domingo, 21 de novembro de 2010

Tombuctu II

 

Para terminar a estada na cidade mítica uma deslocação ao porto de Kouriomé, ancoradouro que serve Tombuctu, o rio nesta zona apresenta uma largura tal que a margem sul apenas é adivinhada. O “BAC” transporta um camião para a outra banda. É a partir de Kouriomé que podemos partir para uma visita aos hipopótamos. Terá que ficar para outro dia.

De volta a Tombuctu, o comandante Sangaré sugere uma visita ao “Institut dês Hautes Études et de Recherches Islamiques Ahmed Baba de Tombouctou”. Entrámos chamam-nos a atenção para o adiantado da hora. Somos recebidos pelo director o Dr. Djibril Doucoure, as apresentações da praxe, sem grande entusiasmo. O Dr. Doucoure faz menção que pertence aos descendentes do Império do Ghana, anterior ao do Mali e ao próprio Islão, por estas paragens. Ao escutar isso atirei-lhe, “então é Sarakolé, primeiro sorriso, é Soninké!, Largo sorriso, “Ha Kembiré Waga”, um salto na cadeira e um discurso em soninké, ao qual só respondia com acenos de cabeça e sorrisos. O Dr. Doucoure comenta para o comandante, “Isto é fantástico, ele (eu) conhece os soninké e a própria língua”, claro que não me desmanchei e a partir deste momento as horas passaram para segundo plano. Quando referi que era português, disse-me logo que os portugueses foram os primeiros europeus a chegar ao império do Mali e agora estavam de volta. Tombuctu necessita desta estrada como de pão para a boca e nós somos muito bem-vindos. Boa.

Bouya Haidara, chefe bibliotecário, levou-nos então a ver os famosos manuscritos. O primeiro que me chamou a atenção foi um de Avicena, Tratado de Medicina em Verso, o mais famoso filósofo e médico do seu tempo séc. XI, à mil anos portanto, este é também o mais antigo da biblioteca, que conta com mais de trinta mil, já catalogados, não estando o total apurado pois muitos há ainda para catalogar.

Contou-nos de modo resumido a história de Tombuctu, mostrou-nos o acervo da biblioteca e a todas as questões respondeu sempre com inusitado prazer.

Fomos ainda ver a terceira mesquita histórica, já tinha visto a Dingarey ber, construída em 1325, pelo imperador Kankou Moussa, após o regresso da peregrinação a Meca, a Sankoré, do Séc XV, que tem como curiosidade ter um diâmetro igual ao da Kaaba em Meca e que ficou famosa por ter sido o santuário dos intelectuais e a casa mãe da universidade de Tombuctu, fomos então ver a Sidi Yéhia, de 1400, onde estão os restos mortais de Sidi Yéhia Al-Andalusi, famoso arquitecto Al-andaluz, reponsável por boa parte da cidade velha.

Tanta coisa vista em tão pouco tempo. Tanta coisa por descobrir.

Um comentário:

  1. No Norte, os islamistas decidiram criar uma estrutura baseada numa visão radical da sharia (a lei islâmica), e proibiram tudo o que consideraram não puro — a música foi proibida, por exemplo, assim como os telemóveis. E em Tombuctu, os jihadistas do grupo Ansar Dine destruíram, com picaretas e machados, santuários, mausoléus e sepulturas - consideraram os monumentos históricos ofensivos da fé islâmica, tal como o Estado Islâmico que tem destruído património da humanidade no Iraque e na Síria. E queimaram documentos insubstituíveis, por exemplo os manuscritos guardados no centro de documentação e investigação Ahmed Baba.
    In jornal Público.
    Infelizmente estamos de volta à história, quem pensava que a barbárie era passado, desengane-se. Está bem presente.

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