18 De Agosto de 2007
6:00 am – Tocou o despertador. Acordei para um dia completamente inesperado apenas duas semanas antes. O dia da minha viagem para a Mauritânia. Foi o dia em que mais me custou levantar e despachar em muitos anos. A Guida fez-me dar um beijo ao Xavier, coitado estava de tal modo a dormir que não deu qualquer sinal, quando o agarrei para o beijar. A Inês, como sempre aparenta maior autocontrolo e deseja-me boa viagem.
18 de Agosto de 2009, 3ª Feira. Faz hoje dois anos. Que vim para a Mauritânia. Cinco por cento da minha vida. As voltas que o mundo já deu desde que aqui cheguei. Vi o petróleo bater todos os recordes de preços. Assisti a um golpe de estado. Vi o petróleo cair a pique, a gasolina em Portugal nem por isso… Vi os cereais atingirem preços proibidos. Vi o PS perder as eleições europeias. Andei de camelo. Acompanhei a eleição do Obama, com toda a expectativa que isso trouxe a todo o mundo. A minha perspectiva do mundo deixou de ser apenas centrada em Portugal. Acompanhei o desenvolvimento da crise, que ao contrário do que possa parecer, não é exclusiva de Portugal. Vi nascer o sol quase todos os dias. Atravessei o rio Senegal a nado. Atravessei fronteiras dezenas de vezes. Encontrei novos amigos. Observei sociedades muito diversas da nossa. Percebi que a Europa já não interessa muito a quem lá não vive. Vi o Sporting ganhar uma Super taça e uma Taça de Portugal (ambas ao FCP). Vi o mesmo FCP ganhar dois campeonatos. O Nelson Évora ser campeão olímpico, e hoje vice-campeão do mundo. Assisti àquilo que já foi descrito como o fim da “Mauritânia Amável para o turista ocidental”. Vi amigos serem evacuados deste país, devido a atentados bombistas. Não vi o Rally Lisboa – Dakar, em Janeiro de 2008, deviam ter sido realizadas três etapas aqui perto, que eu, claro contava ir ver, mas não houve. Aniversariei duas vezes aqui. Tenho um cão. Que atingido o estado adulto, não me liga nenhuma, só quer é gajas. De vez em quando aparece a pedir desculpa, mas isso dura uns cinco minutos… Tenho uma macaca, que só quer fazer macaquices, cujo petisco preferido dá pelo apetitoso nome de “gafanhoto”, tenho que ser eu a apanhá-los, que a menina é fina… Perdi um amigo e colega de profissão. Ontem revi todo o filme, com o acidente de outro amigo e colega, felizmente sem consequências de maior. Já vou na terceira estação das chuvas nesta terra. Vi inundações, que fariam corar de vergonha os nossos jornalistas, quando anunciam inundações em Portugal. Assisti a chuvadas como só tinha imaginado, quando amigos e familiares, contavam como era na antiga África Portuguesa. Já engoli mais pó nestes dois anos que em toda a minha vida. Vi tempestades de areia, que pareciam produção de Hollywood. Fiz excursões de piroga ao longo do rio Senegal. Fui a Espanha, a França, a Gibraltar e a Ceuta (África) com a minha prole. Já tenho umas dezenas de carimbos no passaporte. Fiz milhares de quilómetros em picadas. Percebi que por mais crises que hajam em Portugal, continuamos muito longe de estar na miséria. Fui picado por centenas de mosquitos (sacanas, devem ter morrido envenenados). Fiz MUITAS vezes cem quilómetros de jipe, em picada, mais piroga, mais quilómetros a pé, só para saborear uma loura fresquinha. Mudei durante este tempo, fruto da solidão, da distância, do ar, da paisagem, do cheiro, dos novos amigos, deste continente. Sei o que é o anti-stress. O depois. O amanhã. O está quase. O é difícil. O relógio quase, quase, parado. Vi ONG’s. Acompanhei de perto programas da ONU. Comecei a escrever. Até poemas. Tenho uma horta. Sei o que é viver com um calendário de outra religião. Vim para um sítio onde me pediam que fale francês e o meu inglês está cada vez melhor. Cada vez que vou a casa sinto um frio de morrer. As distâncias aqui têm uma dimensão nova, que transformou Portugal em algo “pequenino”. Carros que em Portugal durariam uma vida, aqui com um ano estão “maduros”. Vi tudo isto. Vi muito mais. A magia é por um lado “ver” por outro é “apreender” e “sentir”. Não sei o que o futuro trará. Talvez porque como alguém disse o futuro nunca existe, o que existe é sempre o presente. Só sei que a capacidade de maravilhamento está cá. O ficar apaixonado por uma flor. O sentir a natureza despertar após oito meses de seca. O ver peixes a sair do chão após a queda das primeiras águas. O vermelho da areia, transformado em verde da erva em escassas horas. Isso ninguém mo pode tirar.
Estes escritos representam acima de tudo estados de espirito. Dia a dia de um português em Portugal
terça-feira, 18 de agosto de 2009
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