21 de agosto de 1415.
Há seiscentos anos Portugal
experimentou, com a conquista de Ceuta, uma nova fase da sua história. Então,
pela primeira vez cruzou mares e saiu do espartilho das fronteiras que o
impediam de crescer. Jogada arriscada, que, poderia ter terminado a expansão
logo ali no primeiro movimento. Assim não foi e a Ceuta seguiram-se várias
praças na costa marroquina. Aberto o apetite, pelo desconhecido, pelos lucros,
pela chance de alargar influências, de espalhar a fé cristã, Portugal teve um
período de século e meio de domínio dos mares e as artes navegatórias. Tamanha
empreitada para tão parca gente. Portugal era no século XV uma potência
marítima. As conquistas basicamente correspondiam a praças costeiras, que serviam
para apoiar o esforço de chegar mais longe. Fosse em abastecimentos como em
porto seguro. Com a dificuldade de manter as praças marroquinas, que se
revelaram um sorvedouro de dinheiro e gentes ao contrário do esperado, com a
melhoria da autonomia dos navios e com os conhecimentos adquiridos, as praças
do norte de áfrica seriam abandonadas, umas, oferecida como dote de uma
princesa, Tanger, de outra princesa, Ceuta. Uns dois séculos e meio durou esta
empresa. As ilhas da Macaronésia seguiram-se, estas bastante menos
problemáticas porquanto desabitadas de gentes ciosas das suas terras, dos seus
costumes e dos seus deuses. A cultura da cana de açúcar, na ilha da madeira
representou o primeiro retorno de vulto, sem contar com os saques das
conquistas, estes irrepetíveis após a conquista, aquela a dar retorno maior a
cada ano, pois uma população europeia descobriu-se gulosa de açúcares e pronta
para compensar quem lhe conseguisse adoçar a mesa. A navegação continuou costa
africana sempre à vista até dobrar o famoso cabo das tormentas, que seria baptizado
da boa esperança. Com a inflexão para o Índico veio a chegada à terra da
pimenta, autêntico “petróleo” do século XVI. Os portos índicos à semelhança dos
atlânticos serviam como bases de apoio, tipo áreas de serviço dos nossos dias.
O objectivo não era colonizar, mas sim ganhar dinheiro com as trocas
comerciais. Buscaram-se parceiros entre os povos locais que tivessem prestígio,
poder e artigos rentáveis. A excepção veio das citadas ilhas da Madeira, Açores
e Cabo Verde, bem como do imenso Brasil. A costa africana subsariana resistiu
séculos à penetração, primeiro portuguesa, depois europeia. A principal causa
terá estado na mortandade que provocava nas gentes que ensaiaram a fixação. Quem
diria que um simples mosquito teria tanta influência no desenrolar dos séculos.
Se no Brasil a malária, embora presente, apenas incomodava, em Angola matava.
Diogo Cão chegou à foz do Zaire
em 1482, subiu o rio na sua parte navegável e deixou um padrão de pedra a
assinalar a presença dos portugueses. Pedro Álvares Cabral chegou à Bahia em
1500, dezoito anos depois. Se no Brasil foi criado um sistema de capitanias,
com o objectivo de explorar o território e o povoar, em Angola tal nunca
ocorreu. Angola serviu durante três séculos como fornecedor de mão de obra
escrava, essencialmente para o Brasil, mas também para outras colónias
europeias nas Américas. Angola foi até à abolição do tráfico de escravos,
fundamentalmente uma colónia brasileira. Comandada a partir do Brasil, por
brasileiros (mesmo se à época o Brasil não fosse independente). Por cada 20
navios que atracavam Luanda, vindos do Brasil, chegava um de Lisboa. Em 1641
foi uma armada vinda de Pernambuco que expulsou os holandeses de Luanda.
Até ao século XIX Angola não era
na realidade uma colónia, apenas um conjunto esparso de feitorias e postos
comerciais. Não havia mais de 1000 brancos em todo o território, dos quais mais
de metade em Luanda.
O que mudou então? O fim do
tráfico de escravos, representava 90% das exportações de Angola! A
independência do Brasil, que levou ao corte de três séculos de ligação a
áfrica. O Brasil virou-se para si e “esqueceu” o passado, hoje muitos
brasileiros desconhecem esta parte da história.
Acima de tudo o que mudou foi que
a Europa evoluiu tecnologicamente e Portugal ficou agarrado à história,
magnífica sim, mas pretérita. Essa Europa descobriu o filão africano, não
respeitou a história e resolveu retalhar um continente entre si, sem tomar em
conta nada que não fossem os seus interesses. Na célebre conferência de Berlim,
os portugueses reservaram a sua parte, invocando a histórica presença. Os
poderosos, piscaram os olhos entre si e que sim disseram, desde que Portugal
ocupasse “de facto” esse imenso território. Não o tinham feito em séculos sem
concorrência, como o iriam fazer agora? O final do século XIX e início do XX
representaram uma época de ouro para exploradores, com indígenas no sertão, com
reis nas salas recém inauguradas das sociedades de geografia. Veio a ocupação
do território, esparsamente habitado. África tinha menos habitantes no início
do século XIX que a maioria dos países africanos hoje em dia. A colonização
europeia de Angola ocorreria apenas nos anos vinte do século XX primeiro e
depois da segunda gerra mundial, mesmo assim Angola na época não tinha
autorização para produzir quase nada, excepto produtos agrícolas e minerais. O
poder metropolitano não autorizava a entrada de colonos não portugueses. Angola
foi mantida isolada até aos anos 50. Curiosamente não havia racismo, no sentido
branco – preto. Os portugueses eram fundamentalmente homens, tinham filhos com
as mulheres locais. Os mulatos representavam a ligação entre colonos e nativos.
Nos anos 50, começou a imigração de famílias inteiras. As mulheres brancas não aceitaram
a miscigenação até então reinante. Começou o racismo. As pretas eram lindas, jovens e disponíveis… A imigração trouxe muitos brancos humildes que começaram a
“roubar” os empregos que sempre tinham sido dos pretos, barbeiros, sapateiros…
Com o advento da guerra colonial
em 1961, o governo português enviou enormes contigentes militares para Angola.
Investiu na abertura de estradas. Na criação de pólos de desenvolvimento um
pouco por todo o território. Os magalas gastavam o soldo no território,
garantindo um consumo crescente, que fez o PIB disparar, criando hábitos novos.
O território estava efervescente.
A fractura estava lá, insanável.
Durante tantos anos a administrar um território os portugueses não lograram
desenvolvê-lo, essencialmente devido às vistas curtas do poder político de
Lisboa, que preferiu manter Angola atrasada, mas consumindo as zurrapas da
metrópole, do que apostar na colonização “de facto” do território por europeus
que pudessem, a exemplo do verificado nas Américas, ter desenvolvido o país.
BIBLIOGRAFIA: RIBEIRO, Orlando –
A colonização de Angola e o seu fracasso