Para terminar a estada na cidade mítica uma deslocação ao porto de Kouriomé, ancoradouro que serve Tombuctu, o rio nesta zona apresenta uma largura tal que a margem sul apenas é adivinhada. O “BAC” transporta um camião para a outra banda. É a partir de Kouriomé que podemos partir para uma visita aos hipopótamos. Terá que ficar para outro dia.
De volta a Tombuctu, o comandante Sangaré sugere uma visita ao “Institut dês Hautes Études et de Recherches Islamiques Ahmed Baba de Tombouctou”. Entrámos chamam-nos a atenção para o adiantado da hora. Somos recebidos pelo director o Dr. Djibril Doucoure, as apresentações da praxe, sem grande entusiasmo. O Dr. Doucoure faz menção que pertence aos descendentes do Império do Ghana, anterior ao do Mali e ao próprio Islão, por estas paragens. Ao escutar isso atirei-lhe, “então é Sarakolé, primeiro sorriso, é Soninké!, Largo sorriso, “Ha Kembiré Waga”, um salto na cadeira e um discurso em soninké, ao qual só respondia com acenos de cabeça e sorrisos. O Dr. Doucoure comenta para o comandante, “Isto é fantástico, ele (eu) conhece os soninké e a própria língua”, claro que não me desmanchei e a partir deste momento as horas passaram para segundo plano. Quando referi que era português, disse-me logo que os portugueses foram os primeiros europeus a chegar ao império do Mali e agora estavam de volta. Tombuctu necessita desta estrada como de pão para a boca e nós somos muito bem-vindos. Boa.
Bouya Haidara, chefe bibliotecário, levou-nos então a ver os famosos manuscritos. O primeiro que me chamou a atenção foi um de Avicena, Tratado de Medicina em Verso, o mais famoso filósofo e médico do seu tempo séc. XI, à mil anos portanto, este é também o mais antigo da biblioteca, que conta com mais de trinta mil, já catalogados, não estando o total apurado pois muitos há ainda para catalogar.
Contou-nos de modo resumido a história de Tombuctu, mostrou-nos o acervo da biblioteca e a todas as questões respondeu sempre com inusitado prazer.
Fomos ainda ver a terceira mesquita histórica, já tinha visto a Dingarey ber, construída em 1325, pelo imperador Kankou Moussa, após o regresso da peregrinação a Meca, a Sankoré, do Séc XV, que tem como curiosidade ter um diâmetro igual ao da Kaaba em Meca e que ficou famosa por ter sido o santuário dos intelectuais e a casa mãe da universidade de Tombuctu, fomos então ver a Sidi Yéhia, de 1400, onde estão os restos mortais de Sidi Yéhia Al-Andalusi, famoso arquitecto Al-andaluz, reponsável por boa parte da cidade velha.
Tanta coisa vista em tão pouco tempo. Tanta coisa por descobrir.
No Norte, os islamistas decidiram criar uma estrutura baseada numa visão radical da sharia (a lei islâmica), e proibiram tudo o que consideraram não puro — a música foi proibida, por exemplo, assim como os telemóveis. E em Tombuctu, os jihadistas do grupo Ansar Dine destruíram, com picaretas e machados, santuários, mausoléus e sepulturas - consideraram os monumentos históricos ofensivos da fé islâmica, tal como o Estado Islâmico que tem destruído património da humanidade no Iraque e na Síria. E queimaram documentos insubstituíveis, por exemplo os manuscritos guardados no centro de documentação e investigação Ahmed Baba.
ResponderExcluirIn jornal Público.
Infelizmente estamos de volta à história, quem pensava que a barbárie era passado, desengane-se. Está bem presente.