Quem sou eu?
Nestes quatro anos africanos, se algo percebi sobre a pessoa que sou, compreendi que sou realmente português. Revejo-me no passado luso, independentemente, de episódios hoje politicamente incorrectos, das barbaridades cometidas. Sei que há episódios bastante tristes na história dos portugueses. Mas todos têm telhados de vidro. Além do que a história não é um conto de fadas, mas sim um registo factual de factos passados. Só conhecendo a história poderemos compreender o presente. Assim quem sou eu? Provenho de uma pequena comunidade agrícola. Limitada nos seus horizontes, porque auto-suficiente durante séculos. Educação baseada em princípios, tais como honra, trabalho, família, respeito. Gente modesta mas impoluta. Gentes de costas direitas. De princípios. Apanhei uma geração de mudança, com a industrialização da região. Cresci rodeado de livros. De música. Apanhei uma revolução antes de completar a primeira década. Assisti à primeira novela brasileira em Portugal, a Gabriela, Cravo e Canela, que nos mostrou outros modos de falar o português. E o gosto pelos livros do grande Jorge Amado. Embora já não tenha sido criado “à luz do candeeiro a petróleo” pude vivenciar o modo de vida dos meus avós, um, camponês que me passou o amor à terra, outro, sapateiro que sempre foi amigo de quem mais precisava, mesmo que a minha avó tivesse que andar atrás dos caloteiros para alimentar os filhos. Vi como se recebem “reis” em casas humildes, exactamente como os pedintes. Sempre houve um prato quente para quem dele precisou. A solidariedade nunca foi para mostrar nas colunas sociais, inexistentes de qualquer modo, mas sim algo intrínseco, como o ar que respiramos. Quem sou eu? Alguém para quem a honra não é uma palavra vã. Orgulhoso. Alguém que dá a camisa, independentemente de vir a precisar dela mais tarde. O único na família nesta actividade. Um idealista. Um amante das artes, das viagens. Alguém que adora a geografia, a sociologia, a história. Sou incapaz de ir a um lugar sem saber o que representa.
Como estou?
Retomei os sonhos. O gosto pelo pôr-do-sol. A geografia. A história. A filosofia. Sei que continuo incompleto. Talvez para todo o tempo que me resta. Estou grato. Mesmo se tantos me desapontaram, nestes quase, seis longos meses. Pois compreendi que mais importante que ter muitos amigos, é ter pelo menos um que conte, que faça a diferença, que se importe, que chore connosco, que nos passe energia. Estou incrédulo. A verdade continua a doer. Uma dor latente. Invisível. Presente. Estou mais sensível, mais frágil, mais forte, mais preparado, mais endurecido, mais próximo da verdade. Estou vivo e isso faz toda a diferença.
De que forma estou funcionando?
Uns dias a pilhas. Noutros em busca do Santo Graal. Nuns dias com vontade de chorar, noutros de ajudar. Ainda não sei por onde vou. Há muitos caminhos. Por um lado ainda bem, nunca gostei de unanimidades. Melhor uns dias, pior noutros. A rir e a chorar. Talvez mais extremo, agora não me basta o mais ou menos, o assim-assim. Estou mais exigente, mais ciente. Em busca. Com muitos sonhos, como uma criança solta no mundo, que se apercebe da sua pequenez, como um grão de areia numa praia. Não é nada. Mas a praia sem ela não é a mesma.