Voltou
diferente. Ninguém percebia isso. Como explicar um horizonte sem
fim. Decerto lhe desconsiderariam se lhes falasse do inebriante
cheiro depois da chuvada. Seguramente de louco não passaria se
tentasse colocar em palavras a sensação de tranquilidade que a
vista daquele rio lhe transmitia, como se a casa retornasse. Isso era
o mais estranho, como se pode viajar meio mundo e sentir que se está
de volta a casa, como o filho pródigo. A vontade de gritar aos
quatro ventos que a sua alma estava em casa, a milhares de
quilómetros. O reconhecer aquilo que nunca se viu, como um bebé
que dá os primeiros passos, dava-lhe vontade de rir. Como explicar o
prazer de reconhecer um cajueiro à primeira vista sem qualquer
referência anterior. As palavras são a maior invenção do homem,
mas ainda assim vivências inexplicáveis não são fáceis de contar
por palavras. Talvez o problema não seja destas, mas dos ouvidos que
(des)ouvem, numa época que perdemos o contacto com o que nos rodeia.
Com toda a certeza o maior erro do homem é a falta de respeito pela
natureza, que se traduz nas agressões que diariamente lhe
infligimos. Curiosamente essa mesma falta de respeito inibe-nos de
usufruir do que está à nossa volta. Um mea culpa e um regresso à
vida sustentável são desejáveis e quanto mais cedo chegarem
melhor.
Estes escritos representam acima de tudo estados de espirito. Dia a dia de um português em Portugal
terça-feira, 12 de fevereiro de 2013
terça-feira, 5 de fevereiro de 2013
Cachoeiras
A
noite passou urgente. O céu clareou enxuto de nuvens prometendo
calorias. Pela primeira vez ia sair. Conhecer chão. O grupo cumpriu
horário. Asfalto negro esperava-nos. Verdes horizontes prometiam
vistas. Breve passámos Kiamanfulo e a Terra Nova. O desconhecido
abria as portas. Munenga convidava um ida a Calulo, outro dia seria,
desta vez o destino era outro. Poucas Aldeias, esparsas. Capim bué
alto. Depois das montanhosas terras de beira-kwanza, chão fértil
alberga modernas fazendas agrícolas. Próximo destino a Quibala.
Viragem à direita direção Gabela. Cada vez mais aldeias, maiores,
mais juntas, fazendas tipo “Dallas”. Serra da Gabela, tudo
cultivado. Bonito chão vermelho. Muito milho. Um arbusto belo chama
a atenção. Vendas, beirando a estrada. Descemos para as salinas. A
cor muda. Ocre. Cactos. Espinhosas. Cachoeiras. Ruidosas. Uma ponte
onde as cinco quinas ainda teimam. O tramo central partiu faz tempo.
Foi a loucura da guerra. Água. Muita água. Lança-se intrépida
cachoeira abaixo. O vapor refresca as quenturas do sol. Um verdejante
palmeiral bordeja tranquilo rio no remanso do percurso final atá ao
mar oceano. Um belo restaurante, prometendo frescuras. Vistas
deslumbrantes. Passamos primeiro a pé, na ponte esventrada, depois
de carro na vizinha nova. Placa antiga, “Parque das Cachoeiras”,
um ancião pede para assinarmos o livro das visitas, onde podemos
testemunhar nomes familiares. Nomes estranhos. Nomes prováveis.
Nomes exóticos. Risos. Frondosas árvores continuam a testemunhar a
alegria das crianças a banhar-se em quentes águas. Tranquilas
águas, depois do inebriante descenso. Dezenas de indianos. Não
deixou de nos surpreender. No regresso à verdejante e fresca Serra
da Gabela, tempo de provar in-situ o melhor ananás de Angola,
segundo dizem. Não conheço outro, se não é o melhor, não
interessa, superou as expectativas. Papaias, abacates, maracujás,
fruta pinha, cana de açúcar. Além de bananas diversas, batata doce
e tantas outras cores. Seguimos, voltámos a ver o arbusto
desconhecido. Fazenda espectacular. Casario de sonho. Instituto
Nacional do Café. O mistério resolveu-se. O tal arbusto é o
cafezeiro. Na Quibala, cometi um sacrilégio, entrei na Casa do
Benfica. É verdade. Bebi lá uma Sagres e comi um prego no pão. Não
sou perfeito. Eu sei. Tem um mapa desenhado na parede, desde Luanda a
Benguela, maravilha, os nomes das cidades, Nova Lisboa, Novo
Redondo...
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