto!

É paradoxal como o sentimento de segurança corrompe as pessoas. Enquanto temos algo a perder não damos um passo. Depois de perder tudo vamos à guerra. Quando vivemos em ditadura arriscamos a vida pela democracia, quando vivemos em democracia, preferimos a novela e o futebol.

Se tivéssemos aprendido algo com a natureza, seria que nunca devemos baixar a guarda, nunca podemos contar com nada garantido.

“Inquietação, Inquietação”

Ficámos moles, só queremos jogar, somos crianças velhas. Ou velhos crianças. Como quiserem.

Sinto-me incompleto!

Tem os que passam

Tem os que passam, de Alice Ruiz "Tem os que passam e tudo se passa com passos já passados tem os que partem da pedra ao vidro deixam t...