quinta-feira, 7 de outubro de 2010

A estrada de Tombuctu

O destino volta a bater à porta. Embora o nosso planeta, por vezes pareça pequeno demais, para as crueldades a que o submetemos, por enquanto ainda é vasto o suficiente, para o número daqueles que poderão ter uma visão global, ser bastante restrito. Estive em casa o tempo de uma gestação. Volto a aventurar-me na imensidão africana. Com tanta África possível, volto para o sahel. Mudo no entanto de país, da Mauritânia para o Mali. Mudo-me da beira Rio Senegal, para a beira Rio Níger. Dois rios que nascem nas mesmas montanhas, seguem por momentos na mesma direcção e subitamente continuam por caminhos opostos. Apostados em manter a vida em locais, hoje inóspitos, onde apenas a sua existência permite estancar o avanço das areias do grande deserto do Sahara.
O Rio Níger é o terceiro maior de África, tem mais de 4100 km. Foram os Portugueses João de Santarém e Pedro Escobar que em 1471 descobriram a sua foz, na actual Nigéria. Durante quatro séculos a localização da sua nascente foi um completo mistério. Bastantes exploradores perderam a vida a tentar localizá-la.
No séc. XIX finalmente o curso deste importante rio foi testemunhado, da nascente nas montanhas Fouta Djallon, na fronteira da Guiné-Conacry com a Serra Leoa até à foz na Nigéria, passando pelo Mali, o Níger e o Benim.
Uma das zonas mais ricas em vida deste enorme rio é o Delta Interior do Níger, zona com uma extensão semelhante a Portugal, que todos os anos é inundada pelo Níger durante a época das chuvas, de Junho a Setembro. Esta zona poderia ser como o delta do Okavango no Botswana, após deixar Angola, precipita-se nas areias do Calaári e desaparece. Aqui no Mali, no entanto, o Níger aporta uma quantidade imensa de água, que lhe permite espraiar-se por centenas de quilómetros e seguir viagem até ao golfo da Guiné, distante cerca de 3000 km...
É então aqui, às portas do Sahara, cerca de Tombuctu, a capital do deserto, que vamos facilitar o acesso a uma cidade, outrora capital de impérios riquíssimos, conhecida hoje pelos seus festivais de música, que atraem forasteiros de todo o mundo.
Tombuctu apenas perdeu a sua importância, quando os portugueses passaram a dominar o atlântico e a realizar o comércio entre o sul e o norte através das rotas marítimas, tornando as rotas do deserto obsoletas. Nestes quatro séculos contudo manteve-se como porta de entrada para o grande oceano de areia que é o Sahara.
O Mali sendo um país sem mar, produz anualmente mais de 150000 toneladas de peixe, fruto da prodigalidade das águas quentes do Níger.
Neste enorme país, rico em tradições e habitado por povos variados, falam-se quase tantas línguas como em toda a Europa. Pratica-se a agricultura desde à 9000 anos, numa região outrora verde e que as alterações climáticas ocorridas à 6000 transformaram no grande deserto.
É então aqui, neste mar de água às portas de deserto, que iremos mudar a vida de muita gente e que muita gente irá mudar a nossa...

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