sábado, 20 de novembro de 2010

Tombuctu

Estou em Tombuctu. Cidade história. Passado presente. Presente passado. Cidade dos tuaregues, hoje por hoje dos turistas. Estes locais prenhes de história e de estórias depois da descoberta dos turistas passam a dispor daqueles pequenos mimos que (não) dispensamos. Temos bons hotéis. Casas de artesanato. Guias para nos mostrar todos os cantos da cidade.

Tudo tem o seu reverso. As crianças crescem a ver turistas todos os dias e todos os dias os vêm a pagar por tudo e por nada, quando se vê um branco por estes lados é sinónimo de dinheiro a rebentar por todos os lados, todos querem o seu quinhão. Como estou só, e pareço árabe, safo-me.

Tombuctu tem no entanto coisas únicas. As casas são feitas com um tipo de tijolo que só há aqui. As portas são enormes, de madeira maciça, com grandes batentes metálicos e intrincados motivos também metálicos, que tornam cada porta numa peça única. Como apenas uma cidade antiga e importante pode ter, Tombuctu tem muitas bibliotecas. Antigas bibliotecas, que estão ao cuidado da mesma família há séculos. Aqui também há muitos historiadores. Centros culturais. Mesquitas construídas em terra com mais de sete séculos. Um mercado de artesãos cuidado e com artigos (ainda) genuínos.

O deserto está aqui à porta, melhor, adentro mesmo da cidade, a lembrar aos homens, que se esta é a capital do deserto, o deserto reserva-se o direito de reclamar o que é seu.

Quem possa pensar vir até aqui deve ter em conta, Tombuctu é longe de quase tudo. Os acessos (ainda) são maus. Podem sempre vir de avião, mas aí o choque será sempre diferente. Quem venha da Europa e aterre em Tombuctu, não terá feito a adaptação que quase mil quilómetros necessariamente fazem. Não terá visto a mudança da paisagem. As povoações que lutam por existir num ambiente agreste. As pessoas que se dedicam à sobrevivência diária, umas com os seus rebanhos, outras com a pesca, outras cultivando os campos. Atravessar tudo isso como fizemos ontem, quinhentos quilómetros em dez horas sem parar, mostra-nos uma Tombuctu com outra luz, com outro encanto. Beber aqui o chá com os tuaregues, não é somente beber o chá, é providenciar aos sentidos algo amargo, doce, quente, aromático, num ritual que nos faz sentir pertença e não sermos um objecto estranho que caiu do céu.

Em Janeiro próximo realiza-se aqui o festival do deserto. Um festival de música. Com músicos de todo o mundo. Até recentemente este festival realizava-se a cerca de setenta quilómetros de Tombuctu, deserto adentro. Numa zona de difícil acesso, sem água, comida ou sombra, curiosamente, talvez devido às circunstâncias particulares de segurança que vivemos, o festival realiza-se agora mesmo às portas da cidade e são os próprios habitantes que realçam o gosto perdido de antanho. Passou a ser um festival (quase) como os outros. Pode-se estar num confortável hotel, ir ao festival e regressar para um duche e uma noite reconfortante, para voltar no dia seguinte.

Tombuctu é a cidade dos 333 santos. Cidade que há já muitos séculos prega o islão. A primeira universidade subsaariana existiu aqui desde o século treze. No quarto do hotel onde estou, numa mesa-de-cabeceira tenho o sagrado Corão, em inglês e Árabe, na outra tenho a sagrada Bíblia, em Francês.

Há aqui bares com música ocidental e bebidas alcoólicas.

Tombuctu perdeu a aura mítica, com que atravessou muitos séculos. A sua fama de riquezas atraiu tantos a partir à sua descoberta e tão poucos viram recompensada a sua empresa… Talvez o seu futuro esteja no seu isolamento, mas também nos seus acessos. Nos seus tesouros, mas também nos seus turistas. Na sua história certamente, mas também na sua capacidade de inovar. Nos seus habitantes, mas também nos estrangeiros que aqui queiram investir, como o novo hotel Líbio, prestes a abrir, que para além do aspecto magnífico, tem acesso a uma praia banhada por água trazida por um canal desde o vizinho rio Níger…

Com todas as suas contradições, se vale a pena a viajem? Certamente.

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